sábado, 31 de dezembro de 2011

Especialistas dizem que pacificação precisa chegar a todo o Rio e não apenas a comunidades próximas a áreas nobres

Durante este ano, cinco Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) foram instaladas na capital fluminense, todas na região da Grande Tijuca e no Centro da cidade: Mangueira, Morro do São João, São Carlos, Prazeres e Coroa/Fogueteiro. A proposta, que visa a expulsar quadrilhas armadas de algumas favelas do estado do Rio por meio do controle do território por uma polícia de conceito comunitário, é uma das principais políticas de segurança do governo fluminense.

A implantação dessas cinco novas UPPs, que se somaram às 13 já existentes, consolidou o chamado “cinturão de segurança” da zona sul, do Centro e da região da Grande Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro.

Entre as 18 UPPs já instaladas, 16 ficam nessas três regiões, consideradas mais nobres e menos violentas do estado do Rio de Janeiro, e uma fica na Cidade de Deus, próxima a outro bairro nobre, a Barra da Tijuca, e ao lado do futuro centro dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.

Apenas a favela do Batam, na zona oeste da cidade, fica em uma área considerada mais violenta, a região de Bangu. Os complexos da Penha e do Alemão, também localizados em uma área mais violenta da cidade, foram ocupados pelo Exército em novembro do ano passado, mas só devem ganhar UPPs a partir de maio do ano que vem.

“Existe um projeto de UPPs muito localizado na zona sul da cidade e nos corredores que vão ser utilizados na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016. A gente percebe uma certa ação da Secretaria de Segurança Pública, que é de atuar nessas áreas, em detrimento de outras áreas que necessitam também. Tem uma prioridade em uma área da cidade, enquanto outras são esquecidas”, afirma o pesquisador Rafael Dias, da organização não governamental Justiça Global.

A Rocinha e o Vidigal, últimas grandes favelas da zona sul da cidade que ainda eram controladas por quadrilhas armadas, foram ocupadas em novembro deste ano. Ainda não há previsão de quando essas favelas receberão UPPs.

Com essas novas ocupações, o número de comunidades controladas pelas forças do Estado chega a cerca de 80. No entanto, mais de mil favelas controladas por criminosos no Rio de Janeiro ainda não foram ocupadas por UPPs. O projeto ainda não beneficiou, por exemplo, comunidades de outros municípios do Grande Rio ou do interior fluminense.

Em algumas áreas do subúrbio da cidade, como as comunidades de Vila Kennedy e de Senador Camará, moradores têm vivido há meses sob confrontos armados rotineiros, uma vez que facções criminosas rivais estão se enfrentando pelo controle dos pontos de vendas de drogas. A ação da polícia nessas comunidades “não pacificadas” continua se restringido a apreensões de drogas e armas e a prisões de alguns suspeitos. E, em geral, resultam em tiroteios.

“A política de segurança no Rio de Janeiro é dupla. Por um lado temos as UPPs, que têm objetivos claros e bem sucedidos localmente. Por outro lado, tem a velha política de segurança, que está lutando para se transformar, mas que ainda persiste, com confrontos armados e autos de resistência. O desafio do Rio de Janeiro é fazer com que essa pacificação não seja apenas uma política aplicada em poucas UPPs, mas um princípio que inspire o conjunto da política de segurança”, diz o sociólogo Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O ano de 2011 também foi marcado pelo acirramento das ações violentas nas comunidades pacificadas do Rio de Janeiro.Em várias favelas, tiroteios e assassinatos foram registrados depois da pacificação.

Em novembro, por exemplo, houve relatos de tiros de fuzil na comunidade do Fallet, ocupada em fevereiro deste ano. No Morro da Coroa, em junho, policiais ficaram feridos depois da explosão de uma granada atirada por criminosos.

Dias depois, no Andaraí, ocupado em julho de 2010 pela polícia pacificadora, dois mototaxistas foram assassinados por criminosos da quadrilha que controla a venda de drogas na favela, supostamente por se recusarem a pagar uma taxa imposta pelo tráfico. No Morro dos Macacos, em setembro, bandidos atacaram a sede da UPP, instalada em novembro de 2010.

Apesar das críticas e das ocorrências, a política de UPPs tem recebido grande apoio da população e da imprensa, e atraído a atenção de governos de outros estados e até de outros países. Segundo o governo fluminense, o sucesso do projeto, que é considerado um dos eixos principais de sua política de segurança, pode ser medido pela redução dos principais índices de criminalidade no estado, como homicídios, autos de resistência e roubos de rua em geral.

De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão de pesquisa em criminalidade do governo do estado, os homicídios caíram 10% nos sete primeiros meses deste ano no Rio de Janeiro, em relação ao mesmo período do ano passado. Neste período, de acordo com os dados oficiais, os roubos de transeunte tiveram queda de 13%.

Segundo a Secretaria de Segurança, o projeto das UPPs conta com um planejamento plurianual, que prevê a instalação de mais 22 unidades até 2014. Entretanto, a secretaria não respondeu às críticas referentes aos locais em que as UPPs são instaladas nem informou onde serão implantadas as próximas.

Por meio de nota, a secretaria informou que as UPPs não têm como objetivo “o fim da violência”. As unidades “são a primeira fase do processo de pacificação que tem como objetivo básico a retomada do controle territorial de áreas que estavam nas mãos de traficantes ou de milicianos. É importante destacar que desde o início do processo de instalação das UPPs os índices de violência nessas regiões e no entorno das comunidades apresentam decréscimos consideráveis”, diz a nota.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

Ocorrências de desaparecimentos aumentaram 20% em quatro anos no Rio de Janeiro

As ocorrências de desaparecimento no estado do Rio de Janeiro aumentaram 20% em quatro anos. O número de registros passou de 4.562 em 2006 para 5.473 em 2010, segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão de pesquisa em criminalidade do governo do estado.

Nos nove primeiros meses deste ano, foram registrados os desaparecimentos de 4.196 pessoas, 5,2% a mais do que no mesmo período do ano passado. “É preciso haver uma pesquisa sobre o paradeiro de pessoas desaparecidas, porque enquanto nós não soubermos quantos foram mortos nestes que estão na lista de desaparecidos, nós nunca vamos poder saber quantas vidas foram interrompidas pelo crime”, ressalta o presidente da organização não governamental Rio de Paz, Antônio Carlos Costa.

Ele cita como exemplo de desaparecidos dois casos emblemáticos no Rio de Janeiro. Um deles é o da engenheira Patrícia Franco, que desapareceu na madrugada de 14 de junho de 2008, na Barra da Tijuca. Seu carro foi encontrado com marcas de bala numa lagoa do Rio, mas seu corpo nunca foi achado. Três anos depois, a Justiça decidiu declarar a morte presumida da engenheira.

Outro exemplo é o caso do menino Juan Moraes, que desapareceu depois de uma operação policial na favela Danon, no município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Seu corpo talvez nunca fosse encontrado se a imprensa não se mobilizasse em torno do caso. Dias depois do desaparecimento o corpo do menino foi encontrado na beira de um rio durante uma busca policial.

Dois estudos do Instituto de Segurança Pública (ISP), realizados em 2009 e 2011 com uma amostra de 10% dos desaparecimentos, revelaram que as pessoas retornam para casa em 70% dos casos. Em 15% dos episódios não se sabe o que ocorreu e, em 5% descobre-se posteriormente que a vítima está morta (dos quais 2% são homicídios ainda não registrados).

Por esses cálculos, é possível que o percentual de pessoas mortas depois de desaparecidas chegue a 20% dos casos. Sendo assim, em 2010, poderiam ser contabilizadas mais 1.094 mortes no estado, além das 5.829 óbitos violentos intencionais registrados oficialmente.

Nos nove primeiros meses de 2011, os casos de possíveis mortes decorrentes de desaparecimentos podem chegar a 839, além das 3.850 mortes violentas intencionais registradas pelo ISP. A Agência Brasil procurou a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro para saber o que está sendo feito para reverter a tendência de aumento do número de desaparecidos no estado, mas não obteve resposta.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Depois de morte de jovem de 15 anos no Complexo do Alemão/Penha, coronel do Exército diz que favela NÃO está pacificada

Um jovem de 15 anos morreu na noite de ontem (26) depois de ser baleado em troca de tiros envolvendo militares do Exército e criminosos no Complexo da Penha, na zona norte da cidade do Rio. O conjunto de favelas, assim como o vizinho Complexo do Alemão, está ocupado por 1,8 mil homens do Exército desde novembro de 2010.

Segundo o coronel Malbatan Leal, chefe da comunicação social da Força de Pacificação que atua nos dois conjuntos de favelas, militares faziam uma patrulha de rotina na localidade do Mirante da Chatuba, quando avistaram três pessoas em atitude suspeita.

De acordo com ele, os militares tentaram abordar os suspeitos, mas eles fugiram e começaram a atirar contra a patrulha. “O comandante dessa patrulha determinou que eles parassem. Isso não ocorreu. Ele realizou disparos de advertência para poder intimidar o pessoal. Mesmo assim, eles não obedeceram e continuaram [a atirar]. A partir daí começaram os disparos de autoproteção [por parte dos militares] contra a ameaça”, disse o coronel.

Baleado durante o tiroteio, o jovem de 15 anos, identificado como Abraão da Silva, chegou a ser socorrido por uma ambulância do Exército e levado ao Hospital Getúlio Vargas, mas acabou morrendo. Nenhuma arma ou droga foi apreendida com a vítima.

Mesmo com os 13 meses de ocupação dos complexos do Alemão e da Penha, que, segundo o governo do estado do Rio, pacificou os conjuntos de favelas, os militares ainda têm enfrentado homens armados. Em setembro, um grande tiroteio assustou moradores dessas comunidades. Em novembro, um militar ficou ferido depois de ser atacado por criminosos.

Segundo o coronel Malbatan Leal, houve avanços no controle da criminalidade nos dois complexos, mas os conjuntos de favelas ainda não estão “pacificados”. “Ao longo de um ano, muita coisa melhorou. O cenário mudou completamente em relação ao que era. Hoje patrulhamos todas as áreas, o que antes não acontecia. Mas seria leviandade de nossa parte dizer que está pacificado. Não está. Tanto é que ainda ocorrem situações como as que aconteceram”, disse o coronel.

Os complexos do Alemão e da Penha foram ocupados por determinação do governo fluminense, com o objetivo de instalar uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) nessas áreas. A previsão inicial era que a UPP fosse implantada em outubro deste ano. Mas o governo fluminense decidiu, com apoio do governo federal, manter o Exército na região até junho do ano que vem.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mais de 35 mil pessoas foram assassinadas com armas de fogo em 2010

Dados do Ministério da Saúde indicam que 35.233 brasileiros morreram, em 2010, vítimas de armas de fogo. O número corresponde a 70,5% dos 49.932 assassinatos cometidos no país, no ano passado. Se forem considerados os suicídios, os acidentes e mortes de intenção indeterminada, as armas de fogo foram os instrumentos responsáveis pela morte de mais de 38 mil pessoas. O levantamento faz parte do Sistema de Informações de Mortalidade publicado regularmente pelo ministério em seu site.

Os números, que ainda são preliminares, são inferiores aos registrados em 2009 (39,6 mil mortes violentas, sendo 36,6 mil homicídios provocados por armas de fogo), mas segundo o secretário executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, as taxas de 2010 ainda são consideradas “altas taxas”, mesmo se levando em conta que as comparações devem ser feitas com cuidado pelo fato dos dados serem preliminares. Barreto comentou o levantamento do Ministério da Saúde no Seminário de Desarmamento, Controle de Armas e Prevenção à Violência, promovido pela representação das Nações Unidas no Brasil em parceria com a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

“Várias políticas de segurança pública têm sido levadas a cabo pelo Ministério da Justiça, mas, todos os dias, vemos casos de pessoas que sofrem acidentes domésticos com armas de fogo, de uma pessoa que se envolve em briga de bar e mata a outra por estar com uma arma de fogo, brigas de trânsito, brigas de vizinhos. São pessoas que não eram criminosas e passam a ser por estar com uma arma de fogo em suas mãos”, disse.

Segundo Barreto, para reverter esse quadro, é preciso reduzir o número de armas de fogo nas mãos de civis. Entre as políticas voltadas para esse objetivo estão as campanhas de desarmamento. A campanha mais bem sucedida foi a realizada entre os anos de 2004 e 2005, logo após a aprovação do Estatuto do Desarmamento em 2003, quando mais de 500 mil armas foram entregues voluntariamente por cidadãos ao Estado e, posteriormente, destruídas.

Dados do Ministério da Saúde mostram que as mortes por armas de fogo caíram de 39,3 mil, em 2003, para 37,1 mil, em 2004, e 36 mil, em 2005. Na campanha deste ano, que começou há sete meses e se encerra no dia 31, já foram recolhidas 35 mil armas.

O coordenador das ações de desarmamento da organização não governamental Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira, no entanto, cobra uma melhor fiscalização das autoridades governamentais sobre a venda de armas no país. “O que precisamos, de fato, é aplicar a lei [Estatuto do Desarmamento]. A lei existe e ela é boa. O Estatuto do Desarmamento está sendo copiado por oito países no momento, como uma das leis mais avançadas do mundo. Mas o Brasil legal não tem nada a ver com o Brasil real”, disse Bandeira.

Bandeira cita, como exemplo, a facilidade para se comprar armas de fogo nas lojas do Rio de Janeiro. Já Barreto diz que há, sim, um controle efetivo realizado pela Polícia Federal e pelo Exército, que vai desde a fabricação da arma até a venda ao cidadão. “A arma tem um controle desde a indústria, com numeração, código de série, vendedor, comprador. No Brasil, tudo isso é rastreado. O que acontece é que, muitas vezes a arma que o cidadão tem em casa, é roubada”, afirma.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Moradores e ONGs denunciam abusos cometidos por militares no Alemão e questionam legalidade da operação

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) realizou hoje (2) uma audiência pública para analisar os 12 meses de ocupação do Complexo do Alemão pelo Exército. Organizações não governamentais (ONGs) e moradores voltaram a reclamar de abusos cometidos pelos militares e questionaram a legalidade da operação, iniciada em novembro de 2010.

Coordenador da ONG Raízes em Movimento, que atua há dez anos no complexo, Alan Brum Pinheiro nasceu e morou, durante toda sua vida, no conjunto de favelas. Segundo ele, há relatos de abusos cometidos por militares contra moradores do Alemão.

“Os soldados foram preparados para agir de forma autoritária, sem admitir nenhum tipo de questionamento. Eles acabam alegando que os moradores os desacatam. Na verdade, na maioria das vezes, não acontece o desacato, mas o abuso de poder [por parte do militar]. E podem até acontecer casos de desacato, mas isso tem a ver com o distanciamento do Exército em relação à comunidade, sem que haja um diálogo”, disse.

Já o pesquisador da ONG Justiça Global Rafael Dias questiona se a atuação do Exército como força de segurança encontra respaldo legal. “A Constituição diz que o Exército não deve atuar na área de segurança pública. Não é atribuição do Exército. É preocupante também que o Exército permaneça numa área por muito tempo”, disse.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, deputado Marcelo Freixo (PSOL), disse que o Exército já está há um ano “exercendo um papel de polícia, que não é o que a Constituição determina”. Segundo o parlamentar, como os militares não são preparados para esse trabalho, isso acaba originando muitos conflitos com os moradores.

A conselheira estadual de Direitos Humanos e representante da ONG Educap, Lúcia Amaral, diz que o único progresso obtido com a ocupação do Exército foi a redução do número de confrontos armados. No entanto, a comunidade continua tendo muitos problemas, como falta de água e o saneamento precário.

“A única coisa que melhorou foi a redução do poder bélico [dos criminosos]. Mas as coisas continuam do mesmo jeito. Há um abandono no interior da comunidade”, disse Lúcia.

O Complexo do Alemão vem recebendo obras de urbanização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) desde 2008. Entre as intervenções urbanísticas estão a inauguração de um teleférico, a construção de moradias para algumas famílias e de equipamentos sociais, como escolas.

O Comando Militar do Leste, unidade do Exército responsável pela ocupação militar dos Complexos da Penha e do Alemão, informou que não vai se pronunciar sobre os supostos abusos ou sobre o questionamento em torno da legalidade da operação.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Tiroteio no "pacificado" Alemão deixa militar ferido. Governo se apressa em dizer que homicídios na região caíram de 121 para 110.

Não,não é uma piada. O governo acredita que, com números mostrando essa "expressiva" queda de homicídios, ele vai convencer a população que todo o fuzuê em torno da pacificação valeu a pena.


Um confronto armado entre militares do Exército e criminosos do Complexo do Alemão na noite de ontem (24) deixou um soldado ferido. Segundo o coronel Malbatan Leal, chefe de comunicação da Força de Pacificação que atua na comunidade, o militar foi encaminhado ao Hospital Central do Exército, sem gravidade.

De acordo com o coronel, o tiroteio ocorreu por volta das 22h30, quando militares patrulhavam uma área conhecida como Pedra do Sapo. Na versão do Exército, criminosos avistaram os soldados e atiraram contra eles. Os militares, então, reagiram.

Segundo Malbatan Leal, o grupo que atacou os militares tinha entre cinco e sete criminosos armados, provavelmente, com pistolas e fuzis. O confronto comprova a existência de criminosos atuando com armas longas dentro do Complexo do Alemão – área considerada “pacificada” pelo governo do Rio. Há um ano o Exército ocupa a comunidade.

“Vamos continuar patrulhando a área como um todo, ocupando todo o espaço, sob nossa responsabilidade. Não diria que há bolsões controlados por criminosos. Há, sim, cada vez menos espaços onde eles têm liberdade para atuar, por isso entra a possibilidade de encontro. Nosso trabalho continua de forma intensa e com inteligência”, disse o coronel.

Esse é só mais um episódio de violência envolvendo o “pacificado” Complexo do Alemão, nesses doze meses em que o Exército ocupa a área, preparando terreno para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Em setembro deste ano, um grande tiroteio (que mais lembra a invasão do Iraque) atingiu o conjunto de favelas. E vários casos de homicídios, roubos e presença de homens armados atingiram o complexo nesse primeiro ano de ocupação.

Nem vou repetir aqui o quanto eu alertei, meses atrás, sobre os desafios que envolviam uma ocupação de longo prazo na comunidade.

Tampouco vou repetir aqui, que o Complexo do Alemão não está nem perto de ser pacificado, assim como algumas das favelas ocupadas por UPPs no Rio de Janeiro.

O que gostaria de destacar aqui é que, no mesmo dia em que o tiroteio acontece, ameaçando borrar a “festa” e a “fanfarra” pelo PRIMEIRO ANO de ocupação do Alemão pelo Exército, o Instituto de Segurança Pública (ISP) apressou-se em divulgar estatísticas, para, teoricamente, “comprovar” que a “pacificação” do Alemão está funcionando.

Abaixo, reproduzo os dados divulgados hoje pelo ISP, para tentar jogar uma cortina de fumaça na realidade e dar um upgrade no 1o aniversário da ocupação:

Área da 22a Delegacia de Polícia (que atende a 90% do Alemão)
No período de um ano antes da ocupação – 50 homicídios e 2 latrocínios
No período de um ano depois da ocupação – 43 homicídios e 2 latrocínios

Uau!!! Realmente dá para ver que houve mesmo uma “expressiva” queda nos homicídios da área do Alemão. Eram 50 e agora são apenas... 43. Isso... Apenas 43 homicídios em um ano.

Área do 16o Batalhão de Polícia (que inclui a 22a e a 38a DP) e área da 44a DP (que corresponde ao restante do Alemão).
No período de um ano antes da ocupação – 121 homicídios e 10 latrocínios
No período de um depois da ocupação – 110 homicídios e 6 latrocínios

É... Realmente eu me sentiria mais seguro num lugar pacificado, onde, antes aconteciam 121 assassinatos, e hoje, devido ao “grande” esforço do governo, só acontecem 110 assassinatos. É quase uma Suíça, mesmo, para parafrasear nosso secretário de Segurança.

É claro que o ISP divulga também que os roubos caíram na faixa de 30% a 40%. Mas, se um Instituto pode manipular estatísticas envolvendo mortes, que têm notificação obrigatória, por que não mexer em registros de roubos, que se contam aos milhares na região?

Bom, se você está satisfeito com uma pacificação que, depois de um exagerado carnaval e de extrema publicidade, reduz de 121 para 110 o número de homicídios, aplauda a “política” de segurança do governo do estado. Caso você ache esses resultados muito mixurucas, indigne-se, mostre sua insatisfação, interpele o governador e o secretário nas ruas, mande cartas para as TVs e os jornais. Exija resultados mais concretos e contundentes. Peça mais segurança para a sua rua.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ministério da Justiça e Fórum de Segurança se rendem ao blog Rio .40 e reconhecem problemas nas estatísticas de criminalidade do Rio de Janeiro

Desde que percebi as supostas quedas milagrosas no número de homicídios do estado do Rio de Janeiro, no segundo semestre de 2009 (fenômeno que vem se repetindo, mês após mês, por dois anos), mostrei ceticismo quanto à qualidade dos dados de criminalidade do estado.

Hoje, tive uma surpresa ao ver que o Ministério da Justiça, aliado do governo do Rio, e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (respeitável entidade na área de segurança) reconhecem, em seu Anuário de Segurança Pública, que algo está errado com as estatísticas da Secretaria de Segurança fluminense.

Ao comentar as quedas nos homicídios entre 2009 e 2010, o Ministério da Justiça e o Fórum Brasileiro dizem que o estado do Rio de Janeiro, assim como Minas Gerais e Espírito Santo, apresentaram uma “piora” na qualidade de seus dados de criminalidade, “sendo agora classificados
como Estados com informações precárias em termos de qualidade e fidedignidade”.

Essa é a primeira vez que o Ministério da Justiça, aliado incondicional do governador do Rio, Sérgio Cabral, e de seu secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, reconhece um problema nos dados do Rio.

Segundo o Anuário, divulgado hoje, o Rio tem apresentado um elevado número de mortes violentas “sem intenção determinada”, o que desqualifica a suposta queda de homicídios apresentada por Beltrame e seus colegas da Secretaria de Segurança do estado.

A publicação rebaixa o Rio de Janeiro do Grupo 1 (dos estados com qualidade nas informações de criminalidade) para o Grupo 3 (dos estados cujos não são confiáveis), o mais baixo.

A descoberta de que o número de mortes “sem intenção determinada” (quando a morte não é classificada como homicídio, acidente ou suicídio) aumentara inexplicavelmente no estado do Rio de Janeiro desde 2007, início do governo Sérgio Cabral, foi feita por este blogueiro, em uma reportagem da Agência Brasil e em um post neste blog, publicados em maio deste ano.

Alguns meses depois, o espetacular fenômeno de redução dos homicídios às custas do aumento de mortes “sem intenção determinada” no Rio foi alvo de uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O Ipea alertou que algo estava errado nas estatísticas do Rio e calculou, com base em padrões estatísticos, que o Rio deveria ter algo em torno de 8 mil homicídios, em 2009, em vez dos 5 mil e poucos divulgados pela Secretaria de Segurança fluminense.

A suposta queda dos homicídios no estado do Rio de Janeiro é usada pelo governo do Rio para justificar um suposto “sucesso” de suas políticas de segurança pública, em especial as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

Mas, se os dados que justificam esse “sucesso” na mágica gestão de Beltrame não puderem ser considerados “fidedignos”, então a prova da eficácia da política de segurança pública vai por água abaixo.

Àqueles que consideram Beltrame o “grande gestor público do século”, peço que, antes de o elevarem ao Panteão dos deuses da segurança pública, analisem o fato de que o “sucesso” do secretário jaz numa farsa estatística.

Quem está promovendo essa farsa, se a polícia, seu Instituto de Segurança Pública ou o próprio governo, isso, infelizmente, ainda não se sabe. Mas isso também rende uma investigação e responsabilização dos culpados.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Juiz quer acabar com festa em presídio cinco estrelas da Polícia Militar

A Justiça do Rio de Janeiro determinou a transferência de oito presos do Batalhão Especial Prisional (BEP) da Polícia Militar para o presídio de Bangu 8. Segundo o juiz Murilo Kieling, do 3º Tribunal do Júri da capital, o BEP, que funciona como casa de custódia para policiais militares presos, não tem um controle administrativo dos detentos e permite regalias aos internos, como festas, telefone celular, bebida alcoólica e horário especial para visitas.

Segundo o juiz, a incapacidade do BEP de controlar seus detentos ficou comprovada quando foi solicitada, ao comando do batalhão, uma lista com os nomes dos presos à disposição do 3º Tribunal do Júri. O comando do BEP teria respondido o ofício informando que não havia nenhum detento nessa situação, o que, segundo a Justiça, não é verdade.

De acordo com a Justiça, o BEP tampouco informou ao tribunal sobre a fuga de dois presos considerados perigosos: Carlos Ary Ribeiro, o “Carlão”, e Franklin Delano Roosevelt Maia Júnior. O juiz Murilo Kieling só tomou conhecimento das fugas pela imprensa.

Procurada pela Agência Brasil, a Polícia Militar informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comenta decisões judiciais.

ps.: Em tempos de "pacificação" e de "deificação" de José Mariano Beltrame (quando toda a imprensa se desmancha em elogios ao "herói" José Mariano Beltrame e o cita como exemplo de um "gestor excepcional"), onde está a política de segurança do estado? Todos sabem, há anos, que o BEP (assim como o antigo Ponto Zero) é uma palhaçada. Que ações o governo do estado tem tomado para sanar o problema? Cade o "gestão revolucionária da segurança pública" de Beltrame, como diz a Revista Época dessa semana?

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Associação de Moradores do Vidigal diz que não quer só polícia e espera intervenções urbanístico-sociais

A Associação de Moradores do Vidigal critica o abandono por parte dos governos, diz que não quer “só polícia” e reivindica intervenções urbanísticas e sociais na comunidade. O Morro do Vidigal é uma das três comunidades, junto com a Rocinha e Chácara do Céu, que foram ocupadas pela polícia no início desta semana, para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

“A comunidade está abandonada há 20 anos. O Favela-Bairro [antigo projeto de urbanização da prefeitura do Rio] passou por aqui há 20 anos e não teve nenhuma manutenção. Só teve coisas paliativas, como tapa-buracos ou a troca de lâmpadas. Com tanto tempo de abandono, aqui falta quase tudo, transporte, saneamento, educação, saúde”, disse o presidente da associação, Wanderley Ferreira.

Segundo ele, os principais problemas são saneamento e riscos de deslizamentos de encostas. “Temos muito esgoto a céu aberto. E isso está prejudicando a comunidade. Também há algumas áreas com risco de deslizamento, por isso também precisamos de obras de contenção”, disse.

O Vidigal, diferentemente da Rocinha, não foi beneficiado com obras da primeira fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A expectativa é que a segunda fase do PAC (PAC 2) seja levada à comunidade.

A OCUPAÇÃO

A ocupação das comunidades da Rocinha, de Vidigal e da Chácara do Céu, na zona sul do Rio de Janeiro, será mantida temporariamente pelos Batalhões de Choque e de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar, até que seja instalada a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) nesses locais.

O Bope ficará encarregado da Rocinha, a maior das três favelas. Já o Batalhão de Choque, que pela primeira vez coordena uma ocupação pré-UPP, ficará responsável pelas comunidades do Vidigal e da Chácara do Céu, favelas que ocupam o mesmo morro, mas que são bem menores.

De acordo com o comandante do Batalhão de Choque, coronel Fábio Souza, a ocupação do Vidigal e da Chácara do Céu será mantida com 60 homens, até que a UPP seja instalada. O oficial garante que a ocupação não prejudicará o trabalho primordial do batalhão que tem, entre suas funções, a segurança de estádios, a escolta de dinheiro do Banco Central e o controle de conflitos e manifestações.

Segundo ele, o Batalhão de Choque tem mais 60 policiais aquartelados, que podem agir em caso de necessidade. “Se houver necessidade, posso convocar homens que estão de folga”, disse o comandante. O coronel Fábio Souza não disse, no entanto, quando a UPP será instalada nessas três comunidades.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Considerações sobre a ocupação da Rocinha

A ocupação da Rocinha tem merecido espaço considerável na mídia nacional, nos últimos dias. Até mesmo em canais internacionais, como a rede de TV americana CNN. Afinal, a ocupação da Rocinha é, para os cariocas, tão simbólica quanto a do Complexo do Alemão, em virtude da grande quantidade de notícias negativas surgidas nessas favelas em anos passados.

A Rocinha nunca foi tão violenta quanto o Complexo do Alemão. Mas quando episódios de violência ocorriam na favela, como as esporádicas operações policiais ou as sucessivas tentativas de invasão por quadrilhas rivais, principalmente nos anos 2004 e 2005, as notícias estampavam capas de jornais e revistas e ocupavam espaços consideráveis nos telejornais.

O motivo é simples: a Rocinha localiza-se num dos bairros com metro quadrado mais caro do Rio, São Conrado, e fica inconvenientemente posicionada sobre a principal via de ligação do bairro nobre da Barra da Tijuca com os mais nobres ainda Leblon, Gávea e Lagoa.

Tiroteios, que eram e continuam sendo comuns em várias partes do estado do Rio de Janeiro, tornavam-se, para a imprensa e o governo, inaceitáveis quando atingiam o carro de um morador que paga “IPTUs altíssimos” e “compra os produtos anunciados nos jornais e nas TVs”. Ou simplesmente quando, de tão intensos, os confrontos provocavam o fechamento do túnel que passa sob a Rocinha e impediam esses cidadãos de “primeira classe” a chegar em casa ou no trabalho.

A ocupação da Rocinha pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) era certa, até mesmo antes da acidental ocupação do Complexo do Alemão. Era uma demanda contínua da imprensa e dos moradores da zona sul.

Sua ocupação só demorou porque a Secretaria de Segurança estava juntando know-how suficiente para lidar com uma favela daquelas dimensões. A política de instalação das UPPs começou por favelas menores e mais fáceis de controlar (com exceção da Cidade de Deus, que a Secretaria de Segurança provavelmente se arrepende de ter ocupado tão cedo, no início de 2009).

Um erro na Rocinha provocaria a cabeça do secretário de Segurança e talvez até do governador Sérgio Cabral. Não cabia ali um laboratório como o que foi feito no Dona Marta ou no Chapéu Mangueira/Babilônia. Ao entrar na Rocinha, a polícia teria que ter experiência suficiente para que nada desse errado.

A Rocinha provavelmente seria ocupada depois da finalização do cinturão de segurança da Tijuca/Centro da cidade. Nos meus cálculos, a Rocinha seria ocupada entre o segundo semestre deste ano e o primeiro semestre de 2012.

Mas aí, nesse meio tempo, veio a ocupação do Complexo do Alemão, algo que a Secretaria de Segurança foi obrigada a fazer, sem muito planejamento, no final de 2010, depois do caos que bandidos daquela comunidade instauraram nas ruas do Rio de Janeiro. A “pacificação” do Alemão foi uma resposta das autoridades para a violência que eles não tiveram a capacidade de evitar.

O Alemão foi ocupado no meio do processo de pacificação da Tijuca, no meio da ocupação do Morro dos Macacos (outra favela simbólica) e antes das favelas São João/Matriz, Mangueira/Tuiuti e os complexos de São Carlos e Rio Comprido.

Tão logo essas favelas menores fossem concluídas, era certo que a Rocinha e o Vidigal, últimos grandes bastiões da criminalidade na zona sul seriam alvos da UPP.

Mas o Alemão complicou as coisas, porque exigiu a formação, a toque de caixa, de mais de dois mil novos policiais militares, ao mesmo tempo em que se formavam PMs para as UPPs da Tijuca e Centro.

Diante de tamanho pepino, era esperado que a Secretaria de Segurança não ocupasse a Rocinha tão cedo. Pelo menos, não pelos próximos meses. Afinal, a UPP da Rocinha vai exigir um efetivo semelhante ao do Alemão (cerca de dois mil homens). Será preciso tempo para formar tantos homens.

Então, era de se esperar que a Secretaria de Segurança só ocupasse a Rocinha a partir de março de 2012, quando os policiais militares começassem a substituir o Exército no Complexo do Alemão, liberando a força armada para atuar em outra ocupação de longo prazo.

Segundo o Estado-Maior da Polícia Militar, hoje há 1.500 policiais militares formados, esperando para começar a atuar nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Contando que outros 1.200 policiais foram formados para atuar em outras UPPs instaladas neste ano, a PM conseguiu formar,no máximo, 2.700 homens para as UPPs em um ano.

Para formar os outros 700 policiais que faltam para ocupar o Complexo do Alemão e mais os 2 mil da Rocinha, serão necessários mais 12 meses. O que me leva a crer que a UPP da Rocinha só deverá ser inaugurada a partir de novembro de 2012 (se nenhuma outra favela for ocupada nesse meio tempo).

Nesse período, quem ficará ocupando a comunidade? O Exército? Os fuzileiros navais? Será o Bope e o Choque (que têm funções específicas dentro da estrutura da PM e não podem liberar tantos homens de suas funções primordiais para empreender uma ocupação de longo prazo)? Isso ainda não ficou muito claro. E a imprensa não parece estar muito preocupada com isso.

Quando fiz essa pergunta para o coronel Pinheiro Neto, chefe do Estado-Maior da PM, dentro do QG, na última semana, ele não me respondeu. Disse apenas que esse era um “desafio que ele teria que superar”. “Afinal, esse é a minha função, tornar possíveis essas operações”, respondeu-me o oficial, sem me esclarecer muita coisa.

Será que a opção da Secretaria de Segurança será inverter a ordem das ocupações? Destinar os primeiros 2 mil formandos para a UPP da Rocinha e fazer o Alemão esperar mais alguns meses pela instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, aproveitando que o Exército já está no Alemão?

Nesse caso, a Rocinha poderia ganhar uma UPP logo nos primeiros meses de 2012. Nesse cenário, talvez a PM espremesse seu quadro de pessoal e fizesse uma força-tarefa meio precária, junto com a Polícia Civil, para fazer a ocupação temporária nesses próximos meses.

Mas nesse cenário, de ocupação meio precária, será que a Polícia conseguiria consolidar seu controle sobre o território, antes da chegada dos neófitos da UPP? O Exército está há um ano, com sua “mão forte” e sua doutrina de garantia da lei e da ordem, tentando, com 1.800 homens atuando quase em tempo integral, consolidar seu controle do Complexo do Alemão, sem sucesso. Tiroteios e assassinatos continuam ocorrendo no Alemão “pacificado”.

Com poucos meses de ocupação temporária, a polícia não conseguiu impor controle sobre as favelas dos complexos do São Carlos e do Rio Comprido, territorialmente bem inferiores à Rocinha. Hoje, os policiais da UPP precisam lidar com tiroteios rotineiros, já que bandidos continuam controlando porções dessas favelas, com o apoio de alguns segmentos da população e de policiais corruptos da própria UPP.
A Rocinha certamente não apresenta os desafios do Alemão. A favela da zona norte é maior, está localizada em área hostil (cercada por várias favelas ainda controladas por quadrilhas armadas). O número de acessos e vias de fuga do Alemão é muito maior do que os da Rocinha. A negligência dos governos com as favelas do subúrbio sempre foi muito maior do que com aquelas da zona sul. Historicamente, os episódios de violência no Alemão foram muito mais numerosos e contundentes do que aqueles da Rocinha.

No entanto, a polícia pode ter grandes problemas na Rocinha, sim. Principalmente, se fizer um trabalho de ocupação temporária (pré-UPP) apressado e pouco criterioso. A Rocinha é uma favela gigante, propícia à formação de bolsões controlados por criminosos, é um ponto de vendas de drogas geograficamente bem localizado (e, por isso, extremamente lucrativo).

Por ser lucrativo, o ponto de venda de drogas pode atrair a cobiça de outros bandidos. A defesa desses pontos de venda de drogas, que nas UPPs costuma ser feito sem a ostensividade de armas, pode ser diferente na Rocinha. Para defender lucrativos pontos de venda de drogas, os bandidos podem ter que recorrer a mais armas e fazer mais uso delas (como nos Complexos do São Carlos e do Rio Comprido e como no Alemão).

Como disse, aqui neste blog, durante os primeiros dias de ocupação do Complexo do Alemão, é preciso esperar para ver. Não acho que a UPP da Rocinha será tão problemática, mas certamente não será um mar de rosas. A Secretaria de Segurança precisa ser muito criteriosa na preparação do terreno, antes da implantação da UPP, e precisa acompanhar muito de perto o andamento da UPP.

Não sei se o governo do Rio resolveu antecipar a ocupação da Rocinha, visando melhorar sua imagem combalida diante de episódios recentes (a manipulação das estatísticas criminais, a violência nas favelas “pacificadas”, o assassinato do cinegrafista da Band, o exílio do deputado Marcelo Freixo) e buscando preparar terreno para a reeleição de Eduardo Paes à prefeitura.

Mas independentemente do motivo que levou o governo a apressar a coisas, é preciso ter cautela nesse processo de pacificação da Rocinha e não deixar que agendas políticas ditem o ritmo das ações de segurança pública.

De resto, desejo sucesso à UPP da Rocinha, e continuo cobrando da Secretaria de Segurança uma política de segurança mais ampla, que atenda a todo o estado do Rio de Janeiro (e as mais de 1.500 favelas fluminenses controladas por criminosos que não têm nem terão UPP) e não apenas a algumas favelas simbólicas.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Novo contingente assume Força de Pacificação do Complexo do Alemão com desafio de evitar ações violentas

O Exército trocou hoje (7) o comando e o contingente da Força de Pacificação dos Complexos do Alemão e da Penha, que atua nessas favelas da zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Esta é a quarta troca de contingente do Exército, que ocupa a comunidade há cerca de um ano.

A 4ª Brigada de Infantaria Motorizada, de Juiz de Fora (MG), substituiu a 9ª Brigada de Infantaria Motorizada, que estava há 13 semanas no Complexo do Alemão. O novo comandante é o general Otávio Santana Rêgo Barros, que substitui o general Cesar Leme Justo.

Durante a missão da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada, iniciada há três meses, o Complexo do Alemão vivenciou momentos de violência. Em setembro deste ano, um tiroteio no Morro do Adeus, que integra o complexo, exigiu um reforço no policiamento do local. Moradores disseram que uma adolescente de 15 anos morreu vítima de bala perdida.

Em outubro, criminosos encurralaram e atacaram policiais próximo ao teleférico do Itararé. Uma granada chegou a ser lançada contra os soldados da Polícia Militar, que também integram a Força de Pacificação.

Segundo o comandante militar do Leste (comando do Exército responsável pelo Rio de Janeiro), o general de Exército Adriano Pereira Júnior, não há como impedir que criminosos entrem nos complexos da Penha e do Alemão.

“Nada impede que alguém venha da Maré ou de outra comunidade aqui para dentro, que passe um dia aqui dentro fazendo contato e saia. Imagina, se nós cercarmos essas comunidades para controlar todo o acesso, o prejuízo que causaremos à população. Imagina se ficarmos trocando tiros aqui dentro, com o risco de termos efeitos sobre a população inocente”, afirmou.

O general afirmou, no entanto, que o Exército tem tentado evitar a ação desses criminosos. “Os traficantes estão sendo presos. Semanalmente, há apreensão de drogas feita aqui dentro. Na última ação agora, apreendemos pistolas, fuzis. Fizemos uma apreensão de armamento importante. Nossa inteligência está trabalhando. Se considerarmos o que era isso aqui antes, as escaramuças que têm havido aqui estão até abaixo do que eu esperava que iria acontecer”, disse.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

Polícia Militar quer estabelecer critério para coberturas jornalísticas de operações policiais no Rio

O comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Erir Ribeiro Costa Filho, disse hoje (7) que quer estabelecer um critério para coberturas jornalísticas de operações policiais nas favelas do estado. A afirmação foi feita um dia depois da morte do cinegrafista Gelson Domingos, da TV Bandeirantes, baleado durante uma operação policial na favela de Antares, na zona oeste da cidade.

“Vamos tentar reunir os sindicatos dos cinegrafistas, dos jornalistas, para conversar, para ter um critério de segurança. Quando um policial falar com um repórter: 'daqui vocês não podem passar’, que eles entendam e, por segurança própria, obedeçam a orientação dos policiais”, disse o comandante da PM.

A imprensa entrou na favela, durante a operação de ontem (6), junto com policiais do Batalhão de Choque e depois que o Batalhão de Operações Especiais (Bope) já havia ocupado a comunidade e a troca de tiros inicial tinha cessado. No entanto, quando os jornalistas já estavam nas ruas da Favela de Antares, o tiroteio recomeçou.

“O Bope entrou, mas os bandidos se deslocam [dentro da própria favela] e os policiais do Choque acabaram dando de frente com esses marginais. O policial vai entrando e eles [os bandidos] vão se deslocando para outros locais. Nesse caso, infelizmente [eles se deslocaram], para onde estava o cinegrafista”, disse.

Segundo o comandante, a polícia não “convida” a imprensa para cobrir as operações dentro das favelas, mas os jornalistas acabam acompanhando os policiais por conta própria. “A imprensa nunca foi convidada, só que o repórter, principalmente quem cobre a área policial, é um 'policial'. Infelizmente aconteceu isso [a morte] com esse nosso amigo”, afirmou.

Durante cerimônia da troca de comando da Força de Pacificação do Complexo do Alemão, o comandante militar do Leste, general do Exército Adriano Pereira Júnior, lamentou a morte do cinegrafista. “Rendo minha homenagem hoje ao cinegrafista morto da Band e esperamos que nosso trabalho [do Exército] colabore para que, fatos como esse, não se repitam no estado do Rio de Janeiro, nem no nosso país, ou seja, que profissionais exercendo a sua atividade percam a vida de forma brutal como foi o ocorrido ontem com o cinegrafista”, disse o general.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

domingo, 6 de novembro de 2011

Morte de cinegrafista, baleado em favela no Rio, nos lembra que ainda falta muito para o Rio ser considerado "pacificado"

Acostumamo-nos a ver nos últimos meses, através da imprensa, a imagem de um Rio de Janeiro que está dando certo. São imagens de crianças apertando a mão de policiais em favelas "pacificadas" e de militares transitando supostamente tranquilos pelo Complexo do Alemão, reportagens sobre turistas visitando as áreas com UPPs, dados mostrando supostas reduções nos índices de criminalidade e elogios sem fim ao secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, e a seu chefe, o governador Sérgio Cabral, por terem dado uma solução à violência no estado.

São imagens que a imprensa e o governo querem (e têm conseguido) nos vender. Imagens de um Rio supostamente maravilhoso, que deixou para trás as marcas de um cotidiano de tiroteios, de assassinatos, de "bondes do mal", de traficantes sanguinários que mandam no estado. Vemos essas imagens diariamente no nosso noticiário e nos discursos das autoridades públicas federais, estaduais e municipais.

São imagens e informações que, repetidas à exaustão, dão a confortável impressão aos cariocas de que o Rio está vencendo a guerra contra a violência.

Mas se, por um lado, a propaganda do governo e da imprensa tem êxito em passar uma ilusória tranquilidade à população, essa mesma propaganda não é capaz, por razões óbvias, de acabar com a violência real, que ainda existe no Rio de Janeiro.

Rotineiras ocorrências de violência teimam em brigar com a propaganda do governo fluminense e insistem em continuar acontecendo no estado. São centenas de homicídios, milhares de ocorrências de roubo, inúmeras operações policiais desastrosas, vários tiroteios em favelas "pacificadas" ou não, relatos de bandidos que continuam mandando em centenas de comunidades do Rio de Janeiro, uma juíza assassinada por criminosos fardados, um deputado que deixa o país com sua vida ameaçada etc.

São ocorrências que, de maneira desconfortável, lembram os cariocas de que não moramos na Suíça, como certa vez, o secretário nos quis fazer crer. Nem estamos perto disso. Estamos muito mais perto de uma Colômbia, de uma Venezuela, de um México, do que de uma Suíça, de uma Noruega, de um Chile (sim, o Chile parece um país europeu, no que se refere a segurança pública).

Hoje, ao acordar, recebi a desagradável notícia de que um colega de profissão morreu baleado ao tentar reportar uma operação militar. O cinegrafista Gelson Domingos, da TV Band, morreu durante um tiroteio intenso, no meio de uma batalha, com um tiro de fuzil no peito. Ele não morreu na Líbia, na Somália, no Iraque ou no Afeganistão. A operação militar ocorria muito próximo da gente, em uma área residencial, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro: a favela de Antares.

A morte de Gelson não é chocante porque ele era um jornalista. A morte de Gelson é chocante porque ele foi vítima de uma arma de guerra, em meio a dezenas de tiros disparados a esmo, no meio de uma área urbana, na segunda maior cidade do Brasil. É chocante porque Gelson é apenas um dentre centenas de pessoas que morrem ou ficam feridas em ações policiais e tiroteios no Rio de Janeiro.

Sua morte é chocante, como são chocantes as mortes de cerca de 8 mil pessoas, que são assassinadas a cada ano no Rio de Janeiro.

É claro que sua morte me toca pessoalmente, porque também sou jornalista. E, como vários de meus colegas que cobrem ou cobriram operações policiais no Rio de Janeiro já relataram, isso nos leva a refletir sobre nossa profissão.

Já cobri algumas operações policiais na minha carreira, em áreas consideradas perigosas, como a Rocinha, a Maré e o Complexo do Alemão. Certa vez fiquei encurralado, a poucos metros de bandidos e policiais que trocavam tiros de fuzil, na favela da Chatuba da Penha. Foram cerca de 15 minutos de intenso tiroteio, daqueles em que é impossível calcular o número de disparos, ou saber de onde vêm os tiros.

Mas a morte de Gelson é mais do que isso. A morte de Gelson sintetiza o que vive o Rio de Janeiro. Continuamos sendo um estado e uma cidade tão violentos como éramos há cinco, seis ou sete anos.

Apesar de toda a bem sucedida propaganda do governo fluminense, empreendida com o lamentável apoio dos principais órgãos de imprensa cariocas, o Rio não está nem perto de ser pacificado.

Venho repetindo isso há meses. Pelo menos desde 2009, venho publicamente tentando convencer a todos (de forma incansável), que nossa política de segurança estadual (bem como a política federal) está equivocada.

Que a morte de Gelson sirva para que a população desperte, de vez, dessa ilusão. O Rio não está pacificado. O Rio está violento. Beltrame não é um herói, é apenas um secretário de Segurança que, como tantos outros que o antecederam, não tem conseguido reverter o cenário de violência do Rio de Janeiro.

Que a população acorde e cobre mudanças. Que deixe um pouco de lado as imagens massificadas de favelas sendo "pacificadas". Que passe a reparar nas mortes e ameaças a autoridades, nos milhares de homicídios de cidadãos fluminenses, na manipulação das estatísticas criminais, na corrupção policial, na corrupção governamental, nas centenas de favelas que não foram e nem serão "pacificadas", nas comunidades do subúrbio que vivem meses em guerra, nas escolas que não têm aulas por falta de segurança, nas ruas escuras em que não se pode circular por causa de assaltos, nas vítimas de balas perdidas, nas máfias de policiais que ampliam seu poder no estado, nas pessoas baleadas nas operações policiais...

Enfim, olhem a sua volta. Afinal, você está mais seguro?



Veja abaixo as últimas imagens de Gelson. É possível ver um vulto no canto esquerdo do vídeo (lado direito de quem está assistindo) do que parece ser o projétil que o atingiu, pouco antes de ele cair no chão com a câmera.


terça-feira, 25 de outubro de 2011

Pesquisador do Ipea usa matemática para descobrir 3 mil homicídios que não aparecem nas estatísticas de criminalidade do Rio

Nesta semana, o economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgou um estudo em que contesta as estatísticas de homicídio da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. O pesquisador informa que, desde 2007, primeiro ano do governo Sérgio Cabral, as mortes violentas sem intenção determinada (isto é, quando não são classificadas como agressões, suicídios ou acidentes) aumentaram de forma exponencial. Trata-se de um fenômeno quase que exclusivo do Rio de Janeiro, o estado “pacificado”.

Na verdade, a pesquisa é uma repercussão de um levantamento que eu fiz, em maio, para a Agência Brasil, com base em dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Reportagem que foi repercutida pelo jornal O Estado de S.Paulo, em junho.

Claro, Cerqueira deu também uma grande contribuição, ao aplicar um modelo matemático e estatístico para determinar quantas dessas mortes de intenção indeterminada seriam, na verdade, homicídios.

Eu, como jornalista desconfiado que sou, vivo fuçando os dados do SIM. Um belo dia, percebi que os dados enviados pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio ao Ministério da Saúde estavam “estatisticamente” estranhos. Não sou matemático ou estatístico, mas os anos que passei na escola técnica me ensinaram a fazer algumas contas.

Percebi que o número de homicídios do Rio de Janeiro estavam absurdamente baixos em 2009, tanto em relação aos outros estados quanto em relação aos próprios dados do Instituto de Segurança Pública (que, a meu ver, também vêm andando absurdamente baixos para o padrão fluminense).

Ao mesmo tempo, reparei que as mortes violentas sem intenção determinada estavam absurdamente altas. Ora, pensei. Tem algo cheirando mal por aqui. Olhei com mais calma os dados e percebi que coincidentemente, desde 2007 (ano zero d.C., isto é, depois de Cabral) as mortes violentas de intenção indeterminada vinham crescendo no estado, ao mesmo tempo em que dados de homicídio vinham convenientemente sendo reduzidos.

Ora, é muito conveniente parar de registrar cadáveres como homicídio e passar a registrá-los como mortes cuja intenção não “pôde ser” determinada. Mortes registradas sob essa categoria não incomodam o governo, afinal não aparecem nas estatísticas de criminalidade e dão a impressão ao eleitor (ops, ao cidadão) de que o Rio está sendo “pacificado”.

Na minha reportagem da Agência Brasil, não pude fazer qualquer análise interpretativa dos dados. Tive que me ater à crueza dos dados e a ouvir os lados envolvidos. No caso, ouvi um dos maiores especialistas em dados de criminalidade do Brasil, o professor Ignacio Cano, da Uerj, e a Secretaria de Saúde do Rio, responsável pelos dados, que surpreendentemente reconheceu que seus dados estavam “com problemas”.

A Secretaria disse que o problema, no entanto, advinha dos Institutos Médico-Legais, que não especificavam, no atestado de óbito da vítima, se ela fora morta acidentalmente, se ela fora assassinada ou se havia se suicidado.

No post que escrevi aqui no blog, pude fazer minhas considerações sobre os dados “problemáticos” da Secretaria de Saúde do Rio. Escrevi que havia indícios de manipulação das estatísticas e que, possivelmente, a culpada era a própria Secretaria. Afinal, em última instância, era ela a responsável por compilar os dados e repassá-los ao Ministério da Saúde.

Disse, em meu post, aqui no blog, que era muito conveniente, para o governo do estado do Rio, reduzir o número de homicídios através do aumento das mortes sem intenção determinada (uma categoria de mortes neutra, uma vez que não integra as estatísticas de criminalidade).

E, como a Secretaria de Saúde está a serviço do governo do Rio, era bem plausível que ela, cumprindo ordens superiores, manipulasse os dados de mortes violentas para evitar constrangimentos ao governador fluminense, Sérgio Cabral, e ao secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.

É claro que essa é apenas uma teoria. Não há como comprovar que a manipulação dos dados seja intencional. E, ainda que os dados sejam intencionalmente manipulados, não há como dizer quem são os responsáveis por isso.

Já Daniel Cerqueira acredita que a origem da distorção dos dados de mortes violentas está no trabalho dos peritos da Polícia Civil, cujo trabalho é determinar a causa e a intenção da morte. Sua hipótese é também bem baseada. Afinal, aos policiais civis, interessa que sejam registrados menos homicídios.

Quanto menos assassinatos forem registrados, mais se tem a impressão de que a polícia está no caminho certo. Se a polícia está no caminho certo, não há necessidades em fazer mudanças, em modificar comandos, em mexer em privilégios, em acabar com vícios.

E, desde julho de 2009, graças à política de metas da Secretaria de Segurança, menos assassinatos registrados também representam mais dinheiro no bolso dos policiais, já que aqueles policiais que alcançam as metas recebem gratificações em seus salários.

Faz sentido que policiais, sejam das delegacias sejam das unidades especializadas e técnicas, desejem registrar menos assassinatos. Além do mais, policiais podem querer acobertar atividades criminosas cometidas por colegas, que integrem máfias, milícias ou grupos de extermínio.

Há ainda a falta de pessoal, a carência de equipamentos e a ausência de programas de qualificação dos peritos. Tudo pode influenciar um trabalho mal feito dos peritos. Mas essa também é uma hipótese. Assim como a teoria da manipulação pela Secretaria de Saúde, não pode ser comprovada no momento.

Mas, neste momento, nem acho que seja tão importante descobrir a origem do problema (acho que isso seja importante, sim, num segundo momento, a fim de que o problema seja corrigido e os eventuais culpados, punidos).

O que é fato, inegável, é que os dados de mortes violentas no estado do Rio estão incorretos. Eles estão subestimando homicídios e superestimando as mortes sem intenção determinada. Se formos somar os homicídios com as mortes de intenção indeterminada no estado, não veremos qualquer evolução na segurança pública do Rio de Janeiro entre 2006 e 2009.

Em 2009, além dos mais de 5 mil assassinatos registrados como homicídios pela Secretaria de Saúde, Daniel Cerqueira encontrou outros 3 mil assassinatos que estavam “ocultos”, sob a nomenclatura de “mortes de intenção indeterminada”.

Independentemente de se a manipulação ocorre no departamento de polícia técnica ou na Secretaria de Saúde, o problema é do governo do estado (já que tanto a polícia técnica quanto a Secretaria de Saúde são subordinadas ao governo estadual).

Além disso, os dados nos mostram que o cenário de insegurança pública do Rio não teve nenhuma evolução no governo de Sérgio Cabral e na gestão de José Mariano Beltrame. Continuamos com números altíssimos de homicídios no estado, entre 2007 e 2009.

ps.: Li hoje que o secretário Beltrame disse ao Jornal O Globo que, depois da pesquisa do Ipea, resolveu analisar a fundo os dados de mortes violentas no estado. Segundo o Globo, Beltrame disse que a transparência dos dados de criminalidade é uma “prioridade” de seu governo.

Me responda uma coisa, Beltrame. Se eu, um pobre repórter, percebi que os dados de seu Instituto de Segurança e da Secretaria de Saúde eram uma lástima, como o senhor, o todo-poderoso czar da segurança pública, não tinha percebido isso ainda?

Foi preciso que um repórter do Globo ligasse para sua assessoria de imprensa, para que o senhor decidisse fazer uma devassa nos números? Ainda que o senhor, por conta própria ou com a ajuda de gabaritados técnicos de sua secretaria, não tivesse percebido as inconsistências dos dados da Saúde e do ISP, que vêm desde 2007, o senhor poderia ter lido a reportagem da Agência Brasil, que repercutiu em maio em diversos sites e jornais do país, ou a matéria do Estadão, publicada em junho.

sábado, 15 de outubro de 2011

Comentários sobre dados de violência em favelas "pacificadas" (ou seja, aquelas que têm destacamentos policiais dentro delas)

Há alguns dias, escrevi um artigo sobre as ocorrências criminais nas favelas "pacificadas" do Rio de Janeiro (ver post abaixo), entre janeiro de 2010 e junho de 2011. Na ocasião, me ative exclusivamente aos números e não fiz grandes reflexões sobre os dados.

Além da óbvia conclusão de que as favelas pacificadas continuam sendo áreas violentas (com 24 homicídios, 36 encontros de cadáveres e 132 tentativas de homicídios em 13 favelas, em um ano e meio), os dados lançam outras luzes sobre o processo de pacificação (luzes essas que, espero, estejam servindo para iluminar nossas autoridades de segurança).

Certa vez fui interpelado por uma assessora do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, dizendo que eu torcia pelo fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Respondi-lhe que não. Que, pelo contrário, torcia para que elas fizessem sucesso, afinal não pretendo me mudar do Rio de Janeiro e desejo que meus filhos e netos vivam em uma sociedade civilizada (na qual até hoje não tive oportunidade de viver).

Mas apenas acreditava que as UPPs não dariam certo e que as autoridades de segurança (confiantes em seu próprio sucesso) não estavam preparadas para adaptar o bem sucedido modelo das UPPs da zona sul ao processo de expansão do projeto, que incluiria novas e distintas comunidades (da Tijuca e, principalmente, do subúrbio).

Disse a ela que meu objetivo com o blog era não só ajudar a população a enxergar as UPPs como elas são, mas também contribuir construtivamente com o governo, através de minhas críticas, a melhorar o processo.

Não acreditar no sucesso de uma política é uma coisa. Torcer por seu fracasso é outra. Eu torço, do fundo do meu coração, para que eu esteja errado e que a política seja bem sucedida (afinal, não tenho nada a perder. Tenho minha profissão e não ganho qualquer dinheiro com esse blog). Mas infelizmente, até o momento (para desespero dos assessores governamentais que acompanham meu blog), a maioria das análises que fiz sobre as UPPs (e das coisas que eu previ) está se mostrando correta (até mesmo minha previsão sobre o fracasso da ocupação do Alemão).

E esse post vai nessa direção, de não só confirmar o que eu vinha alertando há tempos, como também de ajudar, com minhas críticas, a abrir o olho das autoridades de segurança (para que elas não sejam engolidas por sua própria soberba).

Os dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram conclusões interessantes. Os crimes violentos, por exemplo, são maiores nas favelas da Tijuca, Centro e zona oeste do que nas favelas da zona sul do Rio de Janeiro. E mesmo na Tijuca, a média de crimes violentos por favela é menor que no Centro e na zona oeste.

Enquanto nas quatro favelas da zona sul analisadas pela pesquisa (Dona Marta, Tabajaras, Babilônia/Chapéu Mangueira e Pavão) a média de homicídios por favela é de 0,5 homicídio, 5 tentativas de homicídio, 0,5 encontro de cadáver e 6,25 desaparecidos, nas seis favelas da Tijuca (Turano, Borel, Salgueiro, Formiga, Andaraí e Macacos), a média já sobe um pouco para 1 homicídio, 0,5 encontro de cadáver, 5 tentativas e 6,6 desaparecidos por favela.

Já a favela do Centro, o Morro da Providência, tem 3 homicídios, 9 cadáveres, 5 tentativas, 8 desaparecidos. Enquanto isso, as duas favelas da zona oeste (Cidade de Deus e Batan) têm uma média de 6 homicídios, 1 cadáver, 39 tentativas e 30,5 desaparecidos por favela (claro que a Cidade de Deus puxa bastante a média para o alto).

Outra conclusão é que as favelas maiores e com maior histórico de violência (entre bandidos e entre polícia e bandidos) têm maiores índices de violência. É o caso da Cidade de Deus, com 11 homicídios e 76 tentativas de homicídio).

Favelas pequenas, mas com histórico de violência, também aparecem com indicadores mais negativos, como é o caso da Providência (com três homicídios, nove encontros de cadáver e cinco tentativas de homicídio), Borel e Morro dos Macacos (com um homicídio, cada) e Ladeira dos Tabajaras (com dois). O Andaraí (com três homicídios registrados e mais dois ocorridos no entorno da favela) surge como uma surpresa, uma vez que não tem histórico de grande violência.

Já havia dito em posts anteriores que a UPP enfrentaria mais problemas quanto mais se expandisse para favelas maiores e para comunidades do subúrbio. As razões são claras. Territórios maiores oferecem mais desafios para ocupações militares. E favelas do subúrbio são mais próximas umas das outras (algo que não acontece na zona sul, mas que acontece na Tijuca).

Quando uma favela está pacificada, mas sua vizinha não está, há o desafio de controlar o trânsito de criminosos entre as duas favelas.

As comunidades do subúrbio, assim como a população do "asfalto" no subúrbio, está acostumada a receber menos atenção do Estado (aí está uma diferença para as favelas da Tijuca). A polícia sempre foi mais violenta nas áreas do subúrbio do que na zona sul e Tijuca.

Estudos de instituições como a Fundação Getulio Vargas já mostraram que há diferenças entre as condições sociais de moradores de favelas da zona sul (que vivem melhor) e moradores de favelas do subúrbio (que vivem pior).

Os índices de criminalidade do subúrbio sempre foram maiores que os da zona sul e da zona norte. Logo, é de se inferir que bandidos sempre atuaram de forma mais livre nas regiões mais pobres da cidade.

Ao tentar pacificar áreas maiores, mais próximas de outras favelas e com históricos de exclusão/desconfiança em relação ao Estado, a polícia enfrentará dificuldades cada vez maiores.

E a política de expansão das UPPs vem mostrando esse desafio. Se em 2009 e 2010 era difícil ver notícias sobre ocorrências violentas nas favelas "pacificadas", em 2011, começamos a perceber mais violência nessas áreas.

Se as autoridades públicas de segurança pretendem expandir a política de UPP para mais favelas do subúrbio (e de outras regiões do Rio) e para grandes favelas da zona sul (Rocinha e Vidigal), será preciso fazer mudanças profundas na estratégia de ocupação dessas comunidades.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Isso é que é pacificação: Em um ano e meio, 13 favelas com UPPs têm 24 assassinatos, 36 encontros de cadáveres, 132 tentativas de homicídio e mais de 140 desaparecidos

Em setembro eu estava de férias e, portanto, não analisei as estatísticas criminais relativas às áreas das 13 Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) mais antigas. Tampouco acompanhei a cobertura dada pela imprensa, na ocasião.

Apenas hoje pude dar uma olhada com calma nesses dados, divulgados na primeira quinzena de setembro. A ideia da Secretaria de Segurança, ao divulgar estes dados (referentes ao ano de 2010 e ao primeiro semestre de 2011), foi "comprovar" uma suposta queda dos homicídios nas áreas com UPPs no Rio de Janeiro.

Afinal, naquele período, sucessivas ocorrências criminais colocavam em cheque a eficácia da política de "pacificação" do nosso secretário-celebridade José Mariano Beltrame. Era preciso "inventar" rapidamente uma pesquisa que salvasse um pouco da combalida imagem das UPPs.

No entanto, estranhamente, apesar do alardeado pelo release à imprensa, não foram divulgadas as ocorrências criminais dos anos pré-UPP (2007, 2008 e, no caso de algumas favelas, 2009), para que a gente pudesse compará-los e verificar, por nós mesmos, a propagandeada queda.

Pessoalmente, acredito até que tenha havido queda nos indicadores criminais. Coloque meia dúzia de policiais onde não havia nenhum e você verá uma mudança na dinâmica criminal local. Mas eu gostaria de ver, por mim mesmo, qual foi a real dimensão dessa redução nos crimes.

Passada a desilusão inicial, já que eu não poderia exercitar minha capacidade comparativa, resolvi analisar a crueza dos dados absolutos desse período de um ano e meio abarcado pelo levantamento do Instituto de Segurança Pública (ISP)

Vamos então às conclusões encontradas nessa pesquisa (que, lembremos, tinha objetivo de mostrar que as favelas ocupadas por UPPs estavam mais "seguras"). Entre janeiro de 2010 e junho de 2011, ocorreram nas 13 favelas "pacificadas" nada menos do que 24 assassinatos, 36 encontros de cadáveres (na maioria das vezes, assassinatos que a polícia não quer registrar como tal), 132 tentativas de homicídio e 142 desaparecimentos de pessoas.

Ei, espera aí, deixa eu repetir os dados devagar, para que você absorva: 24 assassinatos, 36 encontros de cadáveres, 132 tentativas de homicídio e 142 pessoas desaparecidas.

Nada mal para uma região PACIFICADA, não? E olha que não estão incluídos os homicídios ocorridos no entorno dessas favelas (e provavelmente provocados por bandidos que ainda controlam as atividades criminosas dentro das comunidades com UPP).

Pelo menos 11 assassinatos ocorridos em ruas próximas ao Batan neste ano foram convenientemente retirados das estatísticas divulgadas inicialmente, depois que o comando das UPPs reclamou com o ISP. Dois mototaxistas executados, também neste ano, nas proximidades do Morro do Andaraí pelos bandidos que controlam a venda de drogas da favela tampouco aparecem na estatística do ISP.

Ou seja, poderíamos estar falando de 37 homicídios, em vez dos 24. Mas mesmo se formos considerar o conveniente número de 24 assassinatos (bem como os 36 encontros de cadáveres, 132 tentativas de homicídio e 142 pessoas desaparecidas), os dados absolutos são surpreendentes.

Apenas a favela da Cidade de Deus (considerada a mais problemática até agora), teve 11 assassinatos e mais 70 tentativas de homicídio no decorrer deste período. No Morro da Providência (cuja UPP foi inaugurada em abril de 2010), foram três homicídios e nove (isso mesmo, NOVE) encontros de cadáveres, entre abril de 2010 e junho deste ano. Na UPP do Borel (inaugurada em junho do ano passado): um homicídio, um cadáver e 12 "desaparecidos" em um ano.

No Pavão-Pavãozinho, não foram registrados homicídios. Mas isso ocorreu mais por sorte das vítimas do que por competência da UPP, já que houve 11 tentativas de assassinato na comunidade. Na UPP do Turano, inaugurada no final de setembro de 2010, a mesma coisa: 13 tentativas de homicídio entre outubro de 2010 e junho de 2011.

E, apesar do ISP não nos ter presenteado com dados de 2007, 2008 e 2009, pude fazer algumas comparações, já que algumas UPPs foram sendo inauguradas ao longo de 2010. Seguem as comparações:

No Andaraí, cuja UPP foi inaugurada em julho de 2010, houve, no primeiro semestre daquele ano (período sem UPP), um homicídio, nenhuma tentativa de homicídio e um desaparecido. No segundo semestre de 2010, já com UPP, foram três homicídios, três tentativas de homicídio e dois desaparecidos. No primeiro semestre deste ano, houve os dois homicídios que não constam nas estatísticas, uma tentativa de homicídio e cinco desaparecidos.

Não sei quanto a vocês, mas o Andaraí não me parece mais seguro depois da UPP.

Vamos ao Borel, cuja UPP foi inaugurada em junho de 2010. De janeiro a junho (período sem UPP), não foram registrados homicídios, houve uma tentativa de homicídio, um encontro de cadáver e cinco desaparecidos. No segundo semestre de 2010, já com UPP, a favela teve um homicídio, duas tentativas de homicídio, um encontro de cadáver e sete desaparecidos. No primeiro semestre de 2011, não houve cadáveres, homicídios ou tentativas, mas foram registrados quatro desaparecidos.

Também me parece que o Borel não está mais seguro que antes.

Vamos ao Morro dos Macacos, que ganhou uma UPP em dezembro de 2010 (mas que foi ocupado pela polícia em outubro daquele ano). No primeiro semestre, foram um assassinato e dois desaparecidos (nenhum encontro de cadáver ou tentativa). No primeiro semestre deste ano (já com UPP), foram um assassinato e seis desaparecidos. Se for levar em consideração os meses de outubro a dezembro de 2010, quando a polícia já estava no Macacos, foram mais dois assassinatos, um encontro de cadáver e duas tentativas de homicídio.

Me responda: com base na frieza dos números, diante desses dados, você se sentiria mais seguro com UPP ou sem UPP?

No Morro da Formiga, que ganhou UPP em julho de 2010, nenhum homicídio, tentativa de assassinato ou encontro de cadáver no primeiro semestre. No segundo semestre, já com a favela "pacificada", ainda nenhum homicídio ou cadáver, mas já aparecem quatro tentativas de homicídio. Neste ano, nenhum homicídio ou tentativa, mas houve um encontro de cadáver. Um homem assassinado dentro de casas a tiros, em agosto deste ano, não aparece ainda nas estatísticas.

Cade a pacificação no Morro da Formiga?

O Turano, que foi ocupado em agosto e recebeu UPP no final de setembro de 2010, não apresenta grandes diferenças. Teve um primeiro semestre de 2010 sem ocorrências criminais violentas. Em agosto, na primeira fase da ocupação policial, foram dois assassinatos e uma tentativa. Neste ano, sem ocorrências também.

O Salgueiro, que foi "brindado" com uma UPP em agosto de 2010, teve um homicídio no primeiro semestre do ano passado e nenhum assassinato no segundo semestre de 2010 ou no primeiro semestre deste ano. Êêêê!!! Quer dizer então que encontramos uma favela que ficou mais segura com a UPP? Bem. Eu não diria isso, no primeiro semestre de 2010, não houve nenhuma tentativa de homicídio ou encontro de cadáver. Já no segundo semestre, houve duas tentativas de homicídio (já com a UPP) e um encontro de cadáver. No primeiro semestre deste ano, nenhuma ocorrência.

Bem, era isso que eu queria apresentar a vocês. Espero que vocês reflitam sobre esses dados. E aguardo, com ansiedade, os dados referentes a 2007, 2008 e 2009, para poder fazer uma comparação mais ampla. Também espero os dados das novas UPPs (São Carlos, Engenho Novo e Rio Comprido).

Ministérios negociam aumento do efetivo das polícias Federal e Rodoviária

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse nesta segunda-feira (10) que está negociando com o Ministério do Planejamento, nesta semana, o aumento do efetivo das polícias Federal e Rodoviária Federal. Segundo ele, os planos nacionais de policiamento de fronteiras, de combate às drogas e de grandes eventos (esses dois últimos a serem lançados) precisarão de grande efetivo de policiais federais e rodoviários.

“Haverá, sim, realização de concursos para provimento de cargos. O objetivo é preencher o maior número de cargos possível, dentro das nossas condições orçamentárias. Para isso, preciso de avaliação financeira do Ministério do Planejamento”

Como o aumento do efetivo ainda está sendo negociado com o Ministério do Planejamento, Cardozo não quis antecipar o número de vagas que serão abertas, mas garantiu que, em breve, haverá concursos para as polícias Federal e Rodoviária Federal.

Em coletiva hoje no Rio, o ministro disse também que, por conta do efetivo reduzido, a Polícia Federal não é capaz de garantir a segurança de todas as autoridades estaduais e federais. Segundo ele, é preciso conversar com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e encontrar uma solução para o problema, tendo em vista o recente assassinato da juíza estadual Patrícia Acioli e a ameaça ao deputado estadual fluminense Marcelo Freixo.

“Pretendo dialogar bastante com o CNJ para que possamos ter uma política comum em relação a isso. Nossos efetivos da Polícia Federal não são suficientes para que se possa fazer toda uma cobertura em território nacional de autoridades estaduais. Até para as federais, temos insuficiência. Então, temos que ter uma política de Estado para isso”, acrescentou.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

Ministério da Justiça prepara estatuto para segurança privada

O Ministério da Justiça está preparando projeto de lei com um estatuto da segurança privada, informou nesta segunda-feira (10) o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Segundo ele, é preciso criar novos critérios para as empresa de vigilância e garantir uma fiscalização mais eficaz sobre o segmento.

“É de fundamental importância que a gente corrija situações que hoje existem. Temos empresas que atuam sem o mínimo de capacitação técnica, dificultando inclusive a fiscalização. Temos que dar um balizamento normativo muito claro em relação ao que pode e ao que deve fazer a vigilância privada. Temos que ser bastante rigorosos no treinamento daquelas pessoas que atuam em vigilância privada. E temos que aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização sobre essa atividade”, disse.

Um texto preliminar preparado pela Polícia Federal, órgão responsável pela fiscalização da segurança privada no país, está sendo analisado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. O projeto ainda será encaminhado à Presidência da República e, posteriormente, ao Congresso Nacional, para ser aprovado.

“A segurança privada tem um papel importante, mas tem que ser um papel muito bem marcado por regras, por normas e por condições que possam fazer dela uma atividade segura e bem fiscalizada pelo Poder Público”, acrescentou.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Governo deixará de repassar verbas para a área de segurança a estados que não informarem dados corretos sobre crimes

Será que as manobras estatísticas do Rio de Janeiro vão acabar?


O governo federal deixará de repassar verbas destinadas à área de segurança pública aos estados que não informarem corretamente as estatísticas sobre a criminalidade, disse hoje (10) o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Segundo ele, a decisão constará de medida provisória que será assinada pela presidenta Dilma Rousseff criando o sistema nacional de estatística e informação em segurança pública.

“Obrigaremos os estados a repassarem informações dentro de um padrão metodológico que nos permita termos ciência, o mais próximo do tempo real, da ocorrência da criminalidade. Os estados que não repassarem essas informações não receberão do governo federal verbas da segurança pública”, disse Cardozo.

Segundo o ministro, o país não dispõe hoje de dados nacionais confiáveis para saber “onde e com que intensidade” ocorrem os crimes. Por isso, o Ministério da Justiça precisa recorrer a estatísticas do Ministério da Saúde, que não são ideais para trabalhar em segurança pública - não distinguem, por exemplo, homicídios culposos e dolosos (quando há a intenção de matar) e não mostram roubos. Além disso, eles são divulgados com defasagem de mais de dois anos. Os dados consolidados mais recentes, por exemplo, são de 2008.

* As perguntas são: será que o Ministério da Justiça auditará esses dados? Se forem constatadas irregularidades nos dados criminais do Rio, será que o Ministério da Justiça cortará as verbas para o estado do Rio ou a aliança política entre o governador Sérgio Cabral e o governo de Dilma Rousseff falará mais alto?

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Esquema de sonegação de impostos envolvia policiais federais e servidores da Receita

Três policiais federais e 12 servidores da Receita são acusados de integrar o núcleo de uma quadrilha que sonegava impostos de mercadorias estrangeiras no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro. Suspeita-se de que o esquema, que funcionava há mais de dois anos, tenha beneficiado mais de 100 pessoas e provocado prejuízos de cerca de R$ 150 milhões por ano.

De acordo com o delegado federal Marcelo Freitas, coordenador da operação desencadeada ontem (1º) contra a quadrilha, as fraudes ocorriam de três formas. Um dos esquemas se utilizava do correio.

Empresários e pessoas físicas compravam produtos no exterior e enviavam, pelo correio, para o Brasil. Por meio de declarações falsas de conteúdo, era possível evitar o pagamento dos impostos. A fiscalização não era feita pelos servidores da Receita.

Outra forma de sonegar impostos era enviar produtos por meio de passageiros, chamados de “astronautas”. O dono das mercadorias ligava para os fiscais da Receita e avisava quem era o “astronauta” que chegaria ao aeroporto. Os agentes, então, deixavam de fiscalizar as mercadorias. Já os policiais federais faziam o chamado “atendimento VIP”, em que escoltavam o passageiro para agilizar os processos de imigração e de aduana.

Em outro esquema, servidores públicos e empregados de empresas prestadoras de serviço no aeroporto desviavam mercadorias em benefício próprio ou de conhecidos. “Eram esquemas diferentes, mas a investigação conseguiu identificar uma organização criminosa, que, de maneira estruturada, atuava no Aeroporto Tom Jobim, justamente com esse propósito, de trazer ao Brasil mercadorias dos Estados Unidos, em especial de Miami”, disse o delegado.

De acordo com Marcelo Freitas, os servidores e empresários são acusados de formação de quadrilha, descaminho, falsidade ideológica, facilitação de descaminho, corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo ele, a Polícia Federal pediu a prisão preventiva dos 15 servidores e de mais sete pessoas, mas a Justiça não aceitou o pedido.

A Polícia Federal informou que os três agentes acusados de integrar o esquema foram transferidos do aeroporto, mas não foram afastados de suas funções. Conforme a Receita, que ajudou nas investigações, entre os 12 investigados, dois pediram aposentadoria, mas alguns continuam trabalhando no aeroporto, fora do setor de fiscalização.

Tanto a Polícia Federal quanto a Receita abriram procedimentos administrativos contra os servidores, que podem resultar em afastamento e até expulsão.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Inspeção constata superlotação e precariedade de serviços em cadeias do Rio de Janeiro

Superlotação, atendimento médico deficiente, estrutura precária, falta de atendimento jurídico e inexistência de projetos de educação e trabalho para os presos. Estes foram alguns dos problemas constatados em inspeção feitas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em oito unidades prisionais do Rio de Janeiro, em julho deste ano.

O relatório da vistoria foi apresentado hoje (30) em audiência pública, no Rio. Entre as unidades visitadas, cinco eram carceragens da Polícia Civil, que estão em processo de desativação, e três eram presídios.

Segundo a juíza paranaense Christine Bittencourt, uma das responsáveis pela inspeção no Rio, a pior situação é a do Presídio Ary Franco, na capital fluminense, considerado a porta de entrada para o sistema penitenciário do estado. Desde o processo de desativação das carceragens da Polícia Civil, iniciado em março deste ano, o Presídio Ary Franco tem sido sofrido com a superlotação.

A unidade tem capacidade para 558 presos, mas, no momento da fiscalização, havia 1.422 detentos. Além de problemas físicos de uma construção que tem quase 40 anos e não está com a manutenção em dia, os presos ocupavam em celas em condições insalubres.

De acordo com a juíza, alguns presos estavam em uma ala sem ventilação ou luz natural. Os membros do Conselho Penitenciário receberam denúncias sobre concessão de privilégios a presos integrantes de milícias, que exercem “forte controle” sobre a penitenciária.

Tanto no Ary Franco quanto em outras unidades prisionais visitadas, problemas comuns detectados foram a ausência de atendimento médico adequado e a inexistência de projetos educacionais e laborais, que ocasionam a ociosidade dos detentos.

Uma das unidades visitadas pelo conselho, a Cadeia Pública de Bandeira Stampa, em Bangu, construída em março deste ano, apresentava, dois meses depois, inúmeros problemas estruturais, como entupimento da rede de esgoto e rachaduras nas paredes.

Segundo a juíza, não houve melhoria em relação à última vistoria do conselho às prisões do estado, feita em 2008. Ao contrário, a situação só piorou, uma vez que antes de 2008, o Rio de Janeiro era considerado exemplar nessa área.

“Para mim não melhorou nada [desde 2008]. Os presos continuam na ociosidade. Piorou o sistema de saúde, afinal, encontramos muito mais presos doentes. E uma unidade, inaugurada em março, já está danificada. A empresa a construiu com materiais de quinta categoria”, disse a juíza e conselheira.

Outro problema grave constatado pela vistoria foi a carência de atendimento jurídico para os detentos de carceragens e presídios. Muitos detentos disseram que não conseguem acompanhar seu processo na Justiça. Em algumas unidades, foram encontrados detentos que deveriam estar cumprindo pena em regime aberto, mas que estão há meses em regime fechado.

O subsecretário estadual de Unidades Prisionais do Rio, Sauler Sakalem, reconheceu que há problemas nas prisões fluminenses, mas disse que muita coisa melhorou nos últimos anos. “O problema dessas fiscalizações é que elas só mostram coisas ruins, mas tem muita coisa boa acontecendo no sistema”, disse ele, durante a audiência pública.

Segundo Sakalem, o problema da superlotação é resultado da política de desativação das carceragens policiais. Há quatro anos não eram construídos novos presídios, mas, neste ano, já foram inauguradas duas unidades, ressaltou.

Sobre as denúncias de tratamento médico inadequado, o subsecretário disse que é preciso contratar profissionais de saúde para os presídios e hospitais penais. Quanto aos problemas estruturais do Bandeira Stampa, Sakalem destacou que já haviam sido detectados pela Secretaria de Administração Penitenciária, que tenta solucioná-los.

Quanto ao Presídio Ary Franco, Sakalem negou que milicianos ou quaisquer presos tenham controle da cadeia ou privilégios.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

PM vai investigar se munições usadas para matar juíza foram desviadas da corporação

O comandante da Polícia Militar (PM) do Rio, coronel Mário Sérgio Duarte, disse hoje (22) que a corporação vai investigar informações de que parte das munições usadas para matar a juíza Patrícia Acioli foi desviada da corporação. Segundo reportagem de hoje do jornal O Dia, uma perícia da Polícia Civil revelou que as balas calibre 40 que atingiram a magistrada no último dia 12 pertencem a um lote comprado pela PM.

Segundo o comandante, a Polícia Militar já trabalhava, desde o primeiro momento, com a hipótese de que o crime possa ter contado com a participação de PMs, uma vez que a juíza, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, era conhecida por condenar agentes do Estado envolvidos em assassinatos e em grupos criminosos.

Para o coronel, se o desvio de munição for confirmado, a PM terá certeza que o assassinato teve a participação de policiais militares. “Se de fato ficar confirmado que foram encontradas pela perícia munições desviadas da Polícia Militar, isso reforça ainda mais a participação de policiais militares no crime. Ainda que não possamos garantir que houve a participação no homicídio em si, mas [houve a participação], no mínimo, em alguma fase da preparação do crime”, disse ele.

De acordo com Mário Sérgio Duarte, a Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, que investiga o caso, ainda não solicitou oficialmente à Polícia Militar, informações sobre o lote de munições supostamente desviado. “Assim que for solicitado, nós daremos a informação imediatamente, com a maior prioridade possível”, disse.

O comandante disse ainda que a Polícia Militar tem tentado melhorar seus mecanismos de controle sobre as armas e munições da corporação. Recentemente, segundo ele, foi determinada a realização de uma recontagem de todas as armas e munições da PM no Rio.

Segundo Duarte, a PM recebeu do Tribunal de Justiça uma lista de todos os policiais militares do Batalhão de São Gonçalo que são réus em processos da Justiça estadual. O coronel explicou que a lista, que contém “algumas dezenas” de nomes, será analisada com calma, a fim de que se possa decidir se há necessidade da transferência desses policiais para outros batalhões.

“Se houver necessidade de fazermos mudanças, ainda que o número [de policiais a serem transferidos] seja muito grande, nós iremos fazê-las. Se a orientação do tribunal for no sentido de trocar todos aqueles policiais, eles serão transferidos para outros batalhões”, acrescentou.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

sábado, 20 de agosto de 2011

A verdade sobre a UPP: Um histórico dos registros de violência e de confrontos armados nas favelas "pacificadas"

Nas últimas semanas, temos visto uma grande quantidade de ocorrências criminais violentas nas comunidades "pacificadas" do Rio de Janeiro. Minha impressão é que, a cada dia que passa, os criminosos percebem que a polícia não tem (como provavelmente nunca teve) o controle efetivo das favelas e que, por isso, podem voltar a atuar da forma antiga, portando armas e ameaçando a vida dos moradores.

Bem, é o risco em se apostar numa política de segurança pública que tem a ocupação territorial militar como principal (por que não dizer ÚNICO?) componente.

Como eu sou, conhecidamente, um crítico dessa política publicitária do governo fluminense resolvi sistematizar essas ocorrências de violência em um post.

Meu objetivo é que você, leitor e cidadão, leia essa "cronologia de eventos" e reflita: afinal que grande diferença essa política trouxe para a vida dos cariocas? Antes de ler, tenha em mente que o governador Sérgio Cabral e o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, passaram dois anos e meio se gabando do fato de que as UPPs supostamente acabavam com a criminalidade armada dentro das favelas.


20 de agosto de 2011 - Ocorrências de tiroteios no Morro da Formiga e um assassinato ocorrido no dia 17 levam policiais da UPP e do Bope a realizar operações nessa comunidade e nas favelas do Turano e do Salgueiro. A polícia informou que o objetivo da ação era "prender BANDIDOS que estão AMEAÇANDO moradores" dessas favelas. O Turano e o Salgueiro foram ocupados em setembro de 2010 e a Formiga, em julho daquele ano.

18 de agosto de 2011 - Policiais trocam tiros com bandido no Morro do São Carlos, ocupado por uma UPP em maio deste ano.

17 de agosto - Homem é assassinado a tiros dentro de casa no Morro da Formiga.

15 de agosto de 2011 - Bandidos e policiais trocam tiros (à moda antiga) no Morro do São Carlos.

14 de agosto de 2011 - No Morro do Turano, policiais da UPP tentam resolver uma reclamação de som alto e se envolvem em confusão com moradores. Ao se recusar a interromper o baile funk, os participantes da festa recebem a polícia com garrafadas, pedradas e pauladas. Policiais respondem com armas não letais. O saldo: quatro feridos (entre eles três policiais) e 13 presos.

14 de agosto de 2011 - Taxista é assassinado a tiros, durante tentativa de assalto, em um dos acessos ao Morro da Baiana, no Complexo do Alemão. A favela ainda não tem UPP, mas o Exército ocupa a comunidade desde novembro de 2010. O governador Sérgio Cabral vem dizendo que a favela já está "livre de bandidos" desde o início da ocupação.

11 de agosto de 2011 - Policiais da UPP do Morro da Coroa, inaugurada em fevereiro deste ano, prendem QUATRO pessoas, com DUAS pistolas e DUAS granadas e drogas.

6 de agosto de 2011 - Policiais prendem homem armado com revólver num dos acessos ao Morro do Salgueiro.

6 de agosto de 2011 - Policiais prendem jovem de 16 anos com DUAS granadas no Morro da Coroa.

30 de julho de 2011 - No Morro da Mineira, ocupado em maio deste ano, uma jovem de 20 anos foi assassinada com um corte na garganta.

28 de julho de 2011 - Ex-líder comunitário é assassinado a tiros durante uma festa no Morro dos Macacos, ocupado desde novembro de 2010. A execução ocorreu próxima a sede da UPP na favela.

15 de julho de 2011 - Bandidos armados invadem e saqueiam sede de ONG dentro do Morro do Adeus, no Complexo do Alemão.

14 de julho de 2011 - Mulher é encontrada morta com um tiro no rosto, dentro da Cidade de Deus, favela ocupada por uma UPP desde fevereiro de 2009.

29 de junho de 2011 - Em entrevista à imprensa, o secretário Beltrame admite, pela primeira vez, que UPPs não estão conseguindo impedir a ação de homens armados dentro de favelas supostamente pacificadas.

27 de junho de 2011 - Dois mototaxistas são executados a tiros em um dos acessos ao Morro do Andaraí, por criminosos da favela. Segundo a polícia, a morte foi uma represália da quadrilha porque os dois (provavelmente confiando na eficácia das UPPs) se recusavam a pagar taxa imposta pelos criminosos. Ou seja, apesar da favela ter sido ocupada em julho de 2010 (ou seja, um ano antes), os criminosos ainda mantinham controle sobre moradores.

27 de junho de 2011 - Comandante das UPP, Robson Rodrigues, é a primeira autoridade a admitir que favelas "pacificadas" ainda têm pontos críticos, sobre os quais a polícia não consegue exercer controle e onde bandidos andam armados.

25 de junho de 2011 - Policiais da UPP do Morro da Coroa são feridos durante confronto armado com criminosos. Bandidos jogaram granada contra os PMs e trocaram tiros com os policiais.

12 de junho de 2011 - Policiais matam homem na comunidade do Pavão-Pavãozinho, ocupada por uma UPP desde dezembro de 2009. Polícia diz que homem era bandido, mas família diz que ele não era criminoso e foi executado pelos PMs.

3 de maio de 2011 - Reportagem da Folha de S.Paulo revela que policiais de UPP estão extorquindo moradores do Morro do Borel, ocupado desde junho de 2010, à moda das milícias.

Maio de 2011 - Família, ameaçada por criminosos do Complexo do Alemão, é obrigada a sair de sua casa com escolta policial. Duas semanas antes, um homem havia sido assassinado com 13 TIROS na favela Nova Brasília, no complexo.

7 de março de 2011 - Homem é morto pela polícia no Morro do Andaraí, supostamente depois de tentar jogar granada contra policiais da UPP.

22 de janeiro de 2011 - Homem é assassinado a tiros dentro da Cidade de Deus.

*post alterado às 7h35 de domingo (21/09/2011) para correção e acréscimo de informações


terça-feira, 16 de agosto de 2011

Anistia Internacional diz que assassinato de juíza expõe graves problemas de segurança pública no Rio (algo que o blog vem tentando mostrar há meses)

A execução da juíza Patrícia Acioli expõe “os profundos problemas de corrupção policial e de crime organizado” no Rio de Janeiro, segundo nota divulgada hoje (16) pela Anistia Internacional.

A magistrada, que trabalhava na Vara Criminal de São Gonçalo, no Grande Rio, foi morta com 21 tiros na noite de quinta-feira (11), no município de Niterói.

“A morte de uma juíza que estava simplesmente realizando seu trabalho foi um golpe no Estado de Direito e no sistema judicial no Brasil”, diz, por meio da nota, o representante da Anistia Internacional no Brasil, Patrick Wilcken. “As autoridades precisam fazer uma investigação profunda e independente para levar os responsáveis à Justiça.”

De acordo com a Anistia Internacional, não basta julgar os culpados pelo crime. As autoridades federais, estaduais e municipais precisam dar proteção aos envolvidos na investigação e no julgamento de policiais corruptos e quadrilhas.

Na nota, a Anistia Internacional assinala que Patrícia julgava, há anos, processos sobre crimes cometidos por grupos de extermínios, milícias e quadrilhas de traficantes que agem na região metropolitana do Rio de Janeiro. A juíza foi responsável pela condenação de cerca de 60 policiais envolvidos em atividades criminosas.

Embora mais de 500 milicianos tenham sido presos e da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, em 2008, pela Assembleia Legislativa do Rio, pouco foi feito para combater as atividades econômicas ilegais que abastecem esses grupos no estado, destaca a nota da Anistia Internacional.

“A polícia e as autoridades municipais e estaduais têm fechado os olhos para as grandes redes de serviços de transporte, gás e telecomunicações mantidos pelas milícias, que continuam a operar impunemente no Rio”, disse Patrick Wilcken, por meio da nota. Para ele, é necessário reprimir o mercado ilegal que sustenta a corrupção policial e o crime organizado no Rio de Janeiro.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Favelas "pacificadas" do Rio de Janeiro têm noite e madrugada de violência

Pelo menos três ocorrências de violência foram registradas em favelas "pacificadas" da cidade do Rio de Janeiro entre a noite de ontem (14) e a madrugada de hoje (15). No Complexo do Alemão, favela da zona norte da cidade ocupada pelo Exército desde novembro do ano passado, um taxista foi assassinado por volta da meia-noite de ontem.

Segundo a Polícia Militar, o taxista Alexandre da Graça foi abordado e morto por homens armados na Rua Roberto Silva, nas proximidades do Morro da Baiana, uma das favelas que integram o complexo. A suspeita é que ele tenha sido vítima de assalto.

O Exército ocupa temporariamente os Complexos do Alemão e da Penha até que seja instalada uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na área.

No Morro do Turano, na Tijuca, favela da zona norte ocupada por uma UPP desde setembro do ano passado, policiais e moradores se enfrentaram por conta de uma festa na comunidade.

De acordo com a assessoria de imprensa da UPP, policiais chegaram ao local da festa depois de receberem reclamações por conta do barulho, pouco antes da meia-noite. A polícia tentou convencer os organizadores da festa a reduzir o volume do som, mas não obteve sucesso.

A situação fugiu do controle e um confronto foi iniciado no local. Segundo a polícia, os moradores agrediram os policiais com pedras, pedaços de pau e garrafas e os PMs responderam com disparos de armas não letais. Policiais do Batalhão de Choque foram chamados para conter o tumulto. Três soldados ficaram feridos e 13 pessoas foram detidas.

Já na madrugada de hoje, policiais trocaram tiros com criminosos armados no Morro do São Carlos, favela da região central da cidade ocupada por uma UPP há três meses. Ninguém ficou ferido, mas policiais do Batalhão de Choque também foram chamados para reforçar o policiamento do local. Segundo a assessoria de imprensa da UPP, buscas estão sendo feitas na comunidade para tentar localizar os criminosos.

As UPPs foram criadas em 2008, com o objetivo de ocupar favelas do estado e acabar com o controle desses territórios por quadrilhas armadas. Dezessete áreas da cidade, que incluem cerca de 50 favelas, já foram ocupadas por UPPs.

No entanto, ocorrências recentes de violência mostram que a atuação de criminosos armados nessas áreas continua. Entre os casos ocorridos nos últimos meses, estão o ferimento de policiais por uma explosão de granada no Morro da Coroa e a execução de dois mototaxistas no Morro do Andaraí, ocorridos em junho, além dos assassinatos de uma mulher na Cidade de Deus e de um líder comunitário no Morro dos Macacos, em julho.

Em entrevistas à Agência Brasil em junho deste ano, tanto o comandante das UPPs, coronel Robson Rodrigues, quanto o secretário estadual de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, reconheceram que as UPPs não têm conseguido impedir a atuação de homens armados dentro das favelas pacificadas.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

domingo, 14 de agosto de 2011

O assassinato da juíza: uma reflexão sobre o poder do Estado em controlar o crime

Demorei um pouco a escrever sobre o caso do assassinato da juíza Patricia Acioli porque,na verdade, não sabia por onde começar. Eu fui colega de classe da magistrada em 2008, quando frequentamos juntos o curso de pós-graduação em segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Assim como fui colega do promotor e da defensora pública que atuavam em sua vara.

Não tivemos muito contato durante o curso e devemos ter trocado apenas uma meia dúzia de palavras durante todo o ano letivo. Mas lembro que nutria uma extrema admiração pelo trabalho que ela realizava à frente da 4a Vara Criminal de São Gonçalo, a segunda cidade mais populosa do estado do Rio e, sem dúvida, uma das mais violentas.

Não a conhecia antes do curso. Mas, durante as aulas da UFF, fiquei sabendo, através dos demais colegas, que a juíza era incansável em sua "luta" contra a violência policial naquela cidade. Enfim, ela era uma verdadeira algoz dos policiais matadores de São Gonçalo.

Lembro que, na época, fiquei admirado de como uma mulher poderia ser tão destemida em um país onde a regra é a covardia e a corrupção. Qualquer outra pessoa (eu, inclusive) teria temores de retaliação.

Não quero aqui exaltar a juíza, ou torná-la uma heroína, uma santa. Quero dizer que a admirava porque ela apenas executava seu trabalho (algo que deveria ser esperado de todos os juízes brasileiros), aparentemente com seriedade, e se posicionava contra uma prática doentia (o extermínio praticado por policiais).

Ao tomar conhecimento do assassinato da magistrada, ao chegar na redação na sexta-feira pela manhã, fiquei chocado. Choquei-me, afinal, porque eu a conhecia (não tinha intimidade com ela, mas havia sido seu colega e a tinha no meu ciclo de amizades no Facebook). Mas choquei-me também porque sua execução foi algo covarde (como é a maioria das execuções praticadas por grupos de extermínio) e porque aquela ocorrência tinha um peso simbólico muito grande.

Execuções de juízes não são comuns na história brasileira (apesar de já terem ocorrido algumas). Talvez o sejam em narcoestados como o México de hoje ou a Colômbia da época de Pablo Escobar, ou em lugares onde o crime organizado está entranhado na política local, como o sul da Itália.

O Brasil é um país violento. Extremamente violento, se formos considerar que nosso país não está em guerra (regular ou civil). Anualmente temos algo em torno de 48 mil a 50 mil homicídios registrados em nosso país. Apenas o Rio de Janeiro responde por mais de 10% dessas mortes.

Estamos acostumados a ver confrontos armados em favelas, trocas de tiros nas ruas, assaltos, sequestros, invasões de casas, agressões, torturas, ameaças etc. Não nos chocamos ao encontrar corpos crivados de balas nas ruas da periferia.

Mas não estamos acostumados a ver o Estado sendo ameaçado. É muito ruim quando vemos que uma instituição estatal é impedida de realizar suas funções, através da ameaça física de suas autoridades.

A criminalidade no Brasil, por enquanto, ainda não consegue impedir a atuação das instituições. O Estado brasileiro ainda tem o "potencial" controle da situação diante da criminalidade armada.

Mesmo quando o Estado aparentemente não tem qualquer controle sobre a situação de violência epidêmica que atinge o país, as instituições estatais conseguem, quando assim o desejam, assumir as rédeas (ainda que sempre de forma precária, temporária).

Tomemos, por exemplo, a onda de violência que atingiu o estado do Rio de Janeiro no final do ano passado. A onda de ataques de criminosos mostrou que as autoridades não tinham o efetivo controle da segurança pública fluminense.

No entanto, mesmo com a revelação das deficiências das nossas políticas de segurança, o Estado precisou reagir (e mostrar à população que tinha o controle) e realizou a ocupação do Complexo do Alemão, interrompendo os ataques criminosos.

Isto é, o Estado tem o poder de controlar a situação, mas, por incompetência de seus gestores e servidores, permite que as coisas fiquem descontroladas a maior parte do tempo (vide os assaltos, arrastões, tiroteios, assassinatos rotineiros nas cidades brasileiras).

E, quando é exigido, pela opinião pública, que a ordem seja reestabelecida, o Estado mostra que é mais poderoso do que os grupos criminosos.

Mas, até quando o Estado pode se dar ao luxo de retomar as rédeas da situação sempre que a conjuntura o exigir? Será que, de tanto deixar tudo correr frouxo, o Estado não está perdendo a capacidade de reagir e retomar o controle?

É isso que pode acontecer no nosso país (ou pelo menos no nosso estado, o Rio de Janeiro). Quando magistrados começam a ser executados por tentarem desarticular grupos criminosos e jornalistas começam a sofrer atentados (vide o caso do blogueiro Ricardo Gama), eu começo a me preocupar.

Se o Estado começar a se mostrar mais fraco do que os grupos criminosos, poderemos entrar numa situação de caos. O Estado não será mais capaz de retomar o controle quando o desejar. E aqueles agentes do Estado que tentarem mostrar força perante os criminosos serão eliminados.

A atuação cada vez maior de milícias, grupos de extermínio e outros tipos de máfias armadas que contam com a participação de agentes do Estado é um fator que contribui para esse enfraquecimento das instituições estatais perante o crime organizado.

As investigações policiais ainda estão no início, mas tudo leva a crer que a juíza Patricia Acioli foi morta porque tentou acabar coma atuação de grupos de extermínio/máfias e retomar o controle estatal sobre São Gonçalo.

O Estado e a sociedade brasileiros (e fluminenses) devem tomar cuidado com esse perigoso jogo de perder e retomar o controle da situação, porque um dia o crime organizado pode estar forte o suficiente para não devolver o comando para as instituições estatais.

Sim, pior que está pode ficar...