O Morro da Serrinha, tradicional terra do jongo em Madureira, na zona norte do Rio, tem vivido sob intensos tiroteios nos últimos dias. Essa é apenas mais uma ocorrência de violência no cotidiano do nosso Rio de Janeiro.
Cidadãos são obrigados a conviver com balas zunindo em seus ouvidos, quando não sofrem com experiências mais radicais, como projéteis perfurando seus corpos ou até mesmo tirando suas vidas.
A história desses confrontos na Serrinha começa há muitos meses atrás. Pelo menos desde o inicio do ano, duas facções rivais vem disputando o controle da venda de drogas na Serrinha. Nada diferente do que ocorre em diversos pontos do estado do Rio de Janeiro, sem que o Estado ou a sociedade tomem atitudes concretas para impedir isso.
Situação semelhante de confrontos ocorreu, por exemplo, recentemente no morro vizinho do Juramento, onde a Cruz Vermelha (entidade especializada em atuar em zonas de guerra) tem uma base.
No último domingo (31), dia do segundo turno das eleições, diante dos tiroteios que atingiram a Serrinha durante a madrugada, fui ao local para ver se isso prejudicaria a votação na região.
Fui à escola Carmela Dutra e a Univercidade na Avenida Edgard Romero. E tudo estava tranquilo. Os eleitores votavam normalmente.
Busquei saber se existiam seções eleitorais mais próximas da Serrinha, para saber se locais de votação mais perto do local de confronto haviam sido afetados pelo confronto armado.
Minha ideia era ver se o processo democrático brasileiro estava sendo atrapalhado pela falta de democracia nas áreas carentes do Rio de Janeiro. Nas eleições de 2006, já havia presenciado tal situação absurda, quando seções eleitorais do Complexo da Maré fecharam suas portas durante um tiroteio na favela.
Moradores me indicaram que havia escolas na boca da favela que funcionavam como locais de votação. Fui então até a entrada da Serrinha para tentar localizar uma seção que pudesse ter sido afetada pelos confrontos.
A busca me levou até a entrada da favela, na Rua Pescador Josino. Não encontrei o tal local de votação (encontrei apenas uma escola fechada, a Escola Municipal Darcy do Jongo), mas pude constatar mais uma vez a realidade crua das áreas controladas por criminosos no Rio de Janeiro.
Logo depois da escola, a rua era bloqueada com barricadas. Aqueles objetos jogados no meio da rua não apenas impediam que nosso carro progredisse por aquele caminho, aquilo simbolizava uma fronteira: o asfalto e a Serrinha, onde o Estado não faz questão de se fazer presente.
Eu estava um pouco nervoso por estar por ali. Afinal, poucas horas antes, duas quadrilhas haviam travado uma encarniçada disputa armada pelo território. Os nervos dos bandidos ali naquela favela estavam a flor da pele.
Eu e o motorista paramos o carro de reportagem (caracterizado com o logo da TV Brasil) pouco antes da barricada. Saí do carro e olhei em volta. Não havia sinal de qualquer local de votação naquela área.
Olhei para as barricadas e, mesmo sob aquela tensão, pude imaginar: aquelas barricadas também mostravam um outro Brasil. Enquanto 130 milhões de brasileiros escolhiam seu governante democraticamente. Além da barricada, a disputa pelo poder não se dava pelas urnas, mas pelas armas. Ali nenhum morador escolhia a autoridade local pelo voto.
Mesmo nos poucos minutos que passamos no local, tentando encontrar o tal local de votação que, segundo disseram ficava por ali, passamos a ser observados. As autoridades locais perceberam que havia ali um carro de reportagem não autorizado.
Uma moto passou ao lado do nosso carro, com dois homens (provavelmente integrantes da quadrilha local). Um deles apontou para o nosso carro e alertou o colega da nossa presença.
Percebi que corríamos risco ali. Desisti de localizar o local de votação, entrei no carro e orientei o motorista a dar meia volta e sair daquela No Man`s Land. Senti que a qualquer momento seríamos abordados ou algo pior.
Voltei para o asfalto. Na minha mente, ficava apenas refletindo sobre aquilo. “Esse é o Rio pacificado de Sergio Cabral?”
Dias antes eu tinha passado pela Vila Vintém. Também vi a mesma barricada. Já tinha feito uma reflexão semelhante. Definitivamente, com exceção de poucas favelas da Tijuca e da zona sul, nada mudou no Rio de Janeiro. O Estado e a sociedade continuam anestesiados perante essa realidade esdrúxula que permeia o estado.
E, como já disse por aqui, não é uma UPP que vai resolver o problema. A sociedade, a política, o Estado e a polícia precisam mudar. Mudar suas atitudes, seus métodos, seus padrões, suas prioridadades.
O Rio continua o mesmo. Infelizmente. Serrinha e Vila Vintém são apenas duas das mais de 1.500 favelas do Estado que vivem essa realidade.
A população não consegue enxergar isso. Pelo menos cinco milhões de pessoas não conseguiram enxergar isso e reelegeram o nosso governador, que não fez nada (ou fez muito pouco) para resolver isso. Governador esse que não coloca os pés nessas comunidades e não faz questão nenhuma de resolver o problema delas.
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