domingo, 30 de maio de 2010

José Serra e a Bolívia: pré-candidato usa senso comum para atacar governo boliviano e angariar votos

Mas o que Serra não diz é que São Paulo é o principal hub da coca boliviana no país

O pré-candidato à Presidência da República do PSDB, José Serra, ganhou lugar sob os holofotes da mídia nos últimos dias por causa de uma revelação “bombástica”: Serra disse que a Bolívia é o grande responsável pelo tráfico de drogas no Brasil.

Bem, gostaria de tecer alguns comentários acerca da afirmação de Serra sobre nossos vizinhos. Na verdade, eu relutei em comentar esse assunto, porque achei que se tratava apenas de um factóide passageiro cuspido por um pré-candidato à Presidência para angariar apoio popular.

Mas, como percebi que José Serra estava insistindo muito nessa questão, resolvi fazer aqui uma reflexão sobre o assunto, até para que os eleitores desavisados saibam um pouco mais sobre esse assunto levantado pelo ex-governador paulista.

A primeira reflexão que tenho a fazer não se trata da Bolívia, mas do estado de São Paulo. Por quê? Acredito que seja importante situar o leitor sobre a real situação da cocaína no Brasil. Também acredito que o político, antes de criticar o terreno do vizinho, precisa se preocupar com seu próprio quintal.

São Paulo é considerado hoje o principal centro de distribuição de cocaína do Brasil, um verdadeiro hub do pó. Não só porque as drogas (e armas) fluem do Paraguai e da Bolívia (via Paraná e Mato Grosso do Sul) para o estado de São Paulo, mas porque a principal quadrilha atacadista de drogas do Brasil é paulista.

Hoje, criminosos do Rio de Janeiro, por exemplo, se abastecem principalmente em São Paulo, quando querem preencher seus estoques de maconha e cocaína. A constatação é do delegado da Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) do Rio de Janeiro.

Isso significa que o governo de São Paulo foi e está sendo leniente para impedir o tráfico de drogas? Não necessariamente. O comércio das drogas, assim como comércio legal, atende uma lei básica: a oferta e a demanda. Se tem mercado para o consumo das drogas, haverá alguém vendendo.

São Paulo é um hub da cocaína talvez por causa de sua incômoda posição geográfica dentro do Brasil: faz limite com Paraná e Mato Grosso do Sul, dois principais estados de trânsito da droga boliviana.

A partir dessa facilidade geográfica (e certamente por inúmeros outros fatores), criminosos de São Paulo assumiram esse importante papel na cadeia comercial da cocaína: o de broker. Afinal, comerciantes do varejo precisam ser abastecidos para que possam vender seu produto ao consumidor final. Produtores precisam de intermediários para que seus produtos cheguem aos varejistas.

Agora voltemos à Bolívia. José Serra diz que a maioria da cocaína consumida dentro do Brasil vem do território boliviano, seja em forma de base ou em forma de sal (pó). E ele está correto quanto a isso.

Mas será que ele está certo quando diz que a Bolívia é responsável pela cocaína estar infestando as ruas e os narizes brasileiros ou quando diz que o governo boliviano está sendo “leniente” com esse comércio? Bem, a meu ver, ele está errado quanto a isso. José Serra está sendo ingênuo, simplista e impreciso ao fazer tais afirmações.

Vamos então analisar alguns dados das Nações Unidas e do Escritório de Controle de Narcóticos do Departamento de Estado norte-americano. A Bolívia é responsável apenas por 18% de toda a coca plantada no mundo (Peru e Colômbia respondem por 81%) e por 13% da cocaína produzida (Peru e Colômbia são responsáveis por 87%).

A fatia ocupada pela Bolívia no mercado total de produção de cocaína permanece praticamente estável desde 2004 (com altas e quedas de cerca de 5% de um ano para outro), assim como a área cultivada de folha de coca.

Ainda assim, o tamanho das plantações e da capacidade de produção da droga são consideravelmente inferiores àqueles apresentados na primeira metade da década de 90, quando a Bolívia tinha uma participação muito mais importante no mercado global de cocaína.

Os Estados Unidos, em seu relatório sobre o mercado global da droga deste ano, reconhece que a Bolívia tem atingido a meta de erradicação de plantações de coca estipulada pelas Nações Unidas, de 5 mil hectares por ano. No ano passado, a Bolívia erradicou 6.400 hectares.

Segundo dados da ONU e dos Estados Unidos, as apreensões de cocaína na Bolívia têm crescido ano após ano. No ano passado, teriam sido apreendidas 27 toneladas de cocaína, contra 9 toneladas em 2005, 13,5 toneladas em 2006 e 17 toneladas em 2007.

Os EUA também reconhecem que a Bolívia destruiu, apenas no ano passado, 24 laboratórios de cloridrato de cocaína (o pó), 4.800 laboratórios de coca base e 6.700 poços de maceração (a primeira fase da transformação da folha em droga).

No mesmo ano, policiais bolivianos prenderam 3.400 pessoas por envolvimento com o tráfico de drogas e o Estado processou 1.240 delas. Os números são bastante expressivos para um governo chamado de leniente por um pré-candidato brasileiro que parece não conhecer a realidade boliviana.

O que é mais interessante é que a Bolívia sequer precisaria empregar todo esse esforço. A Bolívia, a meu ver, teria todo o direito de ser leniente com o uso e o comércio da coca. Afinal, a coca faz parte da cultura andina há séculos.

O próprio presidente Evo Morales é um adepto da cultura cocalera. Ele mesmo é um líder cocalero e defende, no mundo, a legalização do comércio de folhas de coca.

Mas mesmo crendo que a coca não é maléfica e que ela nunca foi responsável por corromper sua sociedade, a Bolívia tenta jogar pelas regras dos Estados Unidos e da União Europeia e continua a combater o tráfico em seu país.

Como visto, a Bolívia contribui apenas com uma pequena fatia para a produção de coca no mundo. Nossos vizinhos Peru e Colômbia, de quem os Estados Unidos tanto gostam, têm um papel muito mais marcante no comércio da droga.

Os tamanhos das plantações e da produção de coca em Peru e Colômbia seguem a mesma tendência de estabilidade que na Bolívia (com exceção do ano de 2008 na Colômbia, que teve uma redução expressiva na produção de cocaína). Ambos países têm extensas áreas cultivadas com coca e produzem imensa quantidade de droga.

E mais: uma fatia considerável da cocaína produzida na Colômbia também entra no território brasileiro, apesar da maior parte dela ser remetida ao exterior.

Quer dizer que Peru e Colômbia são lenientes com o tráfico de drogas? Se são lenientes, por que então não há críticas aos governos de Alan García e Álvaro Uribe?

José Serra pode dizer que criticou a Bolívia porque é a cocaína boliviana que está intoxicando os brasileiros e não a cocaína peruana e colombiana.

Certo. Mas o fato da cocaína usada no Brasil vir da Bolívia é apenas acidental. Se não viesse da Bolívia, viria da Colômbia ou do Peru (aliás, parte da coca que chega ao Brasil pela Bolívia é plantada no Peru, já que os peruanos usam a Bolívia como entreposto).

O Brasil consome a cocaína boliviana porque ela é mais barata. A cocaína colombiana, bem mais refinada (fruto de um bem desenvolvido parque químico existente naquele país) e mais cara, é remetida à Europa ou aos Estados Unidos, onde pode ser vendida em dólares ou euros.

A Bolívia nunca desenvolveu bem seu parque de refino de cocaína, até porque durante muitos anos, na época de ouro dos cartéis colombianos, a coca boliviana era remetida à Colômbia para ser refinada e transformada em cloridrato.

Com isso, a Bolívia se especializou em produzir a coca-base e uma cocaína de menor qualidade. E o pior: essa droga barata encontrou um mercado promissor no Brasil. Não porque os traficantes bolivianos quisessem nos intoxicar, mas porque os próprios brasileiros queriam se intoxicar. De novo, a velha lei da oferta e da procura.

Se os consumidores brasileiros quisessem uma cocaína melhor ou estivessem dispostos a pagar melhor pela droga, estaríamos consumindo o pó colombiano, assim como fazem os americanos e os europeus. Nesse caso, a Bolívia estaria talvez explorando outros mercados ou tentando melhorar a qualidade de seu produto.

Enfim, se a droga boliviana está infestando o Brasil, a culpa é da Bolívia? Respondo isso com outra pergunta: se a cocaína está infestando os morros cariocas, a culpa é dos atacadistas de São Paulo?

Gostaria muito que o senhor José Serra refletisse e respondesse a essas perguntas numa próxima ocasião...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Caos na terra de Bob Marley: O que a caça a "Dudus" Coke pode ensinar para o Rio de Janeiro

Li no site do jornal “O Estado de S. Paulo” que a busca pelo suspeito Christopher “Dudus” Coke, na Jamaica, já deixou 73 mortos. Para quem não conhece o caso, “Dudus” é acusado pelos Estados Unidos de ser um dos principais vendedores de drogas da ilha caribenha e, por isso, tem um pedido de extradição feito pelos norte-americanos.

Há alguns dias, a polícia jamaicana, portanto, não tem medido esforços para prender o suspeito e entregá-lo, como prêmio, para os Estados Unidos. As cenas são espetaculares. Comboios militares circulando em caminhões pela cidade, policiais armados com fuzis, suspeitos sendo abordados e revistados com armas apontadas para suas cabeças, tiros ecoando pelas ruas de Kingston.

Só que essa busca implacável tem gerado uns “efeitozinhos colaterais” na idílica terra de Bob Marley. Segundo o Estadão, nada menos do que 73 cidadãos jamaicanos foram mortos desde que a polícia resolveu entregar “Dudus” às autoridades de Washington.

A situação de Kingston te lembra alguma coisa? A mim lembra a nossa Cidade Maravilhosa. Aqui, assim como na Jamaica, a polícia não mede esforços para prender o “inimigo número 1” da vez. Foi assim com Bem-te-vi da Rocinha, com o Tota do Alemão, com o Roupinol. Vem sendo assim com o Nem da Rocinha e com o FB do Comando Vermelho.

Caveirões e comboios circulam pelas ruas das favelas e de seus arredores. Policiais enchem o peito de orgulho e saem com seus fuzis à mostra, sempre em posição de combate. Fogos de artifício anunciam a chegada da polícia. Tiros começam a rolar. Corpos começam a aparecer e são levados (mesmo já mortos e cravejados com 50 tiros) ao pronto-socorro.

Crianças voltando da escola, mães de família indo para o trabalho, um senhor consertando sua casa, um trabalhador comprando o pão do café-da-manhã são atingidos no meio do fogo cruzado.

Para buscar o “Dudus” da vez (seja o Nem, o Zem, o Dem, o Sem, ou o FB, o JB, o LP), a polícia do Rio também não mede esforços. Para apresentar um “prêmio” para a imprensa, para a sociedade e para as autoridades, a polícia se envolve nas mais espetaculares ações.

Os efeitos colaterais não importam. Um cidadão de 47 anos atingido dentro de seu lar vira uma “fatalidade”, dizem o governador e o secretário de segurança em uníssono. São um remédio amargo, mas necessário para caçar os bandidos mais perigosos do nosso estado, dizem eles.

Se o FB causou 10 mortes na tentativa de invasão do Morro dos Macacos, temos que caçar esse perigoso “inimigo”. Mesmo que, para isso, causemos mais de 30 mortes com nossas operações espetaculares (três vezes mais mortes do que o perigoso “inimigo” causou).

Tudo bem se, depois de todo esse circo para prendê-lo, deixarmo-lo escapar ileso, alguns dias depois, de um churrasco em um sítio em Mangaratiba. Não tem problema, nenhum....

A Jamaica, o Brasil, a Colômbia e outros países que sofrem com altos índices de criminalidade, têm mais coisas em comum do que os “Dudus”, “FBs”, “Abadías” da vez.

Todos são países altamente desiguais, com grandes proporções de suas populações vivendo em favelas, com grande parcela do povo vivendo a margem da legalidade, com o Estado tendo uma baixíssima representatividade perante a esmagadora maioria dos cidadãos, com a maioria desses cidadãos quase sempre excluídos do escopo das políticas públicas.

E, em todos esses países, imprensa e autoridades fazem crer que o problema é causado por uma única pessoa: o mal personificado na figura do traficante de drogas.

Para esses países, parece não existir qualquer problema no fato de haver milhões de pessoas sendo obrigadas a viver a margem do Estado (simplesmente porque o Estado não quer inclui-las em seu sistema formal). Para esses países, onde milhões de cidadãos vivem sem apoio do Estado, o problema é o Dudus... É o FB... É o Pablo Escobar da vez...

Sabemos que essas pessoas não são a causa do problema (até porque estamos carecas de saber que mesmo sem o Bem-te-vi, sem o Beira-Mar ou sem o Pablo Escobar, o esquema de venda ilícita de drogas continua existindo tão forte quanto antes), mas apenas um incoveniente surgido no seio das sociedades doentes desses três países.

Se somos incapazes de perceber as incoerências de nossa própria sociedade (talvez pelo torpor que a convivência diária com essas incoerências nos cause), então talvez tenhamos algo a aprender com esse episódio na terra de Bob Marley.

Talvez esse episódio grotesco na Jamaica nos sirva para perceber nossos próprios erros.

Ja que as cerca de 5 mil pessoas que morrem anualmente no nosso estado, as cerca de mil que a polícia mata todo ano e as outras centenas que são vitimas de balas perdidas não chamam nossa atenção, então que pelo menos o caos na paradísiaca Jamaica nos desperte... Essa é a minha esperança...

Anistia Internacional quer compromisso de pré-candidatos com direitos humanos

A Anistia Internacional enviou uma carta, com seu Relatório Anual sobre Direitos Humanos divulgado ontem (26), aos três principais pré-candidatos à Presidência da República: Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva. O objetivo da organização não governamental é pedir que eles se comprometam publicamente com os direitos humanos e que garantam prioridade à questão caso sejam eleitos.

A carta também pede apoio dos pré-candidatos ao 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. O relatório será reencaminhado a cada um dos candidatos depois das convenções partidárias, que acontecerão nas próximas semanas.

“Direitos humanos são mecanismos de que dispõem todos os cidadãos para garantir que tenham serviços de saúde efetivos, educação adequada, segurança em suas comunidades, bem como a liberdade de expressarem suas crenças sem medo de repressão ou de represálias nas mãos de agentes do Estado”, diz a carta, encaminhada aos políticos.

Segundo a Anistia Internacional, o Brasil tem avançado no tema dos direitos humanos. Apesar disso, a ONG acredita que os brasileiros mais pobres continuam sendo privados de direitos humanos fundamentais. Os cidadãos, diz a ONG, “vivem com medo dos próprios agentes da lei que têm a obrigação de lhes garantir proteção”.

O relatório deste ano da Anistia Internacional denunciou que continuam existindo, no Brasil, execuções extrajudiciais promovidas por policiais, torturas em presídios e ataques a indígenas e camponeses, entre outros problemas.

“As violações de direitos humanos persistem no Brasil, precisamente pela falta de prestação de contas, algo central ao conceito de direitos humanos. Prestar contas significa que os governos devem ter a obrigação de mostrar que suas políticas produziram os resultados prometidos”, ensina a carta da Anistia Internacional.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

ONG teme que Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro seja apenas publicidade

Apontadas como o grande trunfo da segurança pública pelas autoridades do Rio de Janeiro, as unidades de Polícia Pacificadora (UPP) são vistas com desconfiança pelo último relatório da organização não governamental (ONG) Anistia Internacional, divulgado neste mês. Segundo Tim Cahill, representante da entidade de direitos humanos, há um receio de que esse seja apenas um projeto isolado “de publicidade”, que não leve a uma reforma mais profunda e completa da segurança pública no estado.


De acordo com o relatório da Anistia Internacional, ao mesmo tempo em que o governo fluminense instala unidades de Policiamento Comunitário (UPP) em algumas favelas, a polícia do Rio continua cometendo arbitrariedades e violência em outras áreas do estado. O documento diz que, até mesmo dentro das áreas ocupadas por UPP, moradores têm reclamado de discriminação por parte dos policiais.

“Tememos que seja uma questão isolada para fazer uma publicidade enquanto uma política mais pragmática e mais tradicional de repressão, discriminação e abuso de direitos humanos continua sendo utilizada, de uma forma geral. É isso que temos visto em várias operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, que resultam em mortes”, disse.

Como exemplo da violência policial, Cahill citou o recente caso em que um homem de 47 anos foi morto dentro de sua casa, por um policial militar, durante uma operação no Morro do Andaraí, na zona norte da cidade. O policial teria confundido uma furadeira elétrica que estava nas mãos da vítima, com uma submetralhadora.

O relatório cita que, entre janeiro de 1998 e setembro de 2009, mais de 10 mil pessoas foram mortas pela polícia, em episódios registrados como “autos de resistência” (forma como a polícia registra a morte de suspeitos em confronto com policiais).

O estado de São Paulo também foi criticado pelo relatório da Anistia Internacional por causa do aumento do número de mortes provocadas pela polícia entre 2008 e 2009 e devido a supostas arbitrariedades cometidas durante as chamadas “Operações Saturação”.

A Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro informou que só vai comentar o relatório depois que ele for entregue oficialmente ao secretário José Mariano Beltrame. Já a Secretaria de Segurança de São Paulo informou que não foi registrada qualquer arbitrariedade nas Operações Saturação, que consistem na ocupação policial temporária de um território para que posteriormente sejam feitas intervenções sociais na área.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

Anistia Internacional denuncia violações de direitos humanos no Brasil

Violações de direitos humanos continuam sendo praticadas em presídios, em conflitos agrários e contra povos indígenas no Brasil. A polícia também continua cometendo violência em grandes cidades, principalmente contra moradores de favelas no Rio de Janeiro e em São Paulo. As conclusões são do relatório deste ano da Anistia Internacional, organização não governamental que acompanha a situação dos direitos humanos em todo o mundo.

Um dos casos denunciados pela Anistia Internacional em seu relatório é a violência sofrida pelos índios Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul – situação já retratada pela Agência Brasil em uma série de matérias. Segundo a Anistia Internacional, o governo do estado e fazendeiros fizeram lobby nos tribunais para impedir a demarcação de terras indígenas.

Ainda de acordo com o relatório, comunidades de Guarani-Kaiowá foram atacadas por pistoleiros. Há, inclusive, o registro da morte do indígena Genivaldo Vera e do desaparecimento de Rolindo Vera. Índios do Acampamento Apyka’y também sofreram ao serem expulsos de suas terras e terem que viver em condições precárias à beira de uma rodovia.

“Os Guarani-Kaiowá estão sofrendo uma pobreza extrema, subnutrição e continuam sofrendo ataques de representantes de companhias de segurança privada e de [forças] regulares. Continuam sendo despejados e forçados a viver na beira da estrada em condições de extrema pobreza e muitas vezes são forçados a trabalhar em condições irregulares”, afirma o representante da Anistia Internacional, Tim Cahill.

O relatório da Anistia Internacional também chama a atenção para a violência com que são tratados camponeses em conflitos por terra no país. O documento cita os 20 assassinatos que teriam sido cometidos no país, entre janeiro e novembro de 2009, por policiais ou pistoleiros contratados por proprietários de terra.

A situação carcerária no país também foi citada pelo relatório, com destaque para os problemas do Espírito Santo e do Presídio Urso Branco, em Rondônia. Entre os problemas apontados pela Anistia Internacional estão “a falta de supervisão independente e os altos níveis de corrupção”.

“Os detentos continuaram sendo mantidos em condições cruéis, desumanas ou degradantes. A tortura era utilizada regularmente como método de interrogatório, de punição, de controle, de humilhação e de extorsão. A superlotação continuou sendo um problema grave. O controle dos centros de detenção por gangues fez com que o grau de violência entre os prisioneiros aumentasse”, denuncia o relatório.

A letalidade policial nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo também foi mencionada pela Anistia Internacional. A ONG conta que, no caso do Rio, por exemplo, apesar da experiência das unidades de Polícia Pacificadora (UPP), a polícia continua cometendo muitos crimes de morte e arbitrariedades.

O documento da Anistia Internacional também citou “ameaças” geradas por projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como represas, estradas e portos, a comunidades tradicionais e indígenas, a perseguição a defensores de direitos humanos e a persistência do trabalho escravo no Brasil apesar das políticas governamentais para acabar com o problema. De acordo com a Casa Civil, as obras do PAC cumprem a exigência de realização de audiências públicas nas localidades onde os projetos serão implantados, o que permite a ampla discussão com a sociedade civil.

Em nota, a Casa Civil afirma que "estabelece medidas compensatórias que visam a garantir a sustentabilidade de comunidades locais, inclusive com a criação de programas de desenvolvimento regional, como em Rondônia, em função das usinas do Rio Madeira, no entorno do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco."

O representante da ONG Tim Cahill diz que, apesar da disposição das autoridades brasileiras em melhorar a situação dos direitos humanos no país, várias denúncias da Anistia Internacional continuam se repetindo ano após ano. Segundo Cahill, isso mostra que há uma diferença entre o discurso das autoridades e a implantação concreta de medidas.

“Há um vácuo entre o entendimento das autoridades de implementar reformas, garantir direitos e a implementação verdadeira e concreta. Esse [entendimento das autoridades] é sempre contrariado por interesses econômicos e políticos. O que nós vemos é que existe um discurso para a reforma, mas a implementação não ocorre”, diz Cahill.

O relatório também abordou a questão da impunidade em relação aos crimes cometidos durante o regime militar brasileiro (1964-1985), mas não comentou a decisão deste ano do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a Lei da Anistia, já que o documento foi fechado no final do ano passado.

A Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro informou que só comentará o relatório quando receber oficialmente o documento. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo nega as denúncias de violações de direitos humanos do relatório. Os governos do Espírito Santo e de Mato Grosso do Sul não responderam às críticas. A Agência Brasil não conseguiu entrar em contato com a Secretaria de Justiça de Rondônia.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Número de baleados atendidos pelo SUS no Rio sobe 20% no primeiro trimestre

O número de baleados atendidos em unidades do Sistema Unico de Saúde (SUS) aumentou 20% no estado do Rio de Janeiro, no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 282 casos de internações por ferimentos por armas de fogo neste ano, contra 235 em 2009.

A estatística do Ministério da Saúde mostra que, pelo menos no caso de baleados atendidos em hospitais, o Rio está mais violento neste ano do que em 2009.

O dado se contrapõe às estatísticas criminais divulgadas pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (órgão oficial da Secretaria de Segurança), que mostram um Rio menos violento neste ano. De acordo com o ISP, o estado do Rio teve 16,6% menos assassinatos no primeiro trimestre deste ano.

Vou deixar bem claro: uma estatística (internações de baleados) não tem relação direta com a outra (assassinatos). No entanto, ela serve para nos lembrar que a violência pode ser medida de várias formas, principalmente quando as estatísticas oficiais levantam suspeitas.

Mesmo quando o instituto estatístico do governo nos mostra um quadro idílico, o Rio pode não estar menos violento.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Bope e a furadeira: O caso do cidadão condenado a morte pelo crime de porte ilegal de um eletrodoméstico

Policiais militares do Batalhão de Operações Especiais assassinaram hoje um morador do Morro do Andaraí. Segundo versão divulgada pela imprensa, um policial teria confundido o morador com um bandido, porque a vítima estava com uma furadeira eletrica na mão, na janela.

Por isso, o policial assassinou o cidadão de 46 anos. O episódio é tão absurdo que eu juro não saber por onde começar. Mas vamos lá. Começo pela seguinte pergunta: Por que o policial atirou nele? Se o morador estava com uma furadeira elétrica, certamente não estava atirando no policial.

Logo, minha primeira conclusão é que o policial atirou no cidadão sem que fosse em legítima defesa. O tiro foi disparado sem que o cidadão oferecesse qualquer ameaça ao policial.

E aí vem minha segunda conclusão sobre o episódio. O policial atirou no cidadão porque pensou que ele estava armado. Essa me parece ser uma desculpa comum usada por policiais ao assassinar, por engano, pessoas inocentes no Rio de Janeiro.

Só que, a meu ver, essa desculpa não tem nenhum cabimento. Ainda que o cidadão estivesse armado (o que obviamente não era o caso), o policial não poderia atirar contra ele.

A pena para o porte ilegal de arma de fogo, segundo a lei brasileira (Lei 10.826/2003), é reclusão de dois a quatro anos, não a pena de morte (que aliás é proibida por nossa Constituição Federal). A pena aumenta para reclusão de três a seis anos, se for arma de uso restrito.

Procedimento padrão: dar voz de prisão, prender o suspeito e encaminhá-lo à Delegacia, onde ficará à disposição da Justiça (para que seja julgado e, se condenado, receba uma das penas acima). Pelo menos assim funcionaria num Estado Democrático de Direito.

Mas não é bem assim que acontece aqui no Rio de Janeiro. Voz de prisão é um último recurso, quando não dá para matar o bandido.

A questão é que, como muitas das vítimas são mesmos bandidos, os policiais acabam não enfrentando problema nenhum com a Justiça, ainda que tenham cometido um assassinato (morte sem confronto ou sem ameaça explicita a vida do policial).

Arriscaria dizer que assim ocorrem muitos autos de resistência. Ou seja, é assim que morrem muitas pessoas no Rio de Janeiro pelas mãos da policia. Sejam elas bandidos, que são mortos sem que sequer saibam que estão em confronto com a polícia (sendo atingidos pelas costas, surpreendidos por policiais que furtivamente se aproximam de seu alvo ou simplesmente baleados por um policial assustado), sejam elas pessoas inocentes.

E o problema surge justamente quando um cidadão de bem, trabalhador, pagador de impostos é assassinado por homens cujo salário ele ajudou a pagar. Só então a sociedade se revolta.

Não estou querendo dizer que esses assassinatos cometidos por policiais sejam execuções premeditadas (apesar de algumas delas o serem). Tampouco estou querendo dizer que a culpa é apenas do policial.

O que quero dizer é que esses policiais são submetidos cotidianamente a uma situação de pseudo-guerra por seus superiores. São colocados diariamente para entrar num território hostil, um teatro de operações labiríntico e sufocante, onde há criminosos escondidos em cada esquina dispostos a matá-los para defender seus negócios (e, às vezes, sua propria vida).

São colocados em operações mal-planejadas, onde balas de fuzis e metralhadoras zunem a todo instante em seus ouvidos (disparadas por adversários melhor posicionados no campo de batalha). São orientados por seus superiores a eliminar qualquer ameaça, antes que sejam eliminados. São preparados em seus batalhões para serem os novos rambos tupiniquins. São armados com as mais potentes e letais armas disponíveis.

Em meio a um cenário como esse, o que esperar de policiais que vêem um pacato cidadão aparecer em sua janela com uma ameaçadora furadeira elétrica?

Dar voz de prisão? Esperar que ele aponte a arma para mim? Esperar que ele atire contra mim? Esperar ser atingido para reagir? “Que nada”, pensam os policiais, “estamos numa guerra. Todo mundo fala isso: a imprensa, o meu comandante, os meus colegas, o meu secretário, o lunático apresentador de TV, o governador... Ou é ele ou sou eu. Prefiro que seja ele. Se for um simples cidadão, exercendo seu direito de consertar sua casa com uma furadeira, azar o dele”.

Como disse, é comum no Rio de Janeiro que policiais atirem em pessoas mesmo antes que essas pessoas apresentem qualquer ameaça. Hoje mesmo, antes de matar o cidadão com a furadeira, a polícia baleou duas pessoas. Segundo a imprensa, eles foram atingidos porque estavam atirando contra a polícia. Só que, estranhamente, apenas uma pistola e uma granada foram apreendidos, de acordo com a imprensa.

Ora, não me venham dizer que um dos suspeitos estava atirando na polícia com uma granada. Ainda não inventaram uma granada que dispare projéteis como pistolas. E tampouco venham me dizer que ele ameaçava os policiais com uma granada. Se o cidadão estivesse ameaçando jogar uma granada na polícia, a granada teria explodido, porque, para atirar o explosivo, ele precisa retirar o pino.

O que me leva a crer então que os dois bandidos estavam revezando na pistola (“peraí, Zé, você já deu um tiro, agora é minha vez de atirar nos Pêeme”... improvável, né?), ou os policiais assassinaram um deles fora do confronto.

E por incrível que pareça, ocorrências como essa (em que o número de armas apreendidas é menor do que o número de baleados por policiais) são bastante comuns. Basta prestar atenção nas matérias de jornal.

As autoridades de segurança (incluindo o governador) precisam ter mais cuidado com as ações policiais. Confundir-se não é desculpa. Por causa dessa política imbecil de fomentar a violência policial inúmeros inocentes já morreram (lembram-se do menino João Roberto na Tijuca?) e o próximo pode ser você. O próximo posso ser eu ou algum familiar meu. Minha avó mora no Morro do Andaraí e eu a visito com frequência.

Para finalizar: o governador e seu secretário de segurança precisam parar de incentivar o confronto policial e devem ser responsabilizados quando fatalidades como a de hoje ocorrerem (os dois são os comandantes-em chefe da polícia). Os policiais precisam ter cuidado ao atirar, justificar cada projétil que sai de suas armas e ser responsabilizados quando essas fatalidades ocorrerem. Operações policiais precisam ser restringidas ao máximo. A Corregedoria, as delegacias e o Ministério Público precisam investigar as mortes provocadas direta ou indiretamente pela polícia.

Mortes por engano, assassinatos, execuções e balas perdidas envolvendo agentes do Estado precisam acabar.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ocupação militar? Porque a UPP pode não ser bem vinda no Complexo da Maré

Na contramão de toda euforia que tomou conta da nossa cidade em torno das Unidades de Polícia Pacificadora, o líder comunitário da favela da Vila do João, no Complexo da Maré, Francisco Marcelo da Silva, manda um recado de que não quer uma UPP em sua comunidade.

Em um documento entregue ontem (18) a representantes da prefeitura e do governo do estado, no Forum Nacional do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Francisco Marcelo enumerou as demandas de sua comunidade, assim como líderes comunitários de nove favelas.

No caso de Francisco Marcelo, ele deixou bem claro que sua comunidade dispensa a UPP...

Como assim? O cara é maluco? Ele tem ligação com o tráfico de drogas? Como ele pode estar dispensando uma unidade de polícia pacificadora na sua comunidade?

Não. Na verdade, o argumento de Francisco Marcelo é até muito coerente. O morador da Vila do João diz que, em um estado democrático de direito, é um absurdo que as favelas precisem ser sempre ocupadas, por quem quer que seja. Se a ocupação, não vem dos bandidos, vem da polícia.

“Vivemos em um estado de direitos e não podemos aceitar a implantação de um regime quase ditatorial. A UPP opera na lógica do controle sobre o território, até aí nenhuma diferença do tráfico e das milícias. Não vem para garantir a soberania, chega para ser a soberania. Esse tipo de política dentro de um estado republicano de direito é inadmissível”, diz Francisco Marcelo no documento entregue às autoridades no BNDES.

Pode parecer que não faz qualquer sentido para quem mora fora da favela. Mas para quem mora dentro de uma favela faz todo o sentido. Imagine que, por algum acaso do destino, seu condomínio na Barra da Tijuca precise ser ocupado por 200 homens armados. Duzentas autoridades. Duzentos representantes do Estado, que se dizem cumpridores da lei.

E que esses homens armados, para fazer valer sua lei, precisem, rotineiramente, te revistar a cada vez que você entra em seu condomínio apresentando a subjetiva atitude suspeita.

Então, continue raciocinando. Você acabou de pegar um cineminha com sua mulher. Foi jantar fora e está prestes a terminar a romântica noite dentro de sua casa. Então, dois marmanjos armados, em nome da lei, se aproximam de você e te submetem a um humilhante baculejo.

Ou então, pense em outra situação. Você está fazendo aquele churrascão na noite de sábado, curtindo aquele final de semana de descanso, depois de uma semana de labuta. Então, vem as “otoridade” e mandam você encerrar a festa porque já está tarde.

Bem, você não discute. Você está vivendo sob uma ocupação militar. Você tem seus direitos restringidos (em nome de um bem maior), mas precisa cumprir a determinação superior.

Quanto tempo duraria essa ocupação militar em seu condomínio da Barra da Tijuca? Eu arriscaria dizer que não duraria uma semana. O motivo: nenhum cidadão (cidadão no conceito brasileiro, ou seja, aquele que tem dinheiro e influência política) aceita se submeter diariamente a procedimentos policiais e militares.

Mas, de acordo com o governo do estado, os pobres têm que aceitar, sim, a ocupação militar. Porque se não for a ocupação militar, será a ocupação paramilitar das milícias ou das quadrilhas de venda de drogas.

Ok. Deixa eu ver se entendi. Para os pobres só existem essas três alternativas? Controle por armas, controle por armas ou controle por armas?

Pois é justamente esse questionamento que o cidadão Francisco Marcelo da Silva faz em sua carta (patrocinada pelo governo federal) para as autoridades.

“Parece que o que resta para o cidadão de bairros populares como a Maré é escolher entre o menos pior. Não podemos trocar uma ditadura do tráfico/milícia pela ditadura da polícia”, ressalta o cidadão do Complexo da Maré.

Não estou dizendo que concordo completamente com Francisco Marcelo. Tampouco estou afirmando que a UPP seja uma ditadura policial (apesar de sabermos de uma série de violações de direitos individuais cometidas por policiais de UPP nesse um ano e meio de existência dessa política).

Mas concordo completamente com o argumento básico apontado por ele: a ocupação militar permanente não pode ser o principal instrumento de um governo para reduzir o crime.

Quer dizer que a única forma de se acabar com o crime em áreas pobres é ter um controle total sobre aquela população que vive ali? Será que tudo que essa população merece do Estado é um controle armado?

Isto é: coloca-se polícia dentro da favela e o resto dos problemas sociais que sejam resolvidos pelos próprios favelados. O acesso ao emprego, à saúde, à educação, aos direitos do cidadão, à Justiça são problema do favelado. O Estado já fez sua parte: colocou 200 policiais dentro da favela.

Prova de que as UPP não resolvem problemas básicos dessas comunidades é que, das oito comunidades que entregaram demandas aos governos junto com a Maré, no BNDES, cinco são favelas com UPP: Cantagalo, Pavão-Pavãozinho, Borel, Dona Marta e Cidade de Deus.

São demandas básicas para qualquer cidadão, mas às quais a maioria dos favelados não tem acesso, como qualificação profissional, política habitacional, atividades culturais, iluminação pública, creches e postos de saúde.

Enfim, me parece muito confortável para um governante ocupar militarmente um território e se isentar de proporcionar as melhorias urbanístico-sociais para aquela população, ou seja, abafar as consequências indesejáveis das mazelas sociais, mas sem resolver as causas do problema.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Os dados de criminalidade do ISP: Verdade ou ficção?

A surpreendente queda generalizada dos crimes no Rio de Janeiro tem sido recebida com muita festa pela imprensa carioca e, conseqüentemente, pelos mais variados setores da sociedade, inclusive por alguns especialistas na área de segurança pública.

A queda é surpreendente não só porque envolve os mais variados crimes (homicídios, roubos de rua, roubos de veículo etc.), mas principalmente porque os dados mostram uma redução generalizada, em todo o estado (e não apenas em regiões específicas), e com um índice de queda milagroso (em média de 20% nos principais crimes).

Para ser mais específico, a estatística que mais me surpreende é a relacionada à queda dos homicídios na cidade do Rio de Janeiro. No primeiro trimestre deste ano, os assassinatos na cidade teriam caído 22%, segundo os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Isso mesmo 22% (segundo números absolutos).

Só para se ter uma ideia de como essa queda é assombrosa, vou fazer uma comparação singela. A cidade de Nova York (EUA) dos anos 90 é conhecida como um paradigma de sucesso na área de segurança pública, por ter conhecido passar de uma taxa de homicídios de 30,1 por 100 mil habitantes em 1991 para uma de 8,5 por 100 mil em 1998.

O período entre 1994 e 1995 foi aquele em que a cidade de Nova York teve a maior queda de homicídios naquela década. Nesse período de maior sucesso da redução dos assassinatos a taxa de queda foi de 24%.

Entenderam por que estou fazendo essa comparação? Nova York, no auge de sua luta contra o crime reduziu em 24% seus homicídios (depois de três anos com quedas sustentáveis). O Rio de Janeiro, segundo os dados do ISP, conseguiu, de repente, diminuir em 22% seus homicídios, depois de um 2009 com alta nos homicídios.

Uma queda tão assombrosa como essa (que, como se viu, se compararia à de Nova York dos anos 90) obviamente levanta suspeitas sobre a veracidade dos números apresentados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), principalmente porque, ao contrário do que aconteceu na cidade norte-americana, não houve nenhuma mudança significativa na essência das nossas políticas de segurança.

Devo dizer que eu sou um dos céticos quanto à veracidade desses dados. Comecei a desconfiar dos dados do ISP depois que os índices de criminalidade do segundo semestre do ano passado começaram a ser divulgados.

E vou explicar o porquê. O ano de 2009 foi um ano peculiar para a segurança pública no Rio de Janeiro. Entre 2005 e 2008, o Rio seguiu uma tendência nacional, experimentando quedas sucessivas variando entre 3% e 6% nos homicídios nesse período.

No primeiro trimestre de 2009, a tendência foi subitamente revertida com uma alta de 8% no número absoluto de homicídios. No segundo trimestre daquele ano, o aumento foi ainda maior: 16%.

Nesse período, a Secretaria de Segurança resolveu adotar uma nova medida, teoricamente para melhorar os índices de criminalidade do Rio de Janeiro: o estabelecimento de metas para a redução dos homicídios no estado.

Segundo essa medida, os policiais precisavam reduzir os índices de quatro crimes (entre eles, os homicídios em 11%). Em troca, as delegacias e batalhões com menos crimes ganhariam gratificações da Secretaria. Ou seja, o recado era claro: policiais que registrassem menos crimes a partir de julho de 2009 ganhariam mais dinheiro.

Então, começa o milagre. Sem qualquer mudança drástica na política de segurança do estado, os homicídios curiosamente caem 8% logo no terceiro trimestre de 2009 (o primeiro desde a implantação do sistema de metas). No quarto trimestre, queda milagrosa de 16%.

Ou seja: tivemos aumento de 16% no segundo trimestre de 2009. No quarto trimestre, a redução é de 16% (15,6% para ser mais exato). Em três meses, o estado do Rio opera um milagre semelhante ao que Nova York demorou três anos para conseguir.

Chega então o ano de 2010 (o ano da eleição, em que o atual governador busca se reeleger) e o milagre se mantém. Queda de 17% nos homicídios do estado do Rio e de 22% na capital fluminense. Reduções milagrosas também se operam nos crimes de roubo, por exemplo.

Tanto milagre acontecendo em tão pouco tempo... Isso foi me deixando com uma postura cada vez mais cética em relação aos dados do ISP, órgão ligado à Secretaria de Segurança do estado. Até porque a idoneidade do ISP já foi colocada em dúvida pela própria ex-presidente do Instituto, Ana Paula Miranda, que, em 2008, já fora do cargo, levantou suspeitas sobre a queda de homicídios apresentada na ocasião.

A própria saída de Ana Paula Miranda da presidência do ISP foi rodeada de uma série de especulações de que a Secretaria de Segurança queria ter mais controle sobre os dados que estavam sendo divulgados pelo instituto.

Quero deixar claro: não afirmo que o Instituto de Segurança Pública ou os policiais estejam forjando dados para melhorar a imagem do governador ou para melhorar seus salários.

Eu, como jornalista e analista da área de segurança pública, trabalho com dados, com fatos. Qualquer afirmação no sentido de manipulação dos dados pelas autoridades de segurança, nessa altura do campeonato, é mera especulação.

Mas suspeitar de que os dados estejam sendo manipulados é completamente legítimo. Até porque há indícios (como os mostrados acima) de que esses números podem estar errados. Não há provas (ainda), mas existem indícios de que há alguma coisa esquisita com as estatísticas de criminalidade do Rio de Janeiro.

Como disse, não houve mudança no paradigma de segurança do Rio, que possa explicar uma queda generalizada, na maioria das regiões do estado. Podem me perguntar: E as Unidades de Polícia Pacificadora?

As UPPs são uma política específica de alcance geográfico restrito (pelo menos enquanto houver pouquíssimas UPPs como há hoje), cujo resultado se sente apenas na favela onde ela está instalada e no entorno imediato.

O próprio secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, em coletiva à imprensa para apresentar os dados do segundo semestre de 2009, não quis atribuir a queda daquele período às UPPs (que na época eram ainda mais restritas do que são hoje). Até março deste ano, só havia UPPs na zona sul, que é justamente a área menos violenta da cidade, na Cidade de Deus e no Batam.

Podem me perguntar ainda: e o combate às milícias? Devo reconhecer que a atual gestão da Secretaria de Segurança foi a primeira a combater milícias (ainda que esse combate tenha sido restrito e voltado principalmente ao grupo chamado de Liga da Justiça).

Mas o combate às milícias também teria tido apenas um efeito geograficamente restrito à área onde a milícia era mais forte: Campo Grande. Não é possível explicar, por exemplo, a queda de homicídios apresentada, desde o segundo semestre de 2009, nas áreas do 16o Batalhão (Olaria, Penha e Complexo do Alemão) ou em Duque de Caxias.

Certo, e a nova Delegacia de Homicídio? A nova delegacia de homicídio teoricamente traria uma melhoria nas investigações e, conseqüentemente, na taxa de elucidação de assassinatos no Rio. Mas a nova DH só foi inaugurada em janeiro deste ano. Não explicaria as quedas das taxas do ano passado, que continuam neste ano.

Ok, e a implantação das Regiões Integradas de Segurança (RISP), que supostamente melhoraram a comunicação e a busca de objetivos comuns entre a Polícia Militar e a Polícia Civil? Bem, quanto a isso, eu concordo que poderia trazer benefícios para a segurança pública no Rio.

Mas acho que isso, por si só, não poderia explicar uma redução tão rápida e tão acentuada como a que aconteceu. O anúncio do sistema de metas e da criação das RISP foi feito no final de junho. Em julho, já havia tido uma queda de 4%, depois de uma alta de 9% registrada no mês anterior.

Nenhuma política de segurança diferente adotada pela Secretaria de Segurança pode explicar a queda meteórica dos homicídios e dos roubos.

Ou seja, ainda que a queda dos índices criminais seja verdadeira (e não uma manipulação do ISP ou dos policiais), ela não pode ser simplesmente explicada pelas políticas de segurança adotadas pelo governo do Rio de Janeiro.

Talvez seja apenas uma calmaria temporária provocada por um fator independente da vontade das autoridades de segurança pública, tais como, equilíbrio de forças entre as quadrilhas, acordo entre os criminosos, supremacia de uma quadrilha sobre outra, estabilidade da hierarquia dentro das quadrilhas ou até redução do ímpeto violento dos novos chefes de quadrilha.

Tréguas temporárias na violência não são incomuns e já aconteceram em locais como a Colômbia. Nesses períodos, em geral, tem-se a sensação de que a sociedade está em paz e que a violência não voltará a acontecer.

Mas basta que cesse um dos fatores garantidores da calmaria para que um novo ciclo de violência se inicie, geralmente com um banho de sangue.

Enfim, para terminar esse longo texto, gostaria de defender duas coisas. A primeira é que seja feita uma investigação sobre os dados de criminalidade divulgados pelo Instituto de Segurança Pública.

Meu segundo pedido é: caso os dados se comprovem verdadeiros, que as autoridades de segurança investiguem o motivo da redução do crime no Rio de Janeiro, para que se possa entender o que está acontecendo e evitar que a calmaria vire novamente um banho de sangue.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Por que eu defendo que as drogas têm que ser legalizadas: Um apelo pelo fim da guerra às drogas

Queria aproveitar hoje, que estou em casa me recuperando de uma sinusite, para fazer algumas reflexões sobre o tráfico de drogas e responder algumas perguntas geralmente feitas a mim, em conversas familiares e em mesas de bares, quando defendo a legalização das drogas.

- Quando começou a proibição das drogas no mundo?
R: Um dos marcos é a Convenção de Haia em 1912.

- A violência diminuiu desde então?
R: Você sabe que não.

- Foi a droga propriamente dita ou a “guerra às drogas” que matou tanta gente neste periodo?
R: A droga mesmo só matou algumas vítimas de overdose. A esmagadora maioria foi vítima da violência originada pela guerra às drogas.

- Por que as drogas são proibidas?
R: A proibição às drogas, em nível mundial, ganha força nos Estados Unidos, então um país em ascensão no cenário internacional. Foi na década de 1910 que surgiram as primeiras proibições de substâncias entorpecentes, como uma política discriminatória contra populações imigrantes e minorias étnicas no Tio Sam (qualquer semelhança com as atuais políticas de discriminação contra a população muçulmana não é mera coincidência). O uso de ópio pelos chineses contratados para construir ferrovias no oeste dos EUA, o de maconha pelos mexicanos e o de cocaína pelos negros eram uma ameaça à sociedade cristã norte-americana (pressuposto no mínimo curioso, uma vez que o uso de drogas nunca foi restrito às minorias e nem aos imigrantes). As drogas, segundo os inteligentes defensores da proibição, criavam o ócio e a tendência à violência por essas populações, o que ameaçava a branca e protestante sociedade anglo-saxã nos Estados Unidos. Não por acaso, substâncias como a cocaína que eram amplamente utilizadas tanto nos EUA como na Europa, começaram a ser demonizadas. E logo, a comunidade internacional estranhamente começou a dizer que essas drogas eram ruins e que seu uso precisava ser banido do mundo.

- A sociedade brasileira teve a chance de decidir, de forma democrática, se queria legalizar as drogas ou não?
R: Não, nunca tivemos essa chance.

- O tráfico de drogas é um crime violento?
R: Não. A cocaína não mata ninguém além do cara que ingerir uma quantidade superior àquela que seu organismo pode suportar. Como eu não cheiro, não corro risco de morrer por causa da cocaína.

- Você quer dizer então que os traficantes não são violentos?
R: Não, nunca disse isso. Disse apenas que a venda de drogas não é, por si, um crime violento. É como comprar e vender pão, por exemplo. O problema são os crimes conexos com essa atividade ilegal, ou seja, homicídios, agressões, roubos, torturas, porte ilegal de arma, corrupção, extorsão etc.

- Mas, se você diz que o tráfico de drogas não é violento, por que há tanta violência envolvida?
R: Porque em negócios ilegais, não há justiça ou tribunais arbitrais para decidir controvérsias. Por exemplo, se você tiver uma carga de cocaína roubada, você não vai poder registrar a ocorrência na DP do seu bairro. Você precisa resolver de forma violenta, para mostrar quem é que manda e, assim, evitar que sua carga não seja roubada novamente. Então o “traficante” mata o cara que o ludibriou para mostrar que não se pode roubar sua droga e ficar impune. Outro exemplo: Se alguém tentar invadir meu território, não posso reclamar com ninguém, preciso meter bala para não perder o que é meu. Logo, negócios ilegais se resolvem de formas ilegais.

- Então, se a venda de drogas for legalizada, a tendência é que a violência diminua?
R: Eu, pessoalmente, acredito que sim. Controvérsias poderão ser resolvidas em tribunais e não precisarão mais das armas.

- Por que você acredita que a legalização vai diminuir a violência relacionada ao tráfico de drogas?
R: Porque isso é o lógico. Mas, de qualquer forma, há pelo menos um exemplo histórico que serve de paradigma para se fazer uma análise como essa. Trata-se da Lei Seca dos anos 20 e 30 dos Estados Unidos, período durante o qual a venda de bebidas alcoólicas foi proibida completamente, assim como a cocaína e a maconha hoje. Apesar do curto periodo em que houve a proibição, ele foi suficiente para estimular o surgimento de máfias de contrabando de bebida alcoólica, o aumento meteórico dos homicídios, a falta de controle sobre a qualidade do álcool consumido, a corrupcão e a matança de policiais. Problemas resolvidos depois que o álcool voltou a ser legal nos EUA.

- Traficantes são pessoas más e cruéis, que visam desestabilizar o Estado constituído, para poder implantar seu Estado Paralelo, instalar o caos sobre a cidade e reinar sobre um cenário apocalíptico como servos de Satã?
R: Se formos acreditar em tudo o que a policia, as autoridades e a imprensa publicam, sim. Se pensarmos criticamente, chegaremos à conclusão de que traficantes são apenas comerciantes capitalistas que querem ganhar dinheiro vendendo mercadorias a outras pessoas que desejam comprá-las. Claro que há bandidos violentos, assim como há policiais violentos, jogadores de futebol violentos, jornalistas violentos, políticos violentos etc. E, como falado acima, muito da violência do negócio jaz justamente no fato de ser ilegal.

- Dizem que, se as drogas forem legalizadas, muitas pessoas vão começar a usar essas substâncias. Com isso, o numero de pessoas drogadas vai explodir...
R: Bem, experiências de descriminalização ou legalização parciais em países como Portugal e Países Baixos mostram que isso não aconteceu. Mas, de qualquer forma, esse é um risco que temos que correr. Afinal, a proibição às drogas nunca impediu que seu consumo explodisse no mundo todo. Segundo me consta, o uso das drogas começou a crescer justamente nas décadas de 60, 70 e 80, justamente quando a repressão se tornou mais forte. Logo, se a proibição não inibe o consumo, por que não tentar a legalização?

- A legalização vai aumentar os roubos de rua, já que as pessoas vão consumir mais e precisar de mais dinheiro para comprar a droga?
R: Bom, se eu não acredito que vá haver grande aumento no consumo, não tem por que crer que haverá aumento nos roubos. De qualquer forma, o Rio de Janeiro já tem tanto roubo de rua que não é um drogado a mais que fará diferença. E mais, com a legalização, a polícia não precisará mais investir essa fortuna que hoje investe na repressão ao trafico. Poderá destinar todos esses recursos para reprimir o que realmente aumenta a violência urbana: roubos e homicídios.

- Mas como a gente pode apoiar a legalizacão de uma coisa que faz mal à saúde das pessoas?
R: Bom, se você acredita na liberdade individual das pessoas, então você deve aceitar que cabe exclusivamente ao indivíduo decidir se ele quer usar ou não determinada substância em seu organismo. Não cabe a mim, a você ou ao Estado decidir se fulano quer se drogar ou não. O consumo excessivo de drogas pode afetar a saúde das pessoas assim como o uso excessivo de álcool, de cigarro, de botox, de gordura ou até de comida fast food. O uso excessivo de drogas pode levar à morte assim como um voo de asa delta, um salto de para-quedas, a prática de surfe, as corridas de automobilismo, as lutas esportivas etc. Tudo isso é perigoso e depende exclusivamente da vontade individual de cada pessoa. Nenhuma dessas coisas é proibida pelo Estado, só o consumo de drogas.

- Então como podemos legalizar as drogas?
R: Em primeiro lugar, precisamos estimular o debate crítico da sociedade, em vez de reprimir os setores que pedem o diálogo toda vez em que eles se manifestam em favor da legalização. Em segundo lugar, com o debate maduro, o país deve propor um referendo para conhecer a opinião da população brasileira sobre o assunto. A partir daí, o Brasil deve se retirar do tratado internacional antidrogas das Nacões Unidas, para que possa decidir soberanamente (isto é, sem precisar dar satisfação, como um cordeirinho submisso, aos Estados Unidos ou à Europa) sobre o futuro de sua sociedade. Depois, pode-se mudar a legislação nacional sobre o assunto, para que possa ser adotada uma legalização gradual das drogas, começando pelo fim da repressão ao consumo das substâncias menos perigosas e terminando, em médio prazo, na legalizacão do uso e venda de todas as drogas (isso mesmo TODAS, sem exceção).

- Você só esta defendendo a legalização das drogas porque você é um maconheiro que quer se drogar sem o incômodo da repressão policial...
R: Aí você se engana. Não uso maconha, cocaína ou qualquer droga ilícita. Nem pretendo usá-las depois da legalização. A única vez em que pus um cigarro de maconha na boca foi num coffee shop em Amsterdã, onde isso é legal. Mas devo confessar que dei apenas duas tragadas no cigarro e tossi tanto que nem quis fumar mais. Defendo a legalização apenas para me livrar do grande incômodo da despropositada e letal guerra às drogas que fomos obrigados a importar dos EUA há 40 anos.

- Sou um policial, promotor, juiz, politico. Como posso defender uma coisa ilegal como as drogas?
R: Bem, as drogas só são ilegais, porque elas ainda não foram legalizadas. A discussão aqui é justamente para acabar com a ilegalidade.

- Mas legalizar as drogas seria reconhecer que perdemos a guerra contra o tráfico...
R: Cara, sejamos realistas. Os EUA, que são os EUA e que têm apenas que vigiar a fronteira com o México ao sul (a fronteira com o Canadá, ao norte, não traz grandes problemas, com exceção do tráfico de BC Bud), não conseguem impedir as centenas de toneladas de drogas que chegam ao país todo ano. Por que vocês acreditam que o Brasil, que tem 15 mil km de fronteiras terrestres e é o único pais do mundo que faz fronteira com os três produtores de cocaína, vai conseguir? Sejamos realistas...

- Qual seria o futuro do comércio das drogas depois da legalização?
R: Como qualquer produto legal dentro do sistema capitalista, o comércio seria regulado pelas leis de mercado, sob o controle estatal. Em vez de bandidos armados, empreendimentos legais poderiam vender essas substâncias, como é o caso do álcool, vendido nos milhões de botecos desse Brasilzão. A fabricação seria feita por industrias a serem vistoriadas periodicamente com controle de qualidade a ser aferido pela Anvisa ou pelo Inmetro. A plantação de coca seria fiscalizada pelo Ministério da Agricultura. O produto seria vendido no comércio varejista dentro da embalagem lacrada na fábrica, para impedir a adulteracão. A pureza da droga seria informada na embalagem. Os lucros do comércio chegariam aos cofres publicos por meio de impostos. Parte dos impostos seriam revertidos ao Ministério da Saude, para que ele pudesse investir mais em unidades de recuperação de drogados. A polícia não precisaria mais trocar tiros com favelados. Tampouco se corromperia com arregos de criminosos. Os criminosos ainda usariam suas armas durante algum tempo para praticar crimes nas ruas, mas logo isso seria reduzido, já que eles não teriam mais o dinheiro do tráfico para financiar suas armas e munições. Os governos fariam uma anistia para o crime de tráfico (apenas para esse crime, já que assassinatos, roubos etc teriam que ser julgados) e traria os milhares de vapores, soldados, fogueteiros para o comércio legal, através de programas de emprego específicos. A venda para menores seria proibida como acontece no caso dos cigarros e bebidas alcoolicas.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Absurdos da Imprensa: Datena e Tuma Junior, uma conversa entre amigos

Qual o limite entre a imprensa e os órgãos da Justiça Criminal (polícia, Ministério Publico e Justiça)? A pergunta voltou a minha mente nesta noite, ao acompanhar uma entrevista do comunicador Datena com o secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Junior.

Ao assistir à entrevista fiquei me perguntando se Datena era um jornalista entrevistando um suspeito de ligações com a mafia chinesa ou um advogado de defesa do suspeito.

Datena usou um espaço público (o canal de TV é um bem da União concedido a uma empresa privada) para fazer uma pseudoentrevista cujo único objetivo era, claramente, inocentar Tuma Junior.

Sem qualquer pudor, Datena fez questão de afirmar algumas vezes, durante a transmissão, que era amigo de Tuma Junior. Mas nem seria necessário ouvi-lo fazer tal afirmação, já que o comunicador fez inúmeras perguntas das quais ele sabia a resposta, tais como: “Tuma Junior, geralmente um ladrão é uma pessoa que tem muito dinheiro e muitos bens. O senhor tem muitos bens?”, perguntou Datena.

Em seguida, ao ouvir a resposta de que Tuma Junior tem apenas um veículo em seu nome (isso é, no mínimo, estranho, um secretário nacional de Justiça ter condições de possuir apenas UM CARRO), Datena corroborou a situação de pobreza do amigo, ao completar com a frase: “Uma vez nós viajamos juntos e eu pedi R$ 900 emprestado ao Tuma Junior. Na volta, ele me ligou cobrando a dívida. Se ele fosse rico não pediria o dinheiro de volta”.

Que o programa do Datena na Band é um conhecido exemplo de anti-jornalismo, isso todo mundo sabe. O problema é Datena usar um espaço que pertence a mim, a você e a outras 190 milhões de pessoas para defender uma pessoa que ainda está sob investigação por parte de órgãos competentes e sobre que pesam graves acusações.

sábado, 8 de maio de 2010

Polícia descobre 11 laboratórios de produção de cocaína no Brasil em dois meses

Em apenas dois meses, pelo menos 11 laboratórios de produção de cocaína foram descobertos no país pela Polícia Federal e por polícias estaduais em diversas operações. O levantamento foi feito pela Agência Brasil com base em informações das polícias ou de notícias de jornais no período de 1º de março a 3 de maio deste ano.

Os laboratórios são usados para transformar a pasta-base de coca, importada de outros países, no produto final a ser consumido pelos brasileiros, seja o cloridrato de cocaína (cocaína em pó) seja a pedra de crack, um subproduto da coca.

O aumento dos laboratórios clandestinos de refino de cocaína no Brasil já havia chamado a atenção da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, que destacou a tendência em seu último relatório, divulgado em março deste ano.

Segundo o chefe da Divisão de Controle de Produtos Químicos da Polícia Federal, delegado Rodrigo Avelar, a maior parte da cocaína que entra no Brasil vem da Bolívia sob a forma de “base”. A transformação da maior parte da droga para consumo final é feita em território brasileiro.

O delegado afirma que isso não é um fenômeno novo e que, há pelo menos dez anos, os traficantes brasileiros têm preferido comprar a cocaína em forma de base, em vez de comprá-la já pronta para o consumo.

“Uma vez que ela chegue aqui em forma de base ou já é feito diretamente o crack ou ela passa pelo processo de refino para que ela chegue à forma do cloridrato. Para os bolivianos é interessante vender a cocaína base, porque eles não precisam gastar dinheiro refinando. Para os brasileiros é interessante comprar a base porque, se ele compra uma droga com um valor relativamente mais baixo, o lucro pode ser maior depois do refino”, disse Avelar.

Avelar chama a atenção, no entanto, para o fato de que nem todos laboratórios encontrados pela polícia são realmente laboratórios de refino. Segundo o delegado, muitos desses locais não refinam a cocaína, mas apenas adulteram a composição da droga pronta, para aumentar seu volume.

De acordo com a Polícia Federal, em 2009, pelo menos 1,4 mil quilos de cocaína foram apreendidos sob a forma de pasta-base. Mas essa é apenas uma parte da coca-base apreendida.

No ano passado, os registros policiais de grande parte das 18,8 mil quilos de cocaína apreendidas não informavam se a droga estava no formato pasta-base ou se já vinha de outro país refinada.

Por isso, segundo Avelar, não é possível dimensionar com exatidão quanto de cocaína não refinada entra no Brasil. O delegado afirmou que a Polícia Federal vem desenvolvendo um projeto chamado de Pequi, que busca identificar o perfil das drogas utilizadas no Brasil.

A partir dessa iniciativa, será possível determinar o percentual da droga que entra no país já refinada e aquele que entra na forma de base, para ser refinado em laboratórios brasileiros.

*Matéria publicada na Agência Brasil

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Metas para melhorar segurança pública no país até 2022 prevêem 150 mil novas vagas em presídios para aliviar prisões

O governo federal já colocou em consulta pública as metas do plano plurianual chamado de Brasil 2022, na área de segurança pública. O governo propõe cinco metas e 32 ações para que os governos possam adotar nos próximos 12 anos.

Entre as ações previstas no Plano 2022, estão a redução de 40% do numero de presos provisórios no país, a capacitação de pelo menos dois terços dos profissionais de segurança em direitos humanos a cada dois anos, o apoio o projeto de lei que cria o Sistema Único de Segurança Pública, a instalação de gabinetes de gestão integrada em todos estados e municípios com mais de 70 mil habitantes, criar novas 150 mil vagas em presídios, o apoio a penas alternativas e o aumento para 80% do percentual de presos que trabalham e que têm ensino fundamental completo.

Qualquer cidadão brasileiro pode contribuir com ideias, críticas e sugestões a essas metas, atraves do site http://www.sae.gov.br/brasil2022/?p=44. O Plano Brasil 2022 na verdade prevê ações estratégicas em 35 áreas (como economia, educação e meio ambiente). As metas de segurança pública estão incluídas dentro da área de Justiça.

Confira a seguir, as cinco metas e 32 ações propostas para melhorar a área de segurança pública nos próximos 12 anos no pais. Como lembrado, caso alguem não concorde com qualquer uma delas, pode-se opinar no site da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República


Meta 1
Promover uma visão compreensiva de Segurança Pública, integrando as dimensões da prevenção, da reação qualificada à criminalidade e da reintegração social de apenados e egressos do sistema penitenciário.
Ações
1.Induzir, em escala subnacional, a formulação de planos de segurança pública que articulem as dimensões da prevenção e reação qualificada aos crimes e à violência.
2.Realizar campanhas publicitárias para disseminar entre os cidadãos e governos locais uma visão sistêmica de segurança pública e um senso coletivo de responsabilidade em relação ao problema da violência e da criminalidade.
3.Criar política nacional de valorização dos profissionais da segurança pública, contemplando formação, carreira e remuneração.
4.Garantir que ao menos 66% dos profissionais da segurança pública participem, num intervalo mínimo de dois anos, de ações educativas (formação, atualização, aperfeiçoamento e especialização) de qualidade e baseadas numa abordagem de Direitos Humanos.
5.Aprovar lei federal que regulamente os serviços penitenciários.

Meta 2
Construir uma nova Arquitetura para a Governança da Segurança Pública no Brasil e criar um Sistema Integrado de Informações Criminais e Penitenciárias.
Ações
1.Apoiar a aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de lei que institui o Sistema Único de Segurança Pública, construindo um novo pacto federativo na gestão da Segurança Pública que concilie a competência constitucional e histórica dos Estados com a crescente importância da União (como financiadora, coordenadora da política e indutora de mudanças nos governos subnacionais) e do Município (tanto no campo da prevenção quanto no enfrentamento mais imediato da violência por meio das guardas municipais).
2.Garantir a existência de mecanismos de participação social na construção da política nacional de Segurança Pública na lei orgânica do Susp, tais como as Conferências Nacionais de Segurança Pública e o Conselho Nacional de Segurança Pública.
3.Assegurar a existência de Gabinetes de Gestão Integrada (GGIs) de Segurança Pública em todos os estados e nas cidades com mais de 70 mil habitantes.
4.Avaliar os GGIs em funcionamento e desenvolver parâmetros e/ou metodologias para orientar e induzir o bom funcionamento dessas unidades.
5.Assegurar a existência de Conselhos de Segurança Pública em 25% dos municípios brasileiros.
6.Avaliar os Conselhos de Segurança em funcionamento e desenvolver parâmetros e/ou metodologias para orientar e induzir o bom funcionamento dessas unidades.
7.Celebrar acordo de cooperação envolvendo os diversos órgãos e poderes que participam do fluxo dos procedimentos criminais em nível estadual e federal (polícias civil, militar e federal, Varas Criminais e de Execução Penal e Ministério Público Estaduais, do DF e Federal, Secretarias de Administração Penitenciária dos Estados e do DF e Diretoria do Sistema Penitenciário Federal).
8.Desenvolver e instituir mecanismos uniformes e integrados de coleta e armazenamento dos dados relativos às várias etapas dos procedimentos criminais, com a criação de um sistema nacional de informações criminais e penitenciárias e/ou a compatibilização dos sistemas já existentes em nível estadual e federal.
9.Produzir estudos de vitimização, reincidência e ocorrências policiais, num intervalo mínimo de dois anos.

Meta 3
Eliminar a superlotação carcerária e garantir a separação dos presos conforme previsão legal.
Ações
1.Implantar rotinas de levantamentos de situações dos processos judiciais para reduzir o número de presos provisórios em 40%.
2.Acompanhar as propostas de alteração legislativa em matéria penal e processual penal, visando manter a coerência e a racionalidade do regime jurídico da execução penal, tendo em vista os frequentes impulsos para a restrição do sistema progressivo e para o prolongamento do tempo de encarceramento.
3.Criar oferta de estabelecimentos penitenciários que escoem a detenção e a reclusão indevidas nas prisões das delegacias, criando, pelo menos, 150 mil novas vagas.
4.Induzir a construção de Planos Diretores para a expansão sustentável do sistema prisional nos Estados e no DF, com distribuição espacial que ajude a manter e fortalecer os vínculos sociais e familiares dos custodiados, bem como com projetos de engenharia e arquitetura adequados aos diversos perfis dos custodiados.
5.Instituir um Sistema Nacional para Execução de Penas e Medidas Alternativas, com a criação de Centrais para Acompanhamento, Monitoramento e Fiscalização do cumprimento das penas e medidas alternativas no Executivo de todos os estados e do Distrito Federal.
6.Definir estrutura mínima (recursos materiais, humanos e composição das equipes) e consolidar diretrizes para orientar o funcionamento dessas unidades (rotina e abrangência do atendimento).
7.Garantir a destinação de 5% do orçamento anual do Fundo Penitenciário Nacional para o investimento em Penas e medidas alternativas.

Meta 4
Aumentar, de 40% para 80%, o percentual dos presos que trabalham em regime semiaberto e fechado, além de investir na escolarização no ambiente prisional, elevando o percentual de 32% de presidiários com ensino fundamental completo para o mínimo de 80%.
Ações
1.Modificar a legislação e realizar campanha de incentivos fiscais às empresas para a contratação direta ou a implementação de oficinas de trabalho no interior de estabelecimentos penais.
2.Formular acordos com as entidades de ensino para estimular a formação profissional de presos e egressos.
3.Estender o atendimento das redes estaduais de Educação de Jovens e Adultos a pelo menos 50% dos presídios do País, ampliando a implementação do projeto Educando para a Liberdade, fruto de parceria entre o MJ, o MEC e organismos internacionais (Unesco e OEI).
4.Aprovar projeto de lei que introduza a remição da pena pela educação e pela prática esportiva, tal como previsto na legislação em vigor para o caso do trabalho.

Meta 5
Estabelecer mecanismos de repressão e prevenção à corrupção e à criminalidade transnacional, com um sistema integrado com os demais Estados, bem como implantar o Sistema Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, a fim de reduzir drasticamente todas as formas de realização desse crime.
Ações
1.Expandir a rede de laboratórios contra a lavagem de dinheiro para todas as regiões metropolitanas do País.
2.Aumentar o número de acordos de cooperação jurídica internacional, especialmente em áreas de fronteira, sobretudo no Mercosul.
3.Modificar a legislação da responsabilidade de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos relacionados à lavagem de dinheiro, a ações de organizações criminosas e os praticados contra a Administração Pública nacional ou estrangeira e o sistema financeiro.
4.Criar fundo de ativos ilícitos para financiar a prevenção e a repressão ao crime organizado, à corrupção e à lavagem de dinheiro.
5.Fortalecer as ações no âmbito do Mercosul visando ao enfrentamento a esse delito, com trocas de informações e capacitações.
6.Criar as equipes conjuntas de investigação no âmbito do Mercosul.
7.Estimular a cooperação jurídica internacional, incluindo programas de intercâmbio de proteção às vítimas de tráfico de pessoas.
8.Realizar, anualmente, oficinas e seminários internacionais sobre o tema.
9.Estimular a formulação de planos estaduais e municipais de enfrentamento ao tráfico de pessoas.
10.Criar postos avançados de enfrentamento ao tráfico de pessoas nos aeroportos e estações rodoviárias que apresentem fluxo elevado de passageiros e que se localizem em regiões de risco para a prática de tal crime.
11.Fortalecer as redes locais, estaduais e nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas, no que diz respeito à prevenção, à repressão e ao atendimento às vítimas respectivas.
12.Adotar medidas eficientes na prevenção e repressão ao turismo sexual no País.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O milagre das UPP: cariocas ganham "vistas deslumbrantes" nas favelas pacificadas

É impressionante como a imprensa carioca (leia-se a TV Globo e os jornais O Globo e O Dia) tem se esforçado para manter um louvor diário às políticas de segurança do governo do Rio de Janeiro. A fé da mídia nas nossas autoridades de segurança chega a beirar o fanatismo, onde críticas a essas políticas são tratadas como "heresias".

Fanatismo esse que, na seita da imprensa carioca, tem como messias o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, e, como milagre, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

Note que tentei usar, nos meus dois primeiros parágrafos, palavras que remetem ao campo semântico religioso, porque é justamente com uma fé-cega que a grande imprensa carioca tem noticiado os acontecimentos criminais no nosso estado. Hoje (6) pela manhã, ao ler o Jornal O Dia, percebi que essa fé está sendo levada ao exagero.

Ao ler uma manchete como “Moradores ‘ganham’ vistas deslumbrantes com UPPs”, seguida por uma matéria intitulada “Cariocas ganham mirantes da paz”, quase tive uma indigestão com meu café-da-manhã.

Bom, como vocês devem ter percebido, trata-se de uma reportagem cujo mote é: as Unidades de Polícia Pacificadora não só trouxeram paz para os moradores das favelas, mas também permitiu aos cariocas subir esses morros e apreciar a vista da cidade.

Não sei se eu estou ranzinza demais ou se a imprensa está realmente apelando. Por acaso os moradores do Rio não tinham vistas “deslumbrantes” da cidade antes das UPP? Os mirantes do Corcovado, Pão-de-Açúcar, Paineiras e vários outros não existiam antes das UPP? Será que algum carioca vai mesmo subir as íngremes ladeiras dos Tabajaras, do Dona Marta ou do Pavão-Pavãozinho em busca de uma vista excepcional? Talvez.

Mas e daí? O que acontece agora? Os cariocas do asfalto sobem o morro e apreciam a vista? Sobem a favela e olham para o mar? Sobem a favela e ignoram a situação de miséria que continua por ali? Ignoram que a favela continua cheia de barracos insalubres, onde dezenas de pessoas dividem pequenos cômodos, onde a renda familiar é sofrível, onde as chances de se conseguir um emprego decente são mínimas, onde as mães têm que se desdobrar para que os filhos não fiquem desassistidos enquanto elas vão ao trabalho?

Pouco importam todas as mazelas que ainda persistem nas favelas cariocas. A polícia entrou, ocupou, tirou os criminosos armados e permitiu que os cariocas tivessem uma oportunidade a mais para curtir “uma vista deslumbrante”. É claro, a polícia também ocupou para acabar com aqueles incômodos tiroteios que atrapalhavam o sono da abastada elite carioca em seus aconchegantes apartamentos na zona sul.

A favela continua ali. Os favelados continuam vivendo a mesma vida. Eles continuam tendo as mesmas perspectivas de inserção na sociedade, continuam tendo as mesmas dificuldades no seu cotidiano.

Os criminosos armados foram embora. Aleluia, irmãos! Mas a vida daqueles que moram nas favelas não melhoraram por isso.

Então, fiquei pensando comigo mesmo: foi nisso que o combativo jornalismo policial carioca se transformou: numa tentativa desesperada de encontrar pautas que exaltem os feitos da Secretaria de Segurança e do nosso governador Sérgio Cabral? Numa luta diária para encontrar formas de louvar as unidades de polícia pacificadora?

Quero acreditar que a atitude da imprensa carioca seja apenas uma ingenuidade. Não quero crer que a grande mídia está deliberadamente defendendo os interesses do governador Sérgio Cabral (apesar de conversas com colegas jornalistas me indicarem que há, sim, uma defesa deliberada de Cabral em seus jornais).

Só me questiono se, algum dia, antes das eleições, teremos reportagens isentas, imparciais e críticas sobre as UPP. Continuo esperando que esse dia chegue. Enquanto isso, quem sabe, posso passar meu tempo curtindo uma “vista deslumbrante” num “mirante da paz” nas nossas favelas da zona sul.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

UPP: por uma avaliação realista e sem euforia

Devo confessar que fui inicialmente tomado pela onda de euforia em torno das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), da Polícia Militar, assim que foram criadas pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Fui contagiado por elas. Afinal, as UPP traziam de volta uma política de polícia comunitária para o estado.

Era uma promessa de trazer paz para as favelas, afetadas pela tirania de bandidos e pelos confrontos entre criminosos e policiais. Ao se colocar um policial mais próximo da comunidade e expulsar o bandido, a polícia criava um novo paradigma de relação com aquelas pessoas.

Era uma chance de melhorar a imagem da polícia frente à população, sempre oprimida por ações violentas do Estado. Além do mais, tirava das crianças o referencial do bandido como um favelado bem sucedido, poderoso, com dinheiro e cheio de mulheres.

Colocava, em seu lugar, o referencial do Estado como um braço amigo com o qual eles poderiam contar para resolver seus problemas. Mas ao analisar o desenrolar da estratégia das UPP, uma pergunta começou a martelar na minha cabeça: Qual a sustentabilidade deste projeto?

Até onde esse projeto pode chegar? Todas as favelas podem ser pacificadas? Em favelas gigantes, o modelo pode ser aplicado? Quantos policiais seriam necessários para ocupar essas favelas todas? Qual o custo disso para o contribuinte?

E se todas as favelas forem ocupadas, o crime não migraria para o asfalto? Foram perguntas q foram surgindo aos poucos na minha cabeça. Então, comecei a tentar buscar as respostas. Comecei a tentar descobrir quais seriam os verdadeiros planos da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro para as UPP.

Uma das primeiras coisas que descobri era que a UPP da Cidade de Deus, a maior delas, não havia sido totalmente bem sucedida. Foi o início de uma ducha de água fria que se preparava para cair sobre a minha cabeça.

Em seguida, descobri que os planos da Secretaria de Segurança só previam UPP para no máximo 100 favelas (depois a Secretaria de Segurança aumentou este número para 120). Mas o Rio deve ter umas duas mil favelas e a maioria é controlada por grupos criminosos.

Comecei então a imaginar o que seriam das áreas sem UPP. Ainda que ela fosse bem sucedida nas áreas onde implantada, o que aconteceria nas demais regiões?

Fiquei imaginando... Se uma das principais características da criminalidade do Rio de Janeiro é o aspecto da disputa territorial, não é de se imaginar que quanto menos territórios disponíveis, mais acirradas sejam as disputas por essas áreas remanescentes?

Então comecei a pensar: se a própria teoria da territorialidade, aceita pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, estiver correta, mais sangue pode rolar no estado durante o processo de expansão das UPP.

Então descobri outra coisa, que divulguei em primeira mão no Twitter: o Estado usaria as UPP para criar um cinturão na zona sul, na Grande Tijuca e no Centro da cidade. Em outras palavras: em 2010, o subúrbio, zona oeste e Grande Rio não veriam as tão esperadas UPP.

O governo optaria, em um ano eleitoral, por criar um “cinturão de segurança” justamente nas áreas menos violentas da capital. O anúncio da criação do cinturão divisor da cidade foi feito justamente inadvertidamente por um funcionário da Prefeitura do Rio, no Fórum Urbano Mundial das Nações Unidas, que, ironicamente, tinha o tema "UNINDO A CIDADE DIVIDIDA".

O Estado não uniria a cidade dividida, mas a dividiria ainda mais. As áreas menos violentas ficariam mais seguras. E as áreas mais violentas? Comecei a pensar não só na conhecida teoria da migração criminal, mas também pensei além. O governo tira das mãos do tráfico, as favelas mais privilegiadas (do ponto de vista do lucro), mas não combate a demanda por drogas.

Se um morador de Ipanema não tiver mais como comprar cocaína no Cantagalo, o que ele fará? Deixará de cheirar? Talvez. Mas acho improvável. Como viciado, ele se deslocará até o subúrbio para comprar.

E o mesmo lucro q era gerado no Cantagalo, começará a ser gerado no Jacaré, no Complexo do Lins e em outras favelas do subúrbio. Com a diferença que os territórios serão mais restritos para as quadrilhas.

As tentativas de tomada de bocas de fumo poderão ser maiores. Além disso, as quadrilhas que dominam determinada favela podem tornar seu controle mais violento, já que há o risco maior de invasões por criminosos rivais pode torná-las mais paranóicas.

E, junto a essa minha hipótese, há o fato de que, fora as UPP, a essência da política de segurança do Rio de Janeiro não mudou. As operações policiais rotineiras (e geralmente inúteis) continuam. Não há grandes investigações que desarticulem esquemas de entradas de droga e armas no estado.

As investigações de homicídios e outros crimes violentos continuam com baixas taxas de elucidação. A polícia continua recorrendo ao uso de armas com grande poder de fogo para patrulhamento de rotina e não acata a lei estadual que a obriga a usar armamento não letal.

A realidade social dos moradores das áreas mais carentes continua melhorando de forma muito lenta. As políticas sempre são preferencialmente voltadas para áreas mais nobres (que, em geral, não necessitam tanto da atenção pública).

Não há políticas para as cidades médias do interior do estado, onde os índices de crimes violentos vêm paulatinamente nos últimos anos.
Hoje, apesar de respeitar o conceito de policiamento comunitário das UPP, não consigo mais ter tanta euforia. Em tese, as unidades pacificadoras são um projeto interessante, mas é preciso que haja uma avaliação constante desse programa.

É preciso que a sociedade (e a imprensa em especial) tenha uma visão crítica sobre as UPP. É necessário que pesquisadores em segurança pública estudem os efeitos dessa política sobre a segurança pública do estado como um todo. Enfim, é preciso reduzir a euforia (como eu infelizmente reduzi) para acompanhar essa política de forma isenta, como qualquer política pública merece ser acompanhada.

Mas, mais importante ainda, é preciso que a sociedade fluminense (não só a carioca) tenha a coragem de dizer: “Se a UPP só beneficia a alguns em detrimento de outros, não a queremos como política pública para o Rio de Janeiro”.

*Texto publicado no Twitter em 5 de abril de 2010, com alterações

terça-feira, 4 de maio de 2010

Beltrame diz que Operação Abutre tem objetivo de coletar informações (mas precisava ter horário e locais marcados, secretário???)

O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, me disse hoje (4) que o objetivo da Operação Abutre não é “fazer um cerco” aos criminosos na região do Complexo do Alemão, mas apenas “coletar dados e informações” (leia-se: fazer investigações).

Tudo bem, nenhum problema. Até porque a função da Polícia Civil é investigar mesmo. Mas gostaria de sanar algumas dúvidas, secretário:

1) Se o objetivo principal da polícia é levantar dados para investigações, por que então o horário e os locais da operação policial foram divulgados para a imprensa? Se não me engano, isso pode prejudicar a investigação da polícia, não?

2) Se o objetivo principal da polícia é levantar dados de inteligência para investigações, por que todos os policiais estão em carros caracterizados (como os carros da DRFA que anunciam sua presença em letras garrafais)? Por que os policiais estão usando camisas da Polícia Civil e estão armados até os dentes?

3) Se o objetivo principal da polícia é levantar dados de inteligência para investigações, por que havia agentes da Polícia Civil parando carros e vasculhando coletivos, como se fossem policiais militares?

Secretário, se possível, gostaria de ter essas dúvidas esclarecidas, porque, se o objetivo dessa operação é levantar dados de inteligência para a Polícia Civil, me parece (e isso é apenas um palpite) que vamos continuar sem as informações que os policiais precisam para executar seu trabalho com eficácia.

O Bope e a Maré: a política de colocar batalhões perto das favelas

A decisão de colocar batalhões e sedes de delegacias especializadas dentro ou próximas de favelas tem sido uma das estratégias recentes da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Sinceramente, tenho minhas dúvidas se isso terá um impacto positivo na redução da criminalidade do estado.

Bem, mal não vai fazer. Mas, pessoalmente, acredito que também não traz nenhum grande benefício para segurança pública, apesar do alarde que a imprensa tem feito em torno disso.

Gostaria de comentar especialmente a transferência do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) para uma área entre o Complexo da Maré e as favelas de Ramos. Ao acompanhar as notícias de hoje (4) sobre o assunto, percebe-se que há uma tentativa de relacionar a instalação do Bope na localidade com o possível fim do domínio das favelas da Maré por criminosos.

O raciocínio é que se o Bope conseguiu manter os criminosos longe da favela de Tavares Bastos, onde está localizado o atual quartel do batalhão, os “caveiras” conseguirão fazer o mesmo com o Complexo da Maré.

Além de grosseira, a comparação entre Tavares Bastos e Complexo da Maré é incorreta. Tavares Bastos é uma favela pequena, no meio do mato, e com apenas duas entradas em plena zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Além do mais, o quartel se localiza no alto da comunidade. Para que os homens de preto cheguem ao trabalho e se desloquem para suas operações policiais, eles precisam, na maioria das vezes, passar por dentro da favela.

Isso significa que o tráfego de policiais dentro da pequena favela de Tavares Bastos é ininterrupto, todos os dias, o dia inteiro. Manter a favela livre do controle dos criminosos é natural.

Agora vejamos a situação do Complexo da Maré. Em primeiro lugar, a Maré é um conjunto de várias favelas, que deve ser pelo menos 20 vezes maior do que Tavares Bastos. Além do mais, é uma área dividida entre várias facções criminosas. Não há um comando criminoso único.

Como há uma divisão de poderes dentro da favela, a tensão é sempre grande nessa área, com bandidos fortemente armados e confrontos armados corriqueiros. A Maré é também uma localidade estratégica para essas facções, devido à proximidade com várias vias expressas e com a Baía de Guanabara. Além do mais, há várias entradas e saídas.

E mais, já existe um batalhão da Polícia Militar dentro da favela. O 22o Batalhão fica dentro da favela (apesar de não se comunicar com ela, já que os policiais entram e saem do quartel pela Linha Vermelha). E, desde a instalação desse batalhão, não se viu nenhuma melhoria no que se refere à criminalidade na Maré.

Para completar, o Bope não ficará dentro do Complexo da Maré, o que significa que os policiais não precisarão trafegar diariamente pelas ruas da favela (assim como acontece com o Batalhão da Maré). Resumindo: como não estará o tempo inteiro presente na comunidade, sempre que precisar entrar na favela, o Bope continuará tendo que trocar tiro, assim como acontece hoje.

Logo, o que me parece é que se está usando a desculpa de deslocar o Bope para um terreno próximo ao Complexo da Maré para que o governo do estado se isente das cobranças de colocar ali uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em breve.

Ao se questionar por que a UPP não chegou à Maré, nossas autoridades poderão responder: “Não dá para chegar a todas as favelas ao mesmo tempo, mas pelo menos colocamos o Bope ali na favela”. E a imprensa ficará satisfeita com isso.

Operação Abutre: mais uma solução espetacular para acabar com o crime no Rio?

Depois da solução mágica das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que promete resolver todos os problemas de segurança do Rio de Janeiro (do tráfico de drogas à epidemia de dengue), a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro anunciou novas medidas “espetaculares” para reduzir o crime na cidade do Rio.

Uma das ações mais “extraordinárias” anunciadas pelas autoridades de segurança é a chamada Operação Abutre, da Polícia Civil. A ação consiste em espalhar agentes por pontos fixos de bairros no entorno do Complexo do Alemão, para coibir roubos nessa região. Ao mesmo tempo, policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) farão o patrulhamento volante, para evitar que os “bondes” de assaltantes fujam das blitze fixas.

A decisão de ampliar o patrulhamento em uma área sensível da cidade é perfeita. Onde há mais roubos de rua, é necessário um policiamento mais ostensivo (pelo menos até que os roubos migrem para outro lugar).

O alvo da minha crítica não é o aumento do policiamento, em si. Isso já deveria ter sido feito há dez anos (e não apenas a cinco meses da eleição). Os problemas da Operação Abutre são basicamente dois: o uso da Polícia Civil no policiamento ostensivo e o período pré-determinado da ação.

Quanto à primeira questão, devo dizer que, segundo a nossa legislação, a Polícia Civil não tem função de policiamento ostensivo. Isso é função da Polícia Militar.

Vocês podem se perguntar: mas qual é o problema da Polícia Civil atuar nas ruas, junto com a Polícia Militar? Quanto mais policiais nas ruas, mais seguros vamos ficar, certo? Errado. Alguém já parou para se perguntar por que existe uma polícia administrativa e outra judiciária?

É justamente porque o crime não se combate apenas com policiamento ostensivo, mas também com policiamento investigativo. Se as polícias Civil e Militar estão ostensivamente nas ruas, quem está na delegacia investigando os crimes?

Sem querer entrar no mérito de se essas funções devem ser feitas por duas polícias diferentes ou por equipes diferentes dentro de uma mesma polícia. O que eu quero dizer é que precisa haver policiais que façam policiamento ostensivo e outros que investiguem.

Como afirmado acima, o combate ao crime se dá em duas frentes: o policiamento de rua, que serve como um elemento dissuasor para os criminosos, e a investigação, que, ao contrário do que pode pensar o senso comum, não serve apenas para apurar crimes já ocorridos. A principal função da polícia investigativa é evitar que os crimes se repitam. Como?

Ao investigar as ocorrências criminais, a Policia Civil consegue compreender a dinâmica do crime e identificar os responsáveis por ele, para que seja possível interferir no processo de consumação deste crime, seja prendendo os criminosos ou quebrando qualquer elo da cadeia.

Ao provocar a prisão de uma quadrilha de assaltantes, por exemplo, a Polícia Civil não está apenas punindo os criminosos, mas principalmente evitando que eles cometam os mesmos crimes. Com isso, o numero de roubos naturalmente se reduz, já que um assaltante tende a praticar mais de um roubo durante sua carreira criminosa.

Mas se, por outro lado, a Polícia Civil abre mão de sua função principal, que é subsidiar as autoridades policiais com informações mais precisas, ela apenas se junta à Policia Militar no difícil trabalho de enxugar gelo, que é a repressão a criminosos nas ruas.

Pelo menos 200 policiais de delegacias especializadas (justamente aquelas que mais teriam condições de conduzir investigações mais especiais) estão sendo, através dessa operação Abutre, tirados de suas funções investigativas para trabalhar como PMs.

O outro problema da chamada Operação Abutre (além do nome escroto) é o fato de que ela tem não só um prazo pré-determinado (90 dias), como também tem hora para começar e para terminar.

Nada contra ela ter um prazo pré-determinado (aliás 90 dias se encerram justamente em agosto, cujos índices de criminalidade serão divulgados no período da eleição), mas polícia não deve trabalhar de acordo com um cronograma como esse. Crimes, por sua essência ilegal, são dinâmicos.

Se for difícil praticar roubo no entorno do Alemão, vou praticar meus roubos no entorno da Mangueira, do Jacarezinho, na Avenida Brasil, na Barra da Tijuca etc. O roubo migrará para outros bairros, mas os policiais continuarão fixos no Complexo do Alemão por mais três meses.

E o que é mais interessante: ninguém dirá para eles que eles precisam mudar de lugar, simplesmente porque os policiais que deveriam investigar e perceber a mudança geográfica dos roubos não estão nas delegacias, mas nas ruas (fazendo o mesmo trabalho que policiais militares).

Quanto o horário, é óbvio que a Polícia escolheu o horário das 17h às 23h porque é a hora em que mais ocorrem roubos na região. Mas como já afirmei, o crime é dinâmico. Se eu não posso roubar das 17h às 23h, vou começar a roubar às 16h30 ou às 23h10. Afinal, me sobram mais 18 horas do dia para roubar.

Mais uma vez, nada contra a polícia escolher um horário específico para “começar” a operação. Mas divulgar esse horário para a imprensa e “continuar” nesse horário por 90 dias é, no mínimo, uma ingenuidade.