terça-feira, 29 de junho de 2010

Toda polícia não deveria buscar a paz? A contradição em se festejar uma "unidade" de Polícia Pacificadora

Eu sou um grande crítico da política de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) adotada pelo governo do estado do Rio de Janeiro. Não porque eu discorde do conceito de policiamento comunitário que é adotado pelas UPP nas diversas favelas do Rio, mas, entre outras razões, por ser essa uma política seletiva que não beneficia toda a população do estado.

Mas o que gostaria de fazer aqui não é necessariamente uma crítica sobre a política das UPP, mas apenas uma reflexão sobre o conceito de polícia pacificadora. Há alguns dias, venho refletindo sobre o que é uma polícia pacificadora e sobre por que deveríamos comemorar e até mesmo incentivar uma unidade “específica” de polícia pacificadora.

Mais uma vez, não estou dizendo que sou contrário à existência de uma polícia comunitária, de uma polícia de aproximação ou de uma polícia pacificadora (como se queira chamar).

O meu objetivo aqui é exatamente o oposto. Reflitam comigo: por que comemorar a criação de uma unidade de polícia pacificadora quando todas as unidades da polícia deveriam ter como objetivo a garantia da paz?

Como venho dizendo aqui no blog, as Unidades de Polícia Pacificadora do governo do estado vêm sendo tratadas como uma mudança no paradigma das políticas de segurança do Rio de Janeiro. Mas, a meu ver, elas simbolizam exatamente o oposto. Não pelo que elas representam em si, mas pelas contradições no contexto mais amplo da segurança pública que elas expõem.

As unidades de polícia pacificadora são unidades da polícia que prezam o diálogo com a comunidade, a aproximação com o cidadão e o fim do confronto armado. São unidades que representam o braço amigo e pacífico do Estado. São unidades que representam um Estado que não quer apenas eliminar os criminosos, mas ajudar a população (pelo menos na teoria e na propaganda do governo).

Mas, ao mostrar tudo isto e ao se propagandear como uma polícia diferente, as UPP também revelam aquilo que a chamada “polícia tradicional” representa: o confronto, o não-diálogo, a distância com relação à comunidade, as balas perdidas, a brutalidade, a corrupção.

E, se as UPP representam tudo aquilo que o governo e a sociedade esperam e desejam da polícia, por que, então, todas as demais unidades da polícia agem exatamente da forma oposta? Por que a esmagadora maioria da polícia do Rio de Janeiro age diferente do conceito de polícia pacificadora? Por que toda a polícia do Rio não pode ser uma polícia pacificadora?

Fora do território das UPP (isto é, 99,9% do território fluminense) são diárias as ocorrências de confrontos policiais, de trocas de tiros, de balas perdidas, de abuso de autoridade, de brutalidade, de autos de resistência.

Entre janeiro de 2009 e abril deste ano (período de consolidação das UPP), a polícia do Rio de Janeiro matou 1.370 pessoas. Isto significa que o índice de mortes provocadas pela polícia fluminense (algo entre 8 e 9 por 100 mil habitantes) é maior do que o índice de mortes provocadas por bandidos em uma cidade do porte de Nova York. Nada diferente do que vem ocorrendo no estado nos últimos 20, 30 anos...

Estão entendendo agora, por que eu acho contraditório festejar a existência de uma UNIDADE de Polícia Pacificadora? Ao festejar isso, estamos aceitando que o restante da polícia não seja pacificadora. Ao celebrar a UPP, o governo do estado sinaliza que a grande massa de policiais civis e militares pode continuar sendo violenta.

Ao comemorar isto, estamos concordando com o governo do estado ao conceder o rótulo de “pacificadores” a apenas uma meia dúzia de policiais que integram sua política eleitoreira e ao permitir que a maioria da polícia continue apelando à violência como forma de resolver conflitos.

Enfim, não podemos aceitar (muito menos incentivar) que o governo destaque apenas uma meia dúzia de policiais para agirem “pacificamente” enquanto o restante da polícia tem carta branca para agir com violência.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Plano de longo prazo para a segurança pública no Brasil continua aberto a consulta pública

Ainda é possível contribuir para o planejamento de longo prazo do governo federal, na área de segurança pública, para os próximos 12 anos. O Plano Brasil 2022 continua em consulta pública pela internet (http://www.sae.gov.br/brasil2022) e aceita sugestões de qualquer cidadão.

Para contribuir com sugestões ou criticar os planos e metas para a segurança pública, basta procurar o capítulo de “Justiça”, do Plano Brasil 2022 e usar o canal de comentários, fica na parte de baixo da página eletrônica. A previsão é que a Secretaria de Assuntos Estratégicos encaminhe a nova versão do plano, já com as contribuições relevantes, para o presidente Lula ainda neste mês.

Eu já li, achei que faltava algo e dei algumas contribuições para o plano. Confira abaixo as minhas propostas:

Meta: redução da circulação de armas de fogo e munições no Brasil, já que dados mostram que 70% dos homicídios no país são cometidos por esse tipo de arma. O que for possível, será feito diretamente pelo poder executivo por meio de decretos e portarias. Caso contrário, o poder executivo encaminhará texto ao legislativo.
Ações:
1) Centralização da fiscalização da importação, exportação, comércio e posse de arma de fogo leve de uso permitido na Polícia Federal. Ampliação do efetivo da Polícia Federal, para que essa fiscalização seja feita de forma efetiva.
2) Com a mudança, a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército ficaria responsável apenas pelo controle das armas de uso restrito, dos arsenais das polícias, das armas pesadas e dos explosivos. Ampliação do efetivo destinado à DFPC para que esse controle seja mais efetivo.
3) Ampliação das fiscalizações nas indústrias e no comércio de armas do país, com os policiais federais.
4) Realização da escolta dos grandes carregamentos de armas desde as fábricas, portos e aeroportos até o destino final pela Polícia Rodoviária Federal, com a fiscalização da Polícia Federal.
5) Discussões com os países membros do Mercosul e da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) para que se possa ter uma legislação comum em relação à produção, comércio e porte de armas de fogos em todos esses países.
6) Realização de uma nova campanha do desarmamento, como a que houve entre 2004 e 2005 no país.
7) Destruição, assim que possível, das armas apreendidas pelas polícias civis e Polícia Federal em todo o país, com acompanhamento desta destruição pela Polícia Federal e Ministério Público Federal.
8) Vistorias periódicas dos arsenais das polícias estaduais e Federal pela Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército e pelo Ministério Público Federal

Meta: Melhorar da qualidade de investigação e inteligência das polícias brasileiras
1) Trabalho integrado da Polícia Federal com as polícias estaduais, através de reuniões periódicas e dos encontros dos Gabinetes de Gestão Integrada de Segurança.
2) Foco da Polícia Civil no trabalho de investigação, para evitar que policiais civis sejam deslocados para outros trabalhos, como o policiamento ostensivo e operações policiais (como acontece em alguns estados).
3) Acompanhamento do Ministério Público sobre os inquéritos policiais, através de fiscalizações e vistorias periódicas a delegacias. O trabalho pode ser feito por amostragem, assim como acontece com a fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre o repasse de verbas a municípios.
4) Exigência do cumprimento de metas estaduais relativas a conclusão de inquéritos e elucidação de crimes, em vez da fixação de metas que simplesmente prevêem a redução de crimes. Metas que prevêem apenas a redução de índices criminais podem favorecer a manipulação de dados.

Meta: Reduzir a letalidade, truculência e corrupção policial
1) Restringir o uso de armas longas (fuzis, carabinas e submetralhadoras) a unidades especiais das polícias e, apenas, para uso em situações de exceção.
2) Treinamento periódico de tiro para policiais e capacitação periódica para resolução de conflitos sem o uso de armas de fogo.
3) Obrigatoriedade do uso de armas não letais (tasers, munições de borracha e gases de efeito moral) por policiais no patrulhamento ostensivo de rotina, em concomitância com as armas comuns (revólveres e pistolas).
4) Abertura obrigatória de inquérito e de sindicância por parte da corregedoria de polícias, para cada tiro disparado por um policial. A meta pode parecer absurda justamente porque milhares de tiros são disparados por semana no país. Mas a ideia é justamente evitar os disparos desnecessários.
5) Abertura obrigatória de inquérito para os chamados “autos de resistência” e afastamento imediato do policial envolvido em morte suspeita.
6) Criação de corregedorias independentes para investigar a atuação da polícia. A corregedoria deveria ser um órgão separado, desvinculado da Secretaria de Segurança, formados por não policiais ou por policiais que não estão mais na ativa. A corregedoria também teria ouvidorias para receber denúncias dos cidadãos.
7) Obrigatoriedade de se comunicar, antecipadamente, ao Ministério Público e ao Corpo de Bombeiros, cada operação policial que envolva riscos de confrontos armados (exemplo: operações policiais em favelas), para que ela possa ser acompanhada por promotores e profissionais de socorro médico.
8) Criação de um grupo especial do Ministério Público, para acompanhar essas operações policiais in loco.

Meta: Reduzir a sensação de impunidade na sociedade brasileira
1) Aprovação no Congresso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que determina o fim do foro privilegiado para parlamentares e autoridades públicas. A Constituição Brasileira impede, em sua essência, este tipo de prerrogativa.
2) Fim de privilégios legais para qualquer categoria profissional ou política no Brasil. Em uma democracia, instrumentos como a prisão especial ou a impossibilidade de se prender um juiz em flagrante por qualquer delito.

Meta: Iniciar um processo de legalização gradativa do comércio e uso de drogas ilícitas. O comércio ilegal desses produtos é um dos principais fomentadores da violência no país.
1) Realização de congressos municipais, estaduais e nacionais para se discutir o futuro das políticas de drogas no Brasil.
2) Realização de uma consulta pública pela internet para se discutir o futuro das políticas de drogas no Brasil.
3) Saída do país da Convenção Internacional sobre Tráfico de Entorpecentes das Nações Unidas, tratado de 1961 ratificado pelo Brasil durante período de exceção (Ditadura Militar), em 1964. A medida é importante para que o país possa discutir o assunto de forma soberana.
4) Realização de consulta popular no país, por meio de plebiscito, para conhecer a posição da população em relação à legalização gradativa de drogas.
5) Confirmando-se a determinação da população brasileira em se legalizar as drogas, o governo e o Congresso precisam criar uma estratégia de legalização gradativamente de entorpecentes, começando pela descriminalização do uso de drogas com menor potencial e terminando pela descriminalização da venda de todas substâncias. Durante esse período, cada processo precisa ser avaliado, a cada passo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Por que sempre a zona sul? O Rio e suas políticas seletivas de segurança

Nesta semana, o governo do Rio de Janeiro inaugurou a nova sede da Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso. Até aí, tudo bem. Seria apenas uma iniciativa das autoridades públicas para aumentar a segurança de um segmento populacional muito mal tratado no Brasil, não fosse por um pequeno detalhe.

O local escolhido para a instalação da delegacia especializada foi a zona sul da cidade do Rio de Janeiro, a área da cidade que menos precisa de políticas públicas e que, contraditoriamente, é sempre a primeira a receber essas políticas.

A Delegacia localiza-se no bairro de Copacabana. Podem até argumentar que Copacabana é o bairro com maior percentual de idosos do estado. Sim, correto.

Mas há várias regiões do Rio de Janeiro que têm mais idosos do que o abastado bairro da zona sul e que, provavelmente, precisam mais de uma delegacia como essa do que Copacabana.

Um deles é Campo Grande, o bairro da zona oeste da cidade, que concentra a maior população absoluta de idosos da cidade do Rio de Janeiro, mas que não foi agraciado com a especializada.

Na verdade, esse texto não se trata da Delegacia de Idosos da Polícia Civil fluminense, mas sim das políticas públicas seletivas/exclusivas que vêm sendo adotadas há anos no estado e que priorizam sempre as áreas mais nobres da cidade (zona sul, Barra e até Tijuca), em detrimento das áreas mais carentes (que costumam necessitar mais do Poder Público).

Políticas essas que continuam sendo adotadas pelo atual governo (e que provavelmente continuarão sendo adotadas pelos próximos se a mentalidade da sociedade não mudar).

A Delegacia do Idoso é apenas um dos vários exemplos de política seletiva do atual governo. Listo a seguir outros exemplos de política restrita às zonas nobres da cidade:

Operações de Choque de Ordem – As operações de choque de ordem, que visam reduzir a desordem urbana, foram realizadas durante dois anos exclusivamente nos bairros de Copacabana e Ipanema, através dos projetos CopaBacana e IpaBacana. Depois, o choque de ordem passou a ser realizado pela prefeitura.

Unidades de Polícia Pacificadora – As festejadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) começaram a ser instaladas nas favelas da zona sul (Copacabana, Ipanema e Botafogo), da Barra/Jacarepaguá (Cidade de Deus), Tijuca e Centro. E a ideia da Secretaria de Segurança é manter, pelo menos neste ano eleitoral, a política restrita a essas áreas. A favela do Batan, em Realengo, foi a única fora do eixo zona sul/Barra/Centro/Tijuca a receber uma UPP. A meu ver, a ocupação do Batan se deveu mais a uma continuidade natural do trabalho de desarticulação da milícia da favela (por causa do caso da tortura à equipe do Jornal O Dia) do que propriamente uma ação pensada da Secretaria.

Delegacia de Dedicação Integral ao Cidadão (Dedic) – O projeto foi criado neste ano, com o objetivo agilizar e melhorar o atendimento ao cidadão através do registro de ocorrências online e delivery (em que o policial vai à casa do cidadão). O projeto, como sempre, deu preferência às áreas mais nobres do estado. Em vez de Penha, Madureira, Duque de Caxias, Bonsucesso e outras áreas mais violentas da cidade, a Polícia Civil optou por começar o projeto pelas delegacias de Copacabana, Leblon, Gávea, Barra da Tijuca, Tijuca e Icaraí (área nobre de Niterói). Campo Grande também participa do projeto, mas é o único representante dos bairros mais carentes no Dedic.

Operação Bairro Seguro - A iniciativa da Polícia Militar prevê a intensificação do patrulhamento de rua, através do policiamento a pé com duplas de policiais e com cães farejadores em áreas de maior ocorrência de assaltos. A iniciativa atinge apenas oito bairros da zona sul.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cabral briga com os fatos e insiste que UPP vai chegar em todo o estado

Mas o governador omite o fato de que unidades de polícia pacificadora não vão chegar nem a 10% das mais de mil favelas controladas por bandidos no estado


Talvez por conta de um desespero pré-eleitoral, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, tem tido o costume de brigar com os fatos, quando se trata das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Através de seu discurso, Cabral tem tentado mostrar que as UPP seriam “mais” do que elas realmente são.

Hoje, em um evento na Ilha do Fundão, o governador disse que as UPP chegarão a todos os cantos do estado que forem ocupados por um “poder paralelo”, de “Varre-e-Sai a Parati”.

Eu, que estava fazendo a cobertura do evento, interpelei o governador, perguntando como ele iria ocupar as mais de mil favelas controladas por gangues no Rio (algo, a meu ver, inviável). Sem responder à minha pergunta, Cabral continuou insistindo que as UPP vão chegar a todas as favelas controladas por quadrilhas armadas.

Não perguntei mais nada, porque tive certeza de que o nosso governador vive em um mundo fantasioso, onde suas versões valem mais do que os fatos. Depois, fiquei comigo mesmo pensando: ou Cabral quer ocultar a verdade da população ou ele desconhece a estratégia de implantação das UPP no Rio de Janeiro.

A estratégia de expansão das UPP é, na verdade, muito menos cor-de-rosa do que quer fazer crer Sérgio Cabral. Segundo a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, a polícia pacificadora não vai chegar a todas as favelas. Só isso já contraria o governador.

Inicialmente, o planejamento das unidades de polícia pacificadora só previa 100 favelas até 2016 (ano em que se encerra o planejamento estratégico da Secretaria). Depois, a Secretaria acabou aumentando esse número para 120 (acredito eu desmembrando algumas favelas em microcomunidades, como é o caso da Providência, que virou três favelas para efeitos de UPP).

Bom, segundo um estudo divulgado recentemente pelo Núcleo de Estudos da Violência da Uerj, existem, somente na cidade do Rio de Janeiro, mais de 900 favelas controladas por grupos armados. Se formos contabilizar as favelas da Baixada, Niterói, São Gonçalo e outras cidades medias como Macaé, Angra dos Reis, Volta Redonda, Teresópolis e Cabo Frio, esse número sobe tranquilamente para 1.500...

Então, ensinemos nosso governador a calcular: 1.500 menos 120 é igual a: 1.380... Isto mesmo, 1.380 favelas controladas por grupos armados que não contarão com Unidades de Polícia Pacificadora.

Logo, governador, atenha-se aos fatos e reconheça, em público, as limitações de sua principal (se não única) política de segurança. Ou será que o senhor teme que a população conheça a verdade sobre as UPP?

E mais, por que o senhor não assume que as Unidades de Polícia Pacificadora não chegarão neste ano (talvez nem no ano que vem, nem em 2016) a favelas problemáticas do subúrbio, como o Complexo do Alemão? Aliás, já foi divulgado, por mim e pela imprensa, que nenhuma (isso mesmo, nenhuma) favela do subúrbio receberá uma UPP nova neste ano.

Por que o senhor, governador, não joga limpo com a população fluminense, e diz, com todas as letras que, com exceção da favela do Batam, todas as unidades pacificadoras já instaladas ou planejadas para este ano ficam nas zonas mais ricas (e menos violentas) da cidade? Zona sul, Barra, Tijuca e Centro (por onde os ricos também circulam)?

Ao invés disso, Cabral insiste na história da carochinha de que a UPP é uma política democrática, que beneficiará toda a população carioca.

E mais, Cabral também continua a divulgar mais um conto do vigário: de que a instalação do Batalhão de Operações Especiais num quartel entre a Maré e as comunidades de Ramos trará mais segurança para a área.

Já disse e vou repetir (quem quiser ler mais sobre o novo quartel do Bope na Maré tem um post escrito em maio sobre isso), ao contrário do que diz Cabral, o quartel do Bope não conseguirá, por si só, pacificar a Maré (talvez o consiga em Ramos, porque lá é ocupado por milícias de policiais).

Para mim, a instalação do quartel do Bope na Maré cheira a uma artimanha para não precisar instalar, tão cedo, uma UPP no Complexo da Maré (um dos maiores vespeiros que existem no Rio).

Enfim, em vez de ocultar a verdade sob versões truncadas da realidade, Cabral precisa abrir o jogo com a população e reconhecer as limitações das unidades de política pacificadora. Não custa nada ser honesto com os cidadãos.

domingo, 13 de junho de 2010

Política de enfrentamento no Rio: a mania da polícia fluminense em resolver problemas através do gatilho

Enquanto a bola rola na África do Sul, o tiro rola no Rio de Janeiro. A polícia fluminense é reconhecida por recorrer à violência como instrumento primeiro de sua ação. Não são raros os casos de espancamentos, execuções e torturas envolvendo policiais. Mas sobre o que gostaria de refletir especificamente hoje é o grande número de tiroteios envolvendo agentes da lei.

A polícia do Rio adora uma operação policial (quando mais espetacular melhor), com tiros, fogos, helicópteros e toda a parafernália bélica. Policiais também adoram trocar tiros com bandidos no meio da rua.

Onde ficam os cidadãos enquanto a polícia se diverte apertando seu gatilho no meio da rua? Bom... Isso não parece ser um problema para a polícia. Quando começa um tiroteio, os policiais esperam que o cidadão se vire, que ele dê seu jeito para não ser atingido.

Em meio à chuva de balas que voa sobre as cabeças dos cidadãos cariocas diariamente, não são incomuns casos de balas perdidas (isto é, aquelas balas que resolvem sair do cano da arma do bandido ou do policial e encontrar a cabeça, o coração, a barriga ou qualquer outra parte do corpo de um cidadão inocente).

Na última sexta-feira (11/6) não foi diferente. No Complexo da Maré, um trabalhador e um estudante morreram no confronto. Outras quatro pessoas ficaram feridas, entre elas uma criança de cinco anos de idade.

Em geral, quando pessoas inocentes são atingidas em tiroteios envolvendo policiais, as discussões giram em torno de quem atirou nas vítimas. Moradores costumam dizer que foram os policiais. Os policiais costumam dizer que foram os bandidos que atiraram. Como se fosse possível, em meio a um pandemônio, se afirmar quem atirou em quem.

Na verdade, para mim, saber quem atirou pouco importa (só importa para a polícia e a Justiça, que vão investigar e julgar os casos, o que, convenhamos, raramente acontece).

Para mim, o mais importante é entender que a polícia (e as autoridades públicas) vêm fomentando confrontos armados no Rio de Janeiro há anos. Se os policiais vêem um roubo, eles atiram para impedir a ação. Se eles perseguem um carro suspeito que não quer parar, eles atiram na direção do veículo. Se eles entram na favela e ouvem tiros, já atiram em direção ao possível foco do tiro, sem importar se há pessoas no caminho ou se o suspeito está a centenas de metros de distância.

Enfim, se os policiais recebem um tiro, é quase uma questão de honra atirar de volta, mesmo que isso não vá resolver nada. O tiro policial acaba funcionando como uma demonstração de poder para o suposto “exército paralelo”. Na mentalidade policial, se você não atirar de volta, você demonstra fraqueza perante o “inimigo”. Na mente dos policiais, se você não atirar, você estará convidando o bandido a atirar impunemente toda vez que vir um policial.

Mas o policial jamais para pra de refletir sobre as consequências daquele tiro que está sendo disparado no bandido. Recorrendo a um pensamento simples, um tiro de volta disparado pela polícia significa, no mínimo, um tiro a mais voando sobre a cabeça dos cidadãos cariocas.

Se os bandidos disparam cinco balas sobre a polícia, há cinco chances de uma bala atingir um inocente no meio da rua. Se a polícia devolve os cinco tiros na direção dos bandidos, as chances de se atingir um inocente sobem para dez.

Essa é apenas a consequência mais direta e visível da política de enfrentamento adotada pela polícia do Rio (e fomentada por autoridades governamentais) há anos.

Mas há outras possíveis consequências desses tiros. Uma delas é que se torna banal, na mentalidade do policial, atirar no meio da rua. Atirar impunemente em um ambiente lotado de cidadãos se torna uma ação corriqueira no dia-a-dia policial. Quanto mais se atira, mais normal isso se torna.

Tiros disparados por policiais não são investigados. Policiais que disparam no meio da rua não são cobrados, questionados ou investigados.

Há ainda consequências não tão óbvias. Policiais dizem que atiram muito porque bandidos atiram muito. Eles apenas respondem ao fogo inimigo.

Mas alguém já parou para pensar por que bandidos disparam suas armas? A não ser no caso de homicídios intencionais, em geral, bandidos disparam suas armas quando se sentem ameaçados e desejam se defender (seja passivamente seja ativamente).

Alguém já parou para pensar por que bandidos disparam tanto suas armas no Rio de Janeiro? Alguém já parou para pensar por que bandidos se armam tão pesadamente? Será que um histórico de violência por parte da polícia não contribui para essa situação?

Afinal, se eu sei que policiais vão atirar em mim, por que não atirar neles primeiro? Se eu serei alvejado quando tento fugir, por que não atirar? Se eu me entregar posso ser executado, então por que não atirar? E por aí vai...

É o que podem pensar os bandidos. Por isso, os policiais precisam refletir. Sua atitude violenta pode ser um bumerangue que volta contra eles próprios (e contra os cidadãos). Enfim, quanto mais violentos os policiais, mais violentos se tornam os bandidos (e isso piora a cada geração).

Escrevo isso apenas como um apelo para que os confrontos armados sejam reduzidos no Rio de Janeiro. Infelizmente, não temos qualquer controle sobre a atitude dos bandidos. Não podemos pedir que eles parem de atirar ou que eles atirem menos.

Por isso, meu recado é direcionado à polícia. Por ser um agente do Estado, a polícia é o elo da cadeia sobre o qual a sociedade ainda pode ter algum controle. Se não podemos reduzir o número de balas disparadas pelos bandidos, podemos, pelo menos, reduzir os tiros disparados pela polícia.

Acho que todos concordam que, quanto menos balas zunirem sobre nossas cabeças, melhor. Cabe aos policiais atirarem menos, às autoridades exigirem menos tiros, aos órgãos de fiscalização e de investigação apurarem as ocorrências de tiros disparados pela polícia e à sociedade se indignar com cada vítima inocente atingida no faroeste carioca.

Se a polícia atirasse menos (ou tivesse mais critério para atirar) a vida de milhares de pessoas teriam sido poupadas: a refém do ônibus 174, o menino João Roberto da Tijuca, o homem da furadeira do Morro do Andaraí, só para citar alguns casos...