A morte violenta de milhares de jovens a cada ano no país provoca redução da expectativa de vida em todos os estados, revela estudo divulgado hoje (12) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em alguns estados, como Alagoas e Espírito Santo, a expectativa de vida dos homens diminui mais de dois anos por causa de homicídios, acidentes e suicídios de pessoas entre 15 e 29 anos.
De acordo com o Ipea, os homens de Alagoas têm perda de 2,62 anos em sua expectativa de vida e os do Espírito Santo, de 2,14 anos. Outros nove estados têm redução de mais de 1,5 ano na esperança de vida por causa da violência na juventude: Bahia (1,81 ano), Amapá (1,74), Pará (1,73), Paraíba (1,69), Paraná (1,68), Pernambuco (1,66), Ceará (1,6), Goiás (1,53) e Mato Grosso (1,51).
Apenas três estados têm perda estimada menor do que um ano: São Paulo (0,78), Acre (0,95) e Santa Catarina (0,98). Os homens do Rio de Janeiro têm perda é de 1,32 ano e o Distrito Federal, de 1,42. O estudo do Ipea também tenta contabilizar, por meio de um modelo econômico complexo, o “valor da vida”.
Conforme o cálculo do Ipea, as mortes violentas de jovens no país causam perda de bem-estar social equivalente a R$ 79 bilhões por ano. O custo equivale a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país.
Segundo o pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira, o impacto é diferente em cada estado. Nos estados mais violentos, como Alagoas, o custo das mortes violentas, de R$ 1,7 bilhão, chega a representar 6% do PIB. Em São Paulo, estado que registra a menor taxa de mortes violentas de jovens, o custo, de R$ 14,9 bilhões, representa 1% do PIB.
“A taxa de mortalidade é um custo de bem-estar social. É um custo em termos de dor, sofrimento, perda de produtividade, e representa um grande custo econômico. Só para ter uma dimensão do que representam R$ 79 bilhões, isso é mais do que o orçamento das secretarias de Segurança e de Justiça [ou Administração Penitenciária] de todos os estados”, disse Cerqueira.
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Depois de três anos em alta, homicídios no Brasil tiveram queda de 0,12% em 2011
O número de homicídios no Brasil teve uma pequena queda de 0,12% em 2011, depois de crescer por três anos consecutivos. Segundo dados levantados pela Agência Brasil no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, foram registrados 52.198 assassinatos no país em 2011, 62 casos a menos do que no ano anterior.
Apesar da queda, 2011 manteve-se acima do patamar de violência de 2009, quando ocorreram 51.434 homicídios, e registrou o segundo maior número de assassinatos desde o início da série histórica disponível para consulta do Ministério da Saúde.
De acordo com dados, é possível observar que os homicídios seguem uma tendência de alta entre 1993 e 2003, quando atingiu 51 mil casos. Em 2004 e 2005, houve quedas. Os números voltaram a subir em 2006 e caíram em 2007. A partir de 2008, os assassinatos aumentaram, atingindo níveis recordes em 2009 (51.434) e 2010 (52.260).
Onze das 27 unidades da Federação tiveram redução dos homicídios. As maiores quedas foram observadas em três estados da Região Norte do país: Roraima (-22,8%), Amapá (-19,4%) e Rondônia (-17,8%).
Todos os estados do Sul do país tiveram queda. No Norte, além dos três estados em destaque pela redução mais expressiva dos homicídios, o Pará também teve queda. Na Região Sudeste, caíram os homicídios em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. No Nordeste, houve redução apenas na Bahia. Nenhuma das quatro unidades do Centro-Oeste conseguiu reduzir seus homicídios em 2011.
Os assassinatos cometidos com armas de fogo no país também caíram pouco entre 2010 e 2011. Foram registradas 36.737 mortes em 2011, 55 a menos do que no ano anterior.
Em sete anos, homicídios na Região Nordeste aumentaram quase 70%
Dados estatísticos do Ministério da Saúde mostram que, em sete anos, o número de assassinatos na Região Nordeste aumentou 68%. Se em 2004 a região teve 11.546 homicídios, em 2011, após sete anos de aumento contínuo da violência, esse número passou para 19.405. O crescimento do indicador entre 2010 e 2011 foi 2,8%.
Os números levantados pela Agência Brasil no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde mostram ainda que, em 2011, oito dos nove estados da região tiveram aumento no número de homicídios, enquanto o total no país caiu, ainda que somente em 0,12%. Apenas a Bahia fugiu à tendência regional, apresentando queda de 5,4%.
Com 1.042 homicídios, o Rio Grande do Norte foi o estado brasileiro onde a violência mais se acentuou entre 2010 e 2011, com um aumento de 27,9% nos casos de assassinato. Ali, como na Região Nordeste, os registros de morte violenta por agressão vêm crescendo nessa unidade há sete anos.
Entre 2004 e 2011, os assassinatos no Rio Grande do Norte triplicaram. Em 2011, pela primeira vez, a região ultrapassou a marca de mil homicídios.
A Paraíba aparece em segundo lugar com crescimento de 11,1% no número de homicídios, seguida por Alagoas (8,7%), Ceará (7,2%), Sergipe (7,1%), Maranhão (5,4%) e Piauí (5,4%). Segundo o coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ignacio Cano, não existe nenhuma resposta conclusiva sobre o aumento dos homicídios no Nordeste.
“Essa foi a área do país onde os programas contra a pobreza tiveram mais impacto. Entretanto, os índices estão aumentando. Existe uma interpretação de que esse crescimento da riqueza está gerando fluxos populacionais, está gerando o crescimento de algumas cidades. E esses crescimentos de atividades econômicas estão acompanhados de fluxos de criminalidade”, disse Cano.
A outra região brasileira que teve crescimento da violência em 2011 foi a Centro-Oeste, com alta de 10,5%. As demais regiões brasileiras tiveram queda nos homicídios: Norte (-6,3%), Sul (-4,6%) e Sudeste (-2,3%).
As quatro unidades do Centro-Oeste tiveram aumento dos assassinatos entre 2010 e 2011, com destaque para Goiás (16,8%) e Distrito Federal (10,8%). Mais quatro estados tiveram aumento no número de homicídios: Amazonas (19,8%), Minas Gerais (16,8%), Tocantins (14,1%) e Acre (1,8%).
Apesar da queda, 2011 manteve-se acima do patamar de violência de 2009, quando ocorreram 51.434 homicídios, e registrou o segundo maior número de assassinatos desde o início da série histórica disponível para consulta do Ministério da Saúde.
De acordo com dados, é possível observar que os homicídios seguem uma tendência de alta entre 1993 e 2003, quando atingiu 51 mil casos. Em 2004 e 2005, houve quedas. Os números voltaram a subir em 2006 e caíram em 2007. A partir de 2008, os assassinatos aumentaram, atingindo níveis recordes em 2009 (51.434) e 2010 (52.260).
Onze das 27 unidades da Federação tiveram redução dos homicídios. As maiores quedas foram observadas em três estados da Região Norte do país: Roraima (-22,8%), Amapá (-19,4%) e Rondônia (-17,8%).
Todos os estados do Sul do país tiveram queda. No Norte, além dos três estados em destaque pela redução mais expressiva dos homicídios, o Pará também teve queda. Na Região Sudeste, caíram os homicídios em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. No Nordeste, houve redução apenas na Bahia. Nenhuma das quatro unidades do Centro-Oeste conseguiu reduzir seus homicídios em 2011.
Os assassinatos cometidos com armas de fogo no país também caíram pouco entre 2010 e 2011. Foram registradas 36.737 mortes em 2011, 55 a menos do que no ano anterior.
Em sete anos, homicídios na Região Nordeste aumentaram quase 70%
Dados estatísticos do Ministério da Saúde mostram que, em sete anos, o número de assassinatos na Região Nordeste aumentou 68%. Se em 2004 a região teve 11.546 homicídios, em 2011, após sete anos de aumento contínuo da violência, esse número passou para 19.405. O crescimento do indicador entre 2010 e 2011 foi 2,8%.
Os números levantados pela Agência Brasil no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde mostram ainda que, em 2011, oito dos nove estados da região tiveram aumento no número de homicídios, enquanto o total no país caiu, ainda que somente em 0,12%. Apenas a Bahia fugiu à tendência regional, apresentando queda de 5,4%.
Com 1.042 homicídios, o Rio Grande do Norte foi o estado brasileiro onde a violência mais se acentuou entre 2010 e 2011, com um aumento de 27,9% nos casos de assassinato. Ali, como na Região Nordeste, os registros de morte violenta por agressão vêm crescendo nessa unidade há sete anos.
Entre 2004 e 2011, os assassinatos no Rio Grande do Norte triplicaram. Em 2011, pela primeira vez, a região ultrapassou a marca de mil homicídios.
A Paraíba aparece em segundo lugar com crescimento de 11,1% no número de homicídios, seguida por Alagoas (8,7%), Ceará (7,2%), Sergipe (7,1%), Maranhão (5,4%) e Piauí (5,4%). Segundo o coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ignacio Cano, não existe nenhuma resposta conclusiva sobre o aumento dos homicídios no Nordeste.
“Essa foi a área do país onde os programas contra a pobreza tiveram mais impacto. Entretanto, os índices estão aumentando. Existe uma interpretação de que esse crescimento da riqueza está gerando fluxos populacionais, está gerando o crescimento de algumas cidades. E esses crescimentos de atividades econômicas estão acompanhados de fluxos de criminalidade”, disse Cano.
A outra região brasileira que teve crescimento da violência em 2011 foi a Centro-Oeste, com alta de 10,5%. As demais regiões brasileiras tiveram queda nos homicídios: Norte (-6,3%), Sul (-4,6%) e Sudeste (-2,3%).
As quatro unidades do Centro-Oeste tiveram aumento dos assassinatos entre 2010 e 2011, com destaque para Goiás (16,8%) e Distrito Federal (10,8%). Mais quatro estados tiveram aumento no número de homicídios: Amazonas (19,8%), Minas Gerais (16,8%), Tocantins (14,1%) e Acre (1,8%).
Em cinco anos, taxa de homicídios de negros cresce 9% enquanto a de brancos cai 13%
Favela Danon, município de Nova Iguaçu, 20 de junho de 2011, Baixada Fluminense. O menino Juan Moraes voltava para casa sem imaginar que aqueles seriam os últimos momentos de sua vida. O que aconteceu no instante em que foi morto é nebuloso e ainda não foi totalmente esclarecido, pois o caso ainda será julgado pelo Tribunal do Júri.
Denúncia do Ministério Público (MP), no entanto, relata que Juan, um menino negro, de 11 anos de idade, foi morto por policiais militares, que faziam uma operação na favela. De acordo com o MP, os policiais atiraram na criança, pensando que ele era um traficante de drogas. Ao perceber que tinham matado um menino desarmado, os policiais tentaram ocultar o crime escondendo o corpo.
O crime, talvez, nunca tivesse a autoria identificada se um irmão de Juan, ferido na ação, não sobrevivesse. Foi ele quem relatou o desaparecimento do irmão e a tentativa dos policiais em sumir com o corpo. Juan foi um dos 35.207 cidadãos negros assassinados no país em 2011, segundo levantamento feito pela Agência Brasil com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde
Cruzando as informações do ministério com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verifica-se que, em 2011, a taxa de homicídios dessa população foi 35,2 por 100 mil habitantes, taxa 9% acima do que a observada cinco anos antes, quando foram registrados 29.925 casos, ou seja, 32,4 por 100 mil habitantes.
Ao mesmo tempo em que negros ficaram mais vulneráveis à violência nesses cinco anos, a taxa de homicídios da população branca caiu 13%, ao passar de 17,1 por 100 mil habitantes em 2006 (15.753 em número absoluto) para 14,9 por mil em 2011 (13.895 casos).
O dado reflete a grande disparidade racial que existe no Brasil, quando se trata de vítimas de assassinatos. Com o aumento dos homicídios entre a população negra, a probabilidade de um preto ou pardo ser vítima de assassinato no país passou a ser 2,4 vezes maior do que a de um branco. Em 2006, a proporção era 1,9.
Mãe de um jovem negro executado em 2006 por um grupo de extermínio, na Baixada Santista, em São Paulo, Débora Maria da Silva não vê uma melhora na situação no país. O gari Edson Rogério Silva dos Santos foi morto a tiros em maio de 2006, durante uma onda de ataques no estado de São Paulo, quando saía para comprar remédio.
Para a mãe de Edson, os negros são as maiores vítimas, porque moram nas áreas mais pobres da cidade. Segundo ela, o Estado ainda mantém uma postura racista, mesmo 125 anos após a abolição da escravatura no país.
“Temos que acabar com isso. Não vivemos mais no tempo da escravatura, que se tem coronéis, capitães-do-mato e sinhozinhos. Apesar de permanecerem as senzalas, que são as periferias, e os porões dos navios negreiros, que são os presídios”, disse Débora, que lidera um movimento por justiça para os assassinatos de maio de 2006.
Para o coordenador da organização não governamental (ONG) Observatório das Favelas, Jaílson de Souza, o aumento da taxa de homicídios de negros tem relação com a mudança geográfica dos assassinatos no país. Nos últimos anos, enquanto o Sul e o Sudeste têm vivenciado a redução das taxas de homicídios, o Norte e Nordeste têm visto um aumento da violência.
Esses estados, segundo Souza, são os que concentram as maiores populações de pretos e pardos. “Quando essa geografia da morte muda, e há mais violência no Norte e Nordeste, essa mudança acaba por gerar mais morte de negros, sejam pardos ou pretos. Em Alagoas, por exemplo, há um branco para cada 20 negros”, disse.
Dos cinco estados onde o assassinato de negros mais cresceu, quatro são do Nordeste e um no Norte. O Rio Grande do Norte teve um crescimento de 2,7 vezes na taxa de homicídios, ao passar de 16,1 por 100 mil habitantes, em 2006, para 43,6 por 100 mil, em 2011. Na Paraíba, a taxa dobrou, de 30,1 para 60,3 por 100 mil.
Entre os outros estados onde o crescimento foi grande entre 2006 e 2011, estão Alagoas (de 53,9 para 90,5 por 100 mil habitantes), o Amazonas (de 22,3 para 42 por 100 mil) e Ceará (de 17,8 para 29 por 100 mil).
Para Jaílson de Souza, o crescimento econômico do país, sem uma mudança da estrutura social, também contribui para o incremento da violência entre as populações mais vulneráveis. “Nosso desafio é reconhecer que não basta o crescimento econômico, tem que ter uma política que leve em conta o racismo, que é um elemento estrutural da desigualdade brasileira.”
Mais de um terço dos homicídios em 2011 no Brasil vitimou homens negros entre 15 e 29 anos
Homem, negro, com idade entre 15 e 29 anos. Essa é a descrição da principal vítima de homicídios no país, segundo dados obtidos pela Agência Brasil no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Dos 52.198 homicídios ocorridos no Brasil em 2011, 18.387 tiveram como vítimas homens negros entre 15 e 29 anos, ou seja, 35,2% do total.
De acordo com a cientista social Áurea Carolina de Freitas, que integra o Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte, o fenômeno é consequência de fatores como uma polícia que não respeita os direitos humanos e uma cultura social que não valoriza a vida do jovem negro que mora na periferia das cidades.
“Seria preciso uma mudança radical no sistema judiciário, nessa lógica de encarceramento em massa, de ver a juventude negra sempre como um suspeito, que mesmo calada está errada, da prática de primeiro atirar para depois perguntar o que a pessoa está fazendo. Recebemos muita denúncia de pessoas que primeiro apanham, e só depois a polícia pergunta o que está fazendo naquela hora, naquele lugar”, disse a ativista.
Segundo Felipe Freitas, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República, a persistência da violência contra a juventude negra resulta tanto do processo histórico no país, em que a população negra foi sendo empurrada para as áreas mais pobres e vulneráveis das cidades, como do racismo que ainda persiste na sociedade.
“Essas populações foram empurradas para as áreas mais vulneráveis das cidades, reduzindo suas oportunidades de inclusão e participação na vida social do país. Isso já é um racismo. Mas, além disso, temos a persistência desse fenômeno, gerando novas desigualdades. O jovem não consegue entrar no espaço público e ser tratado como igual. Ele é mais facilmente capturado pelo sistema prisional. A culpa desse sujeito é mais rapidamente presumida sem o devido processo legal”, declarou.
De acordo com a Seppir, há evidências de que a sociedade brasileira tolera mais a morte de negros do que de brancos. Uma pesquisa feita pela secretaria em parceria com o DataSenado, em 2012, mostrou que, para 55,8% da população, a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte violenta de um jovem branco.
Quando ao racismo institucional, existem casos em que os policiais recebem instruções claras de que negros são suspeitos, como ocorreu com uma ordem de serviço da 2ª Companhia de Polícia Militar de Campinas (SP), que orientava policiais a abordar “especialmente indivíduos de cor parda e negra, com idade entre 18 e 25 anos em grupos de três a cinco indivíduos”.
Quando a notícia circulou pela imprensa, no início deste ano, a Polícia Militar de São Paulo se defendeu dizendo que o objetivo da ordem era atender a um pedido da população local, que reclamava de um grupo de criminosos que atuava na região e tinha, como característica, ser composto por pretos e pardos com idades entre 18 e 25 anos.
Felipe Freitas coordena um plano do governo federal chamado Juventude Viva, lançado no ano passado, com o objetivo de diminuir os assassinatos de jovens negros em 132 municípios prioritários nas 27 unidades da Federação, que, juntos, concentravam 70% dos homicídios de jovens negros em 2010.
O plano pretende articular diversas ações do governo federal, em articulação com estados municípios e sociedade civil, buscando transformar os territórios onde vivem essas pessoas e dar mais oportunidades de inclusão social à juventude negra.
Entre as medidas do plano, estão sensibilizar a opinião pública sobre a violência contra os negros, implantação de equipamentos de cultura e lazer nas comunidades pobres, redução da letalidade policial e combate ao racismo institucional nos órgãos governamentais.
Por enquanto, o plano só foi lançado em quatro municípios de Alagoas, mas Freitas acredita que o Juventude Viva chegará, até o final deste ano, a 61 municípios de seis estados (Paraíba, São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Pará e Rio Grande do Sul), além do Distrito Federal.
Ele alerta, no entanto, que os efeitos do plano podem demorar a aparecer nas estatísticas de homicídios. “O funcionamento de um equipamento nas comunidades, como uma praça de esporte, cultura e lazer, por exemplo, tem uma dimensão imediata. A redução da vulnerabilidade já começa a ser sentida. Agora, a redução dos homicídios efetivamente demora mais. Os números de letalidade se revertem com muita lentidão. Não são um movimento rápido”, disse Freitas.
Outra ação da Seppir para reduzir a violência policial contra a população negra é a defesa da aprovação do Projeto de Lei 4.471, que tramita na Câmara dos Deputados. Ele prevê a adoção de mais transparência na investigação dos chamados autos de resistência, ou seja, as mortes em confrontos com a polícia.
Denúncia do Ministério Público (MP), no entanto, relata que Juan, um menino negro, de 11 anos de idade, foi morto por policiais militares, que faziam uma operação na favela. De acordo com o MP, os policiais atiraram na criança, pensando que ele era um traficante de drogas. Ao perceber que tinham matado um menino desarmado, os policiais tentaram ocultar o crime escondendo o corpo.
O crime, talvez, nunca tivesse a autoria identificada se um irmão de Juan, ferido na ação, não sobrevivesse. Foi ele quem relatou o desaparecimento do irmão e a tentativa dos policiais em sumir com o corpo. Juan foi um dos 35.207 cidadãos negros assassinados no país em 2011, segundo levantamento feito pela Agência Brasil com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde
Cruzando as informações do ministério com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verifica-se que, em 2011, a taxa de homicídios dessa população foi 35,2 por 100 mil habitantes, taxa 9% acima do que a observada cinco anos antes, quando foram registrados 29.925 casos, ou seja, 32,4 por 100 mil habitantes.
Ao mesmo tempo em que negros ficaram mais vulneráveis à violência nesses cinco anos, a taxa de homicídios da população branca caiu 13%, ao passar de 17,1 por 100 mil habitantes em 2006 (15.753 em número absoluto) para 14,9 por mil em 2011 (13.895 casos).
O dado reflete a grande disparidade racial que existe no Brasil, quando se trata de vítimas de assassinatos. Com o aumento dos homicídios entre a população negra, a probabilidade de um preto ou pardo ser vítima de assassinato no país passou a ser 2,4 vezes maior do que a de um branco. Em 2006, a proporção era 1,9.
Mãe de um jovem negro executado em 2006 por um grupo de extermínio, na Baixada Santista, em São Paulo, Débora Maria da Silva não vê uma melhora na situação no país. O gari Edson Rogério Silva dos Santos foi morto a tiros em maio de 2006, durante uma onda de ataques no estado de São Paulo, quando saía para comprar remédio.
Para a mãe de Edson, os negros são as maiores vítimas, porque moram nas áreas mais pobres da cidade. Segundo ela, o Estado ainda mantém uma postura racista, mesmo 125 anos após a abolição da escravatura no país.
“Temos que acabar com isso. Não vivemos mais no tempo da escravatura, que se tem coronéis, capitães-do-mato e sinhozinhos. Apesar de permanecerem as senzalas, que são as periferias, e os porões dos navios negreiros, que são os presídios”, disse Débora, que lidera um movimento por justiça para os assassinatos de maio de 2006.
Para o coordenador da organização não governamental (ONG) Observatório das Favelas, Jaílson de Souza, o aumento da taxa de homicídios de negros tem relação com a mudança geográfica dos assassinatos no país. Nos últimos anos, enquanto o Sul e o Sudeste têm vivenciado a redução das taxas de homicídios, o Norte e Nordeste têm visto um aumento da violência.
Esses estados, segundo Souza, são os que concentram as maiores populações de pretos e pardos. “Quando essa geografia da morte muda, e há mais violência no Norte e Nordeste, essa mudança acaba por gerar mais morte de negros, sejam pardos ou pretos. Em Alagoas, por exemplo, há um branco para cada 20 negros”, disse.
Dos cinco estados onde o assassinato de negros mais cresceu, quatro são do Nordeste e um no Norte. O Rio Grande do Norte teve um crescimento de 2,7 vezes na taxa de homicídios, ao passar de 16,1 por 100 mil habitantes, em 2006, para 43,6 por 100 mil, em 2011. Na Paraíba, a taxa dobrou, de 30,1 para 60,3 por 100 mil.
Entre os outros estados onde o crescimento foi grande entre 2006 e 2011, estão Alagoas (de 53,9 para 90,5 por 100 mil habitantes), o Amazonas (de 22,3 para 42 por 100 mil) e Ceará (de 17,8 para 29 por 100 mil).
Para Jaílson de Souza, o crescimento econômico do país, sem uma mudança da estrutura social, também contribui para o incremento da violência entre as populações mais vulneráveis. “Nosso desafio é reconhecer que não basta o crescimento econômico, tem que ter uma política que leve em conta o racismo, que é um elemento estrutural da desigualdade brasileira.”
Mais de um terço dos homicídios em 2011 no Brasil vitimou homens negros entre 15 e 29 anos
Homem, negro, com idade entre 15 e 29 anos. Essa é a descrição da principal vítima de homicídios no país, segundo dados obtidos pela Agência Brasil no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Dos 52.198 homicídios ocorridos no Brasil em 2011, 18.387 tiveram como vítimas homens negros entre 15 e 29 anos, ou seja, 35,2% do total.
De acordo com a cientista social Áurea Carolina de Freitas, que integra o Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte, o fenômeno é consequência de fatores como uma polícia que não respeita os direitos humanos e uma cultura social que não valoriza a vida do jovem negro que mora na periferia das cidades.
“Seria preciso uma mudança radical no sistema judiciário, nessa lógica de encarceramento em massa, de ver a juventude negra sempre como um suspeito, que mesmo calada está errada, da prática de primeiro atirar para depois perguntar o que a pessoa está fazendo. Recebemos muita denúncia de pessoas que primeiro apanham, e só depois a polícia pergunta o que está fazendo naquela hora, naquele lugar”, disse a ativista.
Segundo Felipe Freitas, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República, a persistência da violência contra a juventude negra resulta tanto do processo histórico no país, em que a população negra foi sendo empurrada para as áreas mais pobres e vulneráveis das cidades, como do racismo que ainda persiste na sociedade.
“Essas populações foram empurradas para as áreas mais vulneráveis das cidades, reduzindo suas oportunidades de inclusão e participação na vida social do país. Isso já é um racismo. Mas, além disso, temos a persistência desse fenômeno, gerando novas desigualdades. O jovem não consegue entrar no espaço público e ser tratado como igual. Ele é mais facilmente capturado pelo sistema prisional. A culpa desse sujeito é mais rapidamente presumida sem o devido processo legal”, declarou.
De acordo com a Seppir, há evidências de que a sociedade brasileira tolera mais a morte de negros do que de brancos. Uma pesquisa feita pela secretaria em parceria com o DataSenado, em 2012, mostrou que, para 55,8% da população, a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte violenta de um jovem branco.
Quando ao racismo institucional, existem casos em que os policiais recebem instruções claras de que negros são suspeitos, como ocorreu com uma ordem de serviço da 2ª Companhia de Polícia Militar de Campinas (SP), que orientava policiais a abordar “especialmente indivíduos de cor parda e negra, com idade entre 18 e 25 anos em grupos de três a cinco indivíduos”.
Quando a notícia circulou pela imprensa, no início deste ano, a Polícia Militar de São Paulo se defendeu dizendo que o objetivo da ordem era atender a um pedido da população local, que reclamava de um grupo de criminosos que atuava na região e tinha, como característica, ser composto por pretos e pardos com idades entre 18 e 25 anos.
Felipe Freitas coordena um plano do governo federal chamado Juventude Viva, lançado no ano passado, com o objetivo de diminuir os assassinatos de jovens negros em 132 municípios prioritários nas 27 unidades da Federação, que, juntos, concentravam 70% dos homicídios de jovens negros em 2010.
O plano pretende articular diversas ações do governo federal, em articulação com estados municípios e sociedade civil, buscando transformar os territórios onde vivem essas pessoas e dar mais oportunidades de inclusão social à juventude negra.
Entre as medidas do plano, estão sensibilizar a opinião pública sobre a violência contra os negros, implantação de equipamentos de cultura e lazer nas comunidades pobres, redução da letalidade policial e combate ao racismo institucional nos órgãos governamentais.
Por enquanto, o plano só foi lançado em quatro municípios de Alagoas, mas Freitas acredita que o Juventude Viva chegará, até o final deste ano, a 61 municípios de seis estados (Paraíba, São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Pará e Rio Grande do Sul), além do Distrito Federal.
Ele alerta, no entanto, que os efeitos do plano podem demorar a aparecer nas estatísticas de homicídios. “O funcionamento de um equipamento nas comunidades, como uma praça de esporte, cultura e lazer, por exemplo, tem uma dimensão imediata. A redução da vulnerabilidade já começa a ser sentida. Agora, a redução dos homicídios efetivamente demora mais. Os números de letalidade se revertem com muita lentidão. Não são um movimento rápido”, disse Freitas.
Outra ação da Seppir para reduzir a violência policial contra a população negra é a defesa da aprovação do Projeto de Lei 4.471, que tramita na Câmara dos Deputados. Ele prevê a adoção de mais transparência na investigação dos chamados autos de resistência, ou seja, as mortes em confrontos com a polícia.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
Problemas nas UPP: Afinal, vamos precisar esperar 20 anos para ver bons resultados? Será que eles virão?
Leio no Jornal O Globo que o tráfico continua impondo o "terror" a moradores do Morro da Mangueira, que ganhou uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) há vários meses. Ouso dizer que isso é só um exemplo do que jaz sob o manto propagandístico de muitas UPP cariocas. Há outras que também apresentam problemas iguais ou até maiores do que a Mangueira. A desculpa atual e preferida das autoridades de segurança de que o tráfico está lá há 40 anos e demorará um período longo para ser resolvido é apenas meia verdade.
Sim, um problema histórico não se resolve de uma hora para outra. Por outro lado, ter paciência demais para se resolver um problema desse abre espaço para a corrupção da estrutura policial no local, ingerências políticas no projeto e contingências financeiras, entre outras questões.
Logo, esperar que o problema se resolverá naturalmente daqui a dez anos pela simples presença policial na área é, no mínimo, inocência. Além do mais, o discurso das autoridades ao inaugurar qualquer UPP é o de que, com a UPP, o morador parará IMEDIATAMENTE de ser afetado pelas quadrilhas armadas que atuavam no local.
Então, questionemos: afinal, o remédio tem eficácia IMEDIATA ou demorará 10, 15, 20 anos para fazer efeito? O problema é que quando o governo fluminense oferece o remédio à população, ele garante que você sentirá um efeito imediato. Mas quando algo dá errado, ele diz que a população não deve esperar efeito imediato e que você só vai sentir alguma mudança depois que você já tiver sido morto por um bandido.
Outra coisa. Se for para esperar dez, 15 ou 20 anos, é melhor investir em políticas públicas muito mais profundas e duradouras (que dispensam ocupações militares), com efeitos muito melhores do que as UPPs: como o fim das favelas (e sua substituição por casas decentes), a reforma das polícias, a melhoria do sistema de investigação policial, a restrição da circulação de armas, a legalização do comércio de substâncias hoje consideradas ilícitas, o fim da ingerência política na segurança pública etc.
Sim, um problema histórico não se resolve de uma hora para outra. Por outro lado, ter paciência demais para se resolver um problema desse abre espaço para a corrupção da estrutura policial no local, ingerências políticas no projeto e contingências financeiras, entre outras questões.
Logo, esperar que o problema se resolverá naturalmente daqui a dez anos pela simples presença policial na área é, no mínimo, inocência. Além do mais, o discurso das autoridades ao inaugurar qualquer UPP é o de que, com a UPP, o morador parará IMEDIATAMENTE de ser afetado pelas quadrilhas armadas que atuavam no local.
Então, questionemos: afinal, o remédio tem eficácia IMEDIATA ou demorará 10, 15, 20 anos para fazer efeito? O problema é que quando o governo fluminense oferece o remédio à população, ele garante que você sentirá um efeito imediato. Mas quando algo dá errado, ele diz que a população não deve esperar efeito imediato e que você só vai sentir alguma mudança depois que você já tiver sido morto por um bandido.
Outra coisa. Se for para esperar dez, 15 ou 20 anos, é melhor investir em políticas públicas muito mais profundas e duradouras (que dispensam ocupações militares), com efeitos muito melhores do que as UPPs: como o fim das favelas (e sua substituição por casas decentes), a reforma das polícias, a melhoria do sistema de investigação policial, a restrição da circulação de armas, a legalização do comércio de substâncias hoje consideradas ilícitas, o fim da ingerência política na segurança pública etc.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Sistema penitenciário e a perpetuação da violência: a importância de dar oportunidades de trabalho a detentos e ex-detentos
Em meio ao elogio exagerado às políticas de segurança do Rio, ex-detentos relatam dificuldades em arrumar emprego no estado que tem menor índice de presos trabalhando entre todos os estados brasileiros
Na ingenuidade da sociedade brasileira, pouca gente relaciona a situação da segurança pública das ruas à realidade dos presídios e carceragens. Mas a história nos mostra que a violência e a organização de grupos criminosos têm direta relação com os sistemas penitenciários. Não é segredo para ninguém que os principais grupos criminosos do Rio de Janeiro e São Paulo nasceram como respostas aos precários e indignos presídios desses dois estados. A história do Comando Vermelho e do Terceiro Comando remontam ao presídio de Ilha Grande. E o nascimento do Primeiro Comando da Capital também está relacionado a uma necessidade dos presos de se juntarem para se opor ao Estado.
E isso não acontece apenas no Brasil. Das gangues dos números na África do Sul, às facções étnicas nos presídios americanos, a necessidade de bandidos se unirem no ambiente hostil e anárquico das celas das prisões transborda para fora dos muros das penitenciárias (até porque uma dívida assumida lá dentro, precisa ser paga por alguém aqui fora).
Rancorosa dos crimes cometidos pelos bandidos, a sociedade tende a ser vingativa e exigir que o Estado maltrate seus prisioneiros. Sem pensar racionalmente, a população se esquece de que esses detentos (que nem sempre cometeram crimes vis ou violentos) vão voltar às ruas um dia. Lembre-se que, no Brasil, inexistem as penas capital e perpétua. Em cinco a dez anos, em média, a pessoa estará na rua de novo.
É preciso evitar que esse ex-criminoso use sua vivência na prisão para continuar sendo um criminoso e é necessário darmos a oportunidade para que esse ex-criminoso não vire um criminoso novamente assim que pisar na rua. Uma das opções é proporcionar a esse cidadão oportunidades de educação e, principalmente, emprego.
Essa reportagem publicada na Agência Brasil mostra os desafios que detentos e ex-detentos do Rio de Janeiro enfrentam para arrumar um emprego dentro ou fora das prisões.
Ex-detentos do Rio de Janeiro relatam dificuldades de arrumar emprego
Depois de cumprir pena de prisão, ser considerado livre pela Justiça nem sempre significa liberdade para um ex-detento. Marcados para sempre pela condenação, egressos do sistema penitenciário fluminense enfrentam muitas dificuldades para encontrar emprego e serem reinseridos na sociedade.
Todo ano, milhares de presos saem das cadeias do Rio de Janeiro. Desde 2010, quase 50 mil presos deixaram o sistema penitenciário fluminense. Mas apenas uma fração desse contingente é absorvida pelo mercado de trabalho formal.
O motivo principal, segundo presos e ex-detentos ouvidos pela Agência Brasil, é o receio das empresas de contratar uma pessoa que cometeu crimes (algumas vezes violentos), mesmo ela tendo, perante a Justiça, pago sua dívida com a sociedade.
Condenado a 12 anos de prisão, Taiguara Neves da Silva, de 38 anos, saiu do regime fechado (em que o preso deve ficar o tempo inteiro no presídio) há mais de um ano, mas ainda não conseguiu de volta o desejado emprego como soldador industrial. Cumprindo pena em regime aberto, em que seus passos são monitorados por uma tornozeleira eletrônica, Silva tenta há vários meses ser contratado por um grande estaleiro naval.
“Desde fevereiro até agora, eles já me pediram oito itens [exigências]. Eu já atendi a todos eles, mas até agora nada. Eles disseram que o laudo de uma cirurgia que eu fiz em 2004 já estava caduco. Consegui um laudo mais recente e levei até a firma. Chegando lá, eles arrumaram outra exigência. Pediram para eu mudar meu endereço na Defensoria Pública, eu mudei. Pediram para alugar uma casa mais próxima do estaleiro e eu aluguei por R$ 300. Não morei um só dia na casa e não consegui meu emprego de volta”, disse.
Silva provavelmente ainda estaria desempregado se não conseguisse uma vaga de faxineiro na Fundação Santa Cabrini, instituição vinculada ao governo do estado e voltada para a inserção dos presos e ex-detentos no mercado de trabalho.
“Acredito que essas exigências todas [do estaleiro] têm a ver com o fato de eu ser ex-presidiário. Eles alegam que não, mas mandam eu arrumar um monte de coisa, e eu, no maior sufoco, arrumo. No final, nunca dão uma posição concreta”, disse.
Aos 65 anos, o mecânico José Braga enfrenta dificuldade semelhante há mais de dez anos. Ele conta que cumpriu 30 anos em regime fechado, depois de ser preso por assalto à mão armada. Quando saiu da prisão, até conseguiu alguns empregos na iniciativa privada, mas não ficou por muito tempo em nenhum deles.
“Sem dúvida há uma discriminação contra ex-presidiários. O patrão ou a empresa faz um levantamento da vida pregressa da pessoa. Quando vê que a pessoa cumpriu pena, pode até empregar, mas se surgir qualquer coisa mínima dentro da empresa, ela é dispensada. Tive vários problemas. Estava empregado, já trabalhando, aí eles viam minha ficha e viam que eu era ex-presidiário, me mandavam embora. Isso não aconteceu em uma empresa, mas em várias delas.”
O ex-militar hoje também depende da fundação pública para garantir seu sustento. O presidente da Fundação Santa Cabrini, Jaime Melo, diz que não há estatísticas precisas sobre quantos egressos do sistema penitenciário fluminense conseguem emprego depois de cumprir pena, mas garante que são poucos.
“Há um estigma natural, uma vez que ninguém está lá [na prisão] à toa. A sociedade é precavida. Mas, ao meu ver, é uma precaução que não ajuda em nada. Essas pessoas só voltarão a viver em paz na sociedade se dermos uma oportunidade”, disse Melo.
Mesmo tendo sofrido na pele a dificuldade de se reinserir no mercado de trabalho, Taiguara Neves da Silva sabe que o primeiro passo para arrumar um emprego precisa ser dado pelo próprio ex-preso, que precisa querer trabalhar.
“Muitos companheiros que estavam comigo lá [na prisão] nem pensam em correr atrás para ficar tranquilos e voltar para a sociedade quando sair. A verdade é que, para você entrar [na prisão] é uma porta muito larga, mas para sair é uma porta muito complicada. Então, muitos já saem no intuito de 'meter a mão' de novo, porque é muito complicado”, disse.
Atualmente, a fundação é um dos principais caminhos para integrar ex-detentos no mercado de trabalho. São 358 pessoas empregadas na própria instituição ou nas 30 empresas que mantêm convênios com ela.
O presidente Jaime Melo acredita que a oportunidade de emprego para essas pessoas vai melhorar bastante com a Lei Estadual 6.346, aprovada em novembro de 2012, que obriga empresas prestadoras de serviço ao governo fluminense a reservar 5% de suas vagas de emprego para egressos do sistema penitenciário do estado. A lei, no entanto, ainda precisa ser regulamentada.
Rio de Janeiro tem menor índice de presos trabalhando entre todos os estados
As dificuldades do preso no Rio de Janeiro de arrumar emprego já começam dentro do sistema penitenciário, antes mesmo de conseguir a liberdade. Segundo os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de julho de 2012, o estado do Rio é a unidade da Federação com o mais baixo índice de detentos exercendo atividades de laborterapia (capacitação que envolve atividade produtiva) e trabalho em todo o país.
De acordo com os dados, enquanto a média nacional de presos que trabalham é 20%, o Rio de Janeiro tem apenas 2% de seus 33,6 mil detentos com alguma ocupação (ou seja, 676). A força de trabalho dos sistemas penitenciários de estados como São Paulo e Minas Gerais representa, respectivamente, 25% e 22% do total de presos.
Além do Rio, apenas cinco estados brasileiros têm menos de 10% de seus presos executando alguma atividade laboral: Pará (8%), Paraíba (8%), Acre (6%), Rio Grande do Norte (5%) e Ceará (3%).
Segundo a Fundação Santa Cabrini, órgão do governo fluminense responsável por ajudar detentos e ex-detentos a conseguir trabalho, os dados do Depen (que são informados pelo próprio estado do Rio) estão incompletos porque não incluem os presidiários que trabalham como faxineiros dentro das unidades prisionais. Por isso, segundo a entidade, o total de empregados dentro do sistema penitenciário ultrapassa o número de 2 mil detentos e chega a 7% da população carcerária.
Mesmo considerando os novos dados apresentados pela Fundação Santa Cabrini, o estado do Rio de Janeiro continua tendo, relativamente, um dos quatro menores contingentes de trabalhadores no sistema penitenciário brasileiro.
Costureira pediu para continuar presa em regime fechado com medo de não arrumar emprego
A história de Viviane Cristina de Oliveira, de 37 anos, poderia ser facilmente confundida com a de muitas outras mulheres casadas com presidiários no Rio de Janeiro. Isso se não fosse por uma diferença: por causa da prisão do marido, ela acabou se envolvendo com atividades ilícitas para sustentar a casa.
Presa por tráfico de drogas e condenada a 16 anos e dez meses, Viviane teve que passar quase quatro anos e meio presa em regime fechado na Penitenciária Talavera Bruce, no Complexo de Bangu. “Pensei que tudo tinha acabado para mim, que tinha perdido tudo, meus filhos. Tenho dois filhos [hoje com 21 e 14 anos] e eles tiveram que ficar com a minha sogra. Ela acabou me ajudando muito, porque eu estava arrasada lá dentro”, conta.
Por meio de uma agente penitenciária que conheceu antes de ser presa, quando ainda ia visitar seu marido no complexo prisional, Viviane acabou reorganizando sua vida e voltou a costurar dentro do presídio. “Ela me botou na cozinha e, quando saiu minha sentença, me transferiu [para a oficina de costura].”
O trabalho na oficina de costura do presídio deu certa segurança a Viviane. Mas, quando ficou sabendo que sua pena poderia progredir para regime semiaberto (quando o preso ganha o direito de passar o dia na rua e voltar para a prisão apenas para dormir), foi tomada por um grande medo. Ela sabia que não seria fácil arrumar um emprego fora da cadeia.
“Quando estava para passar para o semiaberto, eu ia negar. Eu falei: 'estou para ir para o semiaberto, mas não quero ir, porque as condições lá são nenhuma. Se eu ganhar [o semiaberto], eu vou acabar evadindo [fugindo do sistema]”, disse.
Com a garantia de que conseguiria um emprego como costureira na Fundação Santa Cabrini, órgão do governo fluminense responsável por ajudar presos e ex-presos a arrumar trabalho, Viviane saiu do regime fechado. Há sete meses no semiaberto, hoje ela pode sair às ruas e ainda ganhar dinheiro para realizar o sonho de montar uma confecção de roupas.
“Me envolvi no tráfico mais ou menos para ter dinheiro. Acabei me envolvendo muito e não dava para voltar. Mas já tinha essa vontade [de montar uma confecção]. Já tenho máquinas e vou comprar outras, porque isso é o que eu quero fazer. E, com a confecção, vou ver se consigo resgatar mulheres como eu.”
Presa por tráfico internacional de armas, ex-detenta sonha em se tornar assistente social
Andreia de Deus, de 39 anos, talvez não tivesse a menor ideia de que sua vida teria uma reviravolta quando, em uma viagem para o Paraguai, foi presa pelas autoridades daquele país. Desempregada havia muitos anos, a professora havia aceitado participar de um esquema de contrabando de armas e munições do país vizinho para o Brasil, para sustentar os dois filhos.
“Tinha dois filhos pequenos e passava por dificuldades. Acabei fazendo besteira, até para ter uma renda. Infelizmente, acabei presa e meus filhos ficaram espalhados [com a irmã e uma vizinha]. Foi uma situação horrível, mas deu para aprender”, disse.
Condenada a seis anos e nove meses de prisão, ela ficou oito meses presa em uma cadeia no Sul do país. Depois, ainda ficou mais dois anos no regime semiaberto e outros dois, em regime aberto. Mas o caminho de volta ao convívio social não foi fácil.
“Eu procurei emprego apenas uma vez e foi uma experiência péssima. Quando disse que estava em prisão domiciliar, a pessoa falou que infelizmente não poderia me empregar, porque eu poderia afligir os funcionários e causar problemas. E ela não me deu o emprego”, disse.
Com dificuldades em arrumar emprego na iniciativa privada, Andreia teve que continuar trabalhando na Fundação Santa Cabrini, órgão estadual voltado para ajudar presos e ex-detentos a arrumar emprego, que já havia a ajudado desde quando ainda cumpria pena.
“Quando você fala que saiu do presídio, as pessoas já pensam que você é burro e não é confiável. Ninguém nunca imagina que aquele preso um dia teve uma formação, que teve um deslize, mas quer mudar. A primeira coisa que pensam é discriminar. 'Será que ele não vai voltar a roubar?'”, lamenta a ex-presa, que sonha em se tornar assistente social.
ONG-empresa emprega mais de 30 presos e ex-detentos no Rio
Quando foi criada, há quatro anos, com o objetivo de transformar lonas usadas em produtos como bolsas e mochilas, a organização não governamental Tem Quem Queira, do Rio de Janeiro, decidiu que não bastava contribuir para o meio ambiente. Gerida como uma empresa, que comercializa suas mercadorias, a ONG percebeu que, no processo produtivo e comercial, poderia contribuir com o país também de outra forma: ajudando na reinserção de ex-criminosos na sociedade.
Ao empregar presidiários e ex-detentos, a Tem Quem Queira é um caso raro de empresa que oferece oportunidades a pessoas que cometeram crimes, mas já cumpriram suas penas.
Desde então, cerca de 500 presos em regime fechado, semiaberto, aberto e em liberdade condicional já passaram pelas oficinas da ONG-empresa. Atualmente, há mais de 30 detentos que exercem alguma atividade na oficina localizada dentro de uma penitenciária e ex-presos trabalhando nas ruas.
“Eles só precisam de uma oportunidade. Nós, empresários, podemos dar essa oportunidade. A resposta que a gente tem [desses funcionários] é muito boa. A gente tem um índice de praticamente 100% de reinserção socioeconômica. Todas as pessoas que passaram por aqui levam suas vidas de uma maneira integrada [à sociedade], não segregada”, disse a coordenadora da ONG, Adriana Gryner.
Ela conta que nunca teve problema com nenhuma dessas pessoas. Algumas delas, segundo a coordenadora da ONG, até se destacam. A loja da Tem Quem Queira, que será inaugurada em um shopping na Barra da Tijuca, área nobre da cidade do Rio, será gerenciada por uma ex-detenta, que trabalha com Adriana desde que ainda estava presa.
Para os empresários que têm preconceito em contratar essas pessoas, Adriana manda um recado: “Se você empregar essa pessoa, é menos um que vai voltar para o crime e roubar seu filho. Por que as pessoas roubam? Muitas vezes, porque não têm oportunidade. Dando oportunidade, você mitiga a criminalidade”, ressalta.
Na ingenuidade da sociedade brasileira, pouca gente relaciona a situação da segurança pública das ruas à realidade dos presídios e carceragens. Mas a história nos mostra que a violência e a organização de grupos criminosos têm direta relação com os sistemas penitenciários. Não é segredo para ninguém que os principais grupos criminosos do Rio de Janeiro e São Paulo nasceram como respostas aos precários e indignos presídios desses dois estados. A história do Comando Vermelho e do Terceiro Comando remontam ao presídio de Ilha Grande. E o nascimento do Primeiro Comando da Capital também está relacionado a uma necessidade dos presos de se juntarem para se opor ao Estado.
E isso não acontece apenas no Brasil. Das gangues dos números na África do Sul, às facções étnicas nos presídios americanos, a necessidade de bandidos se unirem no ambiente hostil e anárquico das celas das prisões transborda para fora dos muros das penitenciárias (até porque uma dívida assumida lá dentro, precisa ser paga por alguém aqui fora).
Rancorosa dos crimes cometidos pelos bandidos, a sociedade tende a ser vingativa e exigir que o Estado maltrate seus prisioneiros. Sem pensar racionalmente, a população se esquece de que esses detentos (que nem sempre cometeram crimes vis ou violentos) vão voltar às ruas um dia. Lembre-se que, no Brasil, inexistem as penas capital e perpétua. Em cinco a dez anos, em média, a pessoa estará na rua de novo.
É preciso evitar que esse ex-criminoso use sua vivência na prisão para continuar sendo um criminoso e é necessário darmos a oportunidade para que esse ex-criminoso não vire um criminoso novamente assim que pisar na rua. Uma das opções é proporcionar a esse cidadão oportunidades de educação e, principalmente, emprego.
Essa reportagem publicada na Agência Brasil mostra os desafios que detentos e ex-detentos do Rio de Janeiro enfrentam para arrumar um emprego dentro ou fora das prisões.
Ex-detentos do Rio de Janeiro relatam dificuldades de arrumar emprego
Depois de cumprir pena de prisão, ser considerado livre pela Justiça nem sempre significa liberdade para um ex-detento. Marcados para sempre pela condenação, egressos do sistema penitenciário fluminense enfrentam muitas dificuldades para encontrar emprego e serem reinseridos na sociedade.
Todo ano, milhares de presos saem das cadeias do Rio de Janeiro. Desde 2010, quase 50 mil presos deixaram o sistema penitenciário fluminense. Mas apenas uma fração desse contingente é absorvida pelo mercado de trabalho formal.
O motivo principal, segundo presos e ex-detentos ouvidos pela Agência Brasil, é o receio das empresas de contratar uma pessoa que cometeu crimes (algumas vezes violentos), mesmo ela tendo, perante a Justiça, pago sua dívida com a sociedade.
Condenado a 12 anos de prisão, Taiguara Neves da Silva, de 38 anos, saiu do regime fechado (em que o preso deve ficar o tempo inteiro no presídio) há mais de um ano, mas ainda não conseguiu de volta o desejado emprego como soldador industrial. Cumprindo pena em regime aberto, em que seus passos são monitorados por uma tornozeleira eletrônica, Silva tenta há vários meses ser contratado por um grande estaleiro naval.
“Desde fevereiro até agora, eles já me pediram oito itens [exigências]. Eu já atendi a todos eles, mas até agora nada. Eles disseram que o laudo de uma cirurgia que eu fiz em 2004 já estava caduco. Consegui um laudo mais recente e levei até a firma. Chegando lá, eles arrumaram outra exigência. Pediram para eu mudar meu endereço na Defensoria Pública, eu mudei. Pediram para alugar uma casa mais próxima do estaleiro e eu aluguei por R$ 300. Não morei um só dia na casa e não consegui meu emprego de volta”, disse.
Silva provavelmente ainda estaria desempregado se não conseguisse uma vaga de faxineiro na Fundação Santa Cabrini, instituição vinculada ao governo do estado e voltada para a inserção dos presos e ex-detentos no mercado de trabalho.
“Acredito que essas exigências todas [do estaleiro] têm a ver com o fato de eu ser ex-presidiário. Eles alegam que não, mas mandam eu arrumar um monte de coisa, e eu, no maior sufoco, arrumo. No final, nunca dão uma posição concreta”, disse.
Aos 65 anos, o mecânico José Braga enfrenta dificuldade semelhante há mais de dez anos. Ele conta que cumpriu 30 anos em regime fechado, depois de ser preso por assalto à mão armada. Quando saiu da prisão, até conseguiu alguns empregos na iniciativa privada, mas não ficou por muito tempo em nenhum deles.
“Sem dúvida há uma discriminação contra ex-presidiários. O patrão ou a empresa faz um levantamento da vida pregressa da pessoa. Quando vê que a pessoa cumpriu pena, pode até empregar, mas se surgir qualquer coisa mínima dentro da empresa, ela é dispensada. Tive vários problemas. Estava empregado, já trabalhando, aí eles viam minha ficha e viam que eu era ex-presidiário, me mandavam embora. Isso não aconteceu em uma empresa, mas em várias delas.”
O ex-militar hoje também depende da fundação pública para garantir seu sustento. O presidente da Fundação Santa Cabrini, Jaime Melo, diz que não há estatísticas precisas sobre quantos egressos do sistema penitenciário fluminense conseguem emprego depois de cumprir pena, mas garante que são poucos.
“Há um estigma natural, uma vez que ninguém está lá [na prisão] à toa. A sociedade é precavida. Mas, ao meu ver, é uma precaução que não ajuda em nada. Essas pessoas só voltarão a viver em paz na sociedade se dermos uma oportunidade”, disse Melo.
Mesmo tendo sofrido na pele a dificuldade de se reinserir no mercado de trabalho, Taiguara Neves da Silva sabe que o primeiro passo para arrumar um emprego precisa ser dado pelo próprio ex-preso, que precisa querer trabalhar.
“Muitos companheiros que estavam comigo lá [na prisão] nem pensam em correr atrás para ficar tranquilos e voltar para a sociedade quando sair. A verdade é que, para você entrar [na prisão] é uma porta muito larga, mas para sair é uma porta muito complicada. Então, muitos já saem no intuito de 'meter a mão' de novo, porque é muito complicado”, disse.
Atualmente, a fundação é um dos principais caminhos para integrar ex-detentos no mercado de trabalho. São 358 pessoas empregadas na própria instituição ou nas 30 empresas que mantêm convênios com ela.
O presidente Jaime Melo acredita que a oportunidade de emprego para essas pessoas vai melhorar bastante com a Lei Estadual 6.346, aprovada em novembro de 2012, que obriga empresas prestadoras de serviço ao governo fluminense a reservar 5% de suas vagas de emprego para egressos do sistema penitenciário do estado. A lei, no entanto, ainda precisa ser regulamentada.
Rio de Janeiro tem menor índice de presos trabalhando entre todos os estados
As dificuldades do preso no Rio de Janeiro de arrumar emprego já começam dentro do sistema penitenciário, antes mesmo de conseguir a liberdade. Segundo os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de julho de 2012, o estado do Rio é a unidade da Federação com o mais baixo índice de detentos exercendo atividades de laborterapia (capacitação que envolve atividade produtiva) e trabalho em todo o país.
De acordo com os dados, enquanto a média nacional de presos que trabalham é 20%, o Rio de Janeiro tem apenas 2% de seus 33,6 mil detentos com alguma ocupação (ou seja, 676). A força de trabalho dos sistemas penitenciários de estados como São Paulo e Minas Gerais representa, respectivamente, 25% e 22% do total de presos.
Além do Rio, apenas cinco estados brasileiros têm menos de 10% de seus presos executando alguma atividade laboral: Pará (8%), Paraíba (8%), Acre (6%), Rio Grande do Norte (5%) e Ceará (3%).
Segundo a Fundação Santa Cabrini, órgão do governo fluminense responsável por ajudar detentos e ex-detentos a conseguir trabalho, os dados do Depen (que são informados pelo próprio estado do Rio) estão incompletos porque não incluem os presidiários que trabalham como faxineiros dentro das unidades prisionais. Por isso, segundo a entidade, o total de empregados dentro do sistema penitenciário ultrapassa o número de 2 mil detentos e chega a 7% da população carcerária.
Mesmo considerando os novos dados apresentados pela Fundação Santa Cabrini, o estado do Rio de Janeiro continua tendo, relativamente, um dos quatro menores contingentes de trabalhadores no sistema penitenciário brasileiro.
Costureira pediu para continuar presa em regime fechado com medo de não arrumar emprego
A história de Viviane Cristina de Oliveira, de 37 anos, poderia ser facilmente confundida com a de muitas outras mulheres casadas com presidiários no Rio de Janeiro. Isso se não fosse por uma diferença: por causa da prisão do marido, ela acabou se envolvendo com atividades ilícitas para sustentar a casa.
Presa por tráfico de drogas e condenada a 16 anos e dez meses, Viviane teve que passar quase quatro anos e meio presa em regime fechado na Penitenciária Talavera Bruce, no Complexo de Bangu. “Pensei que tudo tinha acabado para mim, que tinha perdido tudo, meus filhos. Tenho dois filhos [hoje com 21 e 14 anos] e eles tiveram que ficar com a minha sogra. Ela acabou me ajudando muito, porque eu estava arrasada lá dentro”, conta.
Por meio de uma agente penitenciária que conheceu antes de ser presa, quando ainda ia visitar seu marido no complexo prisional, Viviane acabou reorganizando sua vida e voltou a costurar dentro do presídio. “Ela me botou na cozinha e, quando saiu minha sentença, me transferiu [para a oficina de costura].”
O trabalho na oficina de costura do presídio deu certa segurança a Viviane. Mas, quando ficou sabendo que sua pena poderia progredir para regime semiaberto (quando o preso ganha o direito de passar o dia na rua e voltar para a prisão apenas para dormir), foi tomada por um grande medo. Ela sabia que não seria fácil arrumar um emprego fora da cadeia.
“Quando estava para passar para o semiaberto, eu ia negar. Eu falei: 'estou para ir para o semiaberto, mas não quero ir, porque as condições lá são nenhuma. Se eu ganhar [o semiaberto], eu vou acabar evadindo [fugindo do sistema]”, disse.
Com a garantia de que conseguiria um emprego como costureira na Fundação Santa Cabrini, órgão do governo fluminense responsável por ajudar presos e ex-presos a arrumar trabalho, Viviane saiu do regime fechado. Há sete meses no semiaberto, hoje ela pode sair às ruas e ainda ganhar dinheiro para realizar o sonho de montar uma confecção de roupas.
“Me envolvi no tráfico mais ou menos para ter dinheiro. Acabei me envolvendo muito e não dava para voltar. Mas já tinha essa vontade [de montar uma confecção]. Já tenho máquinas e vou comprar outras, porque isso é o que eu quero fazer. E, com a confecção, vou ver se consigo resgatar mulheres como eu.”
Presa por tráfico internacional de armas, ex-detenta sonha em se tornar assistente social
Andreia de Deus, de 39 anos, talvez não tivesse a menor ideia de que sua vida teria uma reviravolta quando, em uma viagem para o Paraguai, foi presa pelas autoridades daquele país. Desempregada havia muitos anos, a professora havia aceitado participar de um esquema de contrabando de armas e munições do país vizinho para o Brasil, para sustentar os dois filhos.
“Tinha dois filhos pequenos e passava por dificuldades. Acabei fazendo besteira, até para ter uma renda. Infelizmente, acabei presa e meus filhos ficaram espalhados [com a irmã e uma vizinha]. Foi uma situação horrível, mas deu para aprender”, disse.
Condenada a seis anos e nove meses de prisão, ela ficou oito meses presa em uma cadeia no Sul do país. Depois, ainda ficou mais dois anos no regime semiaberto e outros dois, em regime aberto. Mas o caminho de volta ao convívio social não foi fácil.
“Eu procurei emprego apenas uma vez e foi uma experiência péssima. Quando disse que estava em prisão domiciliar, a pessoa falou que infelizmente não poderia me empregar, porque eu poderia afligir os funcionários e causar problemas. E ela não me deu o emprego”, disse.
Com dificuldades em arrumar emprego na iniciativa privada, Andreia teve que continuar trabalhando na Fundação Santa Cabrini, órgão estadual voltado para ajudar presos e ex-detentos a arrumar emprego, que já havia a ajudado desde quando ainda cumpria pena.
“Quando você fala que saiu do presídio, as pessoas já pensam que você é burro e não é confiável. Ninguém nunca imagina que aquele preso um dia teve uma formação, que teve um deslize, mas quer mudar. A primeira coisa que pensam é discriminar. 'Será que ele não vai voltar a roubar?'”, lamenta a ex-presa, que sonha em se tornar assistente social.
ONG-empresa emprega mais de 30 presos e ex-detentos no Rio
Quando foi criada, há quatro anos, com o objetivo de transformar lonas usadas em produtos como bolsas e mochilas, a organização não governamental Tem Quem Queira, do Rio de Janeiro, decidiu que não bastava contribuir para o meio ambiente. Gerida como uma empresa, que comercializa suas mercadorias, a ONG percebeu que, no processo produtivo e comercial, poderia contribuir com o país também de outra forma: ajudando na reinserção de ex-criminosos na sociedade.
Ao empregar presidiários e ex-detentos, a Tem Quem Queira é um caso raro de empresa que oferece oportunidades a pessoas que cometeram crimes, mas já cumpriram suas penas.
Desde então, cerca de 500 presos em regime fechado, semiaberto, aberto e em liberdade condicional já passaram pelas oficinas da ONG-empresa. Atualmente, há mais de 30 detentos que exercem alguma atividade na oficina localizada dentro de uma penitenciária e ex-presos trabalhando nas ruas.
“Eles só precisam de uma oportunidade. Nós, empresários, podemos dar essa oportunidade. A resposta que a gente tem [desses funcionários] é muito boa. A gente tem um índice de praticamente 100% de reinserção socioeconômica. Todas as pessoas que passaram por aqui levam suas vidas de uma maneira integrada [à sociedade], não segregada”, disse a coordenadora da ONG, Adriana Gryner.
Ela conta que nunca teve problema com nenhuma dessas pessoas. Algumas delas, segundo a coordenadora da ONG, até se destacam. A loja da Tem Quem Queira, que será inaugurada em um shopping na Barra da Tijuca, área nobre da cidade do Rio, será gerenciada por uma ex-detenta, que trabalha com Adriana desde que ainda estava presa.
Para os empresários que têm preconceito em contratar essas pessoas, Adriana manda um recado: “Se você empregar essa pessoa, é menos um que vai voltar para o crime e roubar seu filho. Por que as pessoas roubam? Muitas vezes, porque não têm oportunidade. Dando oportunidade, você mitiga a criminalidade”, ressalta.
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