segunda-feira, 2 de outubro de 2017

A legalização das drogas e a redução da criminalidade

Logo que comecei esse blog em 2010, eu me posicionei abertamente pela legalização do uso das drogas (de todas elas, sem exceção) e a regulamentação de sua venda. Naquela ocasião, defendi que a medida era essencial para se reduzir a violência atrelada ao tráfico de drogas no país.

Ontem eu li no Jornal O Globo, uma enquete com oito especialistas que responderam a seguinte pergunta: "A legalização das drogas diminuiria a violência no Rio?".

Quatro deles respondiam que sim e davam suas razões e quatro respondiam que não e explicavam seus motivos. A iniciativa do Globo de levantar a questão é de suma importância para se fomentar um debate acerca de alternativas à guerra às drogas.

Eu continuo acreditando em meu posicionamento de 2010 e defendendo a legalização de todas as drogas, acreditando que não cabe ao Estado regular o que cada cidadão adulto deve consumir, desde que isso não afete o coletivo da sociedade.

E também continuo acreditando que haverá, sim, uma redução da violência.

Hoje, no entanto, tenho muitas dúvidas sobre a amplitude dessa redução e sobre o impacto que essa medida teria na dinâmica criminal do Rio de Janeiro, que envolve o controle territorial armado ilegal. Acredito que provavelmente o controle territorial armado continuaria, já que as quadrilhas hoje envolvidas com o tráfico arrumariam outra forma de exploração ilegal do território (funcionando como as milícias).

Vamos analisar a situação ponto a ponto.

1) A legalização das drogas acabaria com o tráfico?
Provavelmente, não. Mas enfraqueceria de forma absurda o poder das facções criminosas. A regulamentação de setores econômicos não é capaz de acabar com a informalidade. Provavelmente, a droga ilegal (não regulamentada) continuaria sendo vendida mais barata e com uma qualidade inferior. Mas esse comércio informal representaria apenas uma parte pequena do comércio de drogas e não movimentaria mais milhões de reais. Com menos dinheiro nas mãos, os criminosos teriam menos poder, menos armas e menos capacidade de corromper agentes do Estado.

2) A legalização reduziria a violência relacionada ao tráfico?
Certamente. O volume de drogas, dinheiro e armas seria bem menor. As disputas tenderiam a ser menos sangrentas. As brigas entre facções seriam menos atrativas e as intervenções policiais seriam menos drásticas e menos violentas.

3) A legalização reduziria a violência como um todo no Rio de Janeiro?
Sim, mas apenas de forma moderada. Muitos dos homicídios no Rio de Janeiro não são sequer relacionados a grupos criminosos organizados ou semiorganizados, mas sim a ações isoladas, como brigas de trânsito, de vizinhos, violência doméstica, desavenças etc. E mesmo aquelas mortes relacionadas ao crime organizado/semiorganizado não podem ser atribuídas exclusivamente ao tráfico de drogas, mas também a milícias, jogo do bicho, esquadrões da morte etc. Então, seria preciso primeiro saber quantas mortes são causadas pelo tráfico. Certamente essas mortes específicas seriam drasticamente reduzidas.

4) A legalização acabaria com o controle territorial armado das favelas do Rio de Janeiro?
Provavelmente não. Depois de mais de 40 anos de controle desses territórios, os criminosos dificilmente abririam mão dessa prática e abandonariam a dominação dessas comunidades. É uma situação muito antiga, então esse sistema informal de liderança, submissão e lealdades está muito entranhado nessas comunidades. Os bandidos sentiriam um impacto imediato, mas em um prazo relativamente curto, eles usariam suas armas para se articular em um novo esquema criminoso, mais próximo de um sistema mafioso. As milícias do Rio de Janeiro já ensinaram o caminho das pedras: venda de proteção, extorsão, controle do transporte, cobrança de taxas de comércio, extorsão de uma forma geral, venda de TV a cabo clandestina, venda de botijões de gás etc. Em algumas comunidades cuja atividade ilegal principal é a venda de drogas, algumas dessas atividades criminosas já começaram a ser praticadas. Além do mais, eles continuariam usando seus territórios para cometer crimes como roubo de carga, roubo de banco, assalto de rua, roubo a lojas e a casas.

Enfim, a legalização das drogas é importante mas não é uma solução mágica. No dia em que o Brasil for maduro o suficiente para legalizar e regulamentar a venda de substâncias alucinógenas, as autoridades precisam se preparar para enfrentar não só o comércio ilegal desses produtos (que provavelmente continuará existindo), mas principalmente para a readequação das quadrilhas criminosas para uma nova dinâmica.

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