terça-feira, 30 de agosto de 2011

Inspeção constata superlotação e precariedade de serviços em cadeias do Rio de Janeiro

Superlotação, atendimento médico deficiente, estrutura precária, falta de atendimento jurídico e inexistência de projetos de educação e trabalho para os presos. Estes foram alguns dos problemas constatados em inspeção feitas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em oito unidades prisionais do Rio de Janeiro, em julho deste ano.

O relatório da vistoria foi apresentado hoje (30) em audiência pública, no Rio. Entre as unidades visitadas, cinco eram carceragens da Polícia Civil, que estão em processo de desativação, e três eram presídios.

Segundo a juíza paranaense Christine Bittencourt, uma das responsáveis pela inspeção no Rio, a pior situação é a do Presídio Ary Franco, na capital fluminense, considerado a porta de entrada para o sistema penitenciário do estado. Desde o processo de desativação das carceragens da Polícia Civil, iniciado em março deste ano, o Presídio Ary Franco tem sido sofrido com a superlotação.

A unidade tem capacidade para 558 presos, mas, no momento da fiscalização, havia 1.422 detentos. Além de problemas físicos de uma construção que tem quase 40 anos e não está com a manutenção em dia, os presos ocupavam em celas em condições insalubres.

De acordo com a juíza, alguns presos estavam em uma ala sem ventilação ou luz natural. Os membros do Conselho Penitenciário receberam denúncias sobre concessão de privilégios a presos integrantes de milícias, que exercem “forte controle” sobre a penitenciária.

Tanto no Ary Franco quanto em outras unidades prisionais visitadas, problemas comuns detectados foram a ausência de atendimento médico adequado e a inexistência de projetos educacionais e laborais, que ocasionam a ociosidade dos detentos.

Uma das unidades visitadas pelo conselho, a Cadeia Pública de Bandeira Stampa, em Bangu, construída em março deste ano, apresentava, dois meses depois, inúmeros problemas estruturais, como entupimento da rede de esgoto e rachaduras nas paredes.

Segundo a juíza, não houve melhoria em relação à última vistoria do conselho às prisões do estado, feita em 2008. Ao contrário, a situação só piorou, uma vez que antes de 2008, o Rio de Janeiro era considerado exemplar nessa área.

“Para mim não melhorou nada [desde 2008]. Os presos continuam na ociosidade. Piorou o sistema de saúde, afinal, encontramos muito mais presos doentes. E uma unidade, inaugurada em março, já está danificada. A empresa a construiu com materiais de quinta categoria”, disse a juíza e conselheira.

Outro problema grave constatado pela vistoria foi a carência de atendimento jurídico para os detentos de carceragens e presídios. Muitos detentos disseram que não conseguem acompanhar seu processo na Justiça. Em algumas unidades, foram encontrados detentos que deveriam estar cumprindo pena em regime aberto, mas que estão há meses em regime fechado.

O subsecretário estadual de Unidades Prisionais do Rio, Sauler Sakalem, reconheceu que há problemas nas prisões fluminenses, mas disse que muita coisa melhorou nos últimos anos. “O problema dessas fiscalizações é que elas só mostram coisas ruins, mas tem muita coisa boa acontecendo no sistema”, disse ele, durante a audiência pública.

Segundo Sakalem, o problema da superlotação é resultado da política de desativação das carceragens policiais. Há quatro anos não eram construídos novos presídios, mas, neste ano, já foram inauguradas duas unidades, ressaltou.

Sobre as denúncias de tratamento médico inadequado, o subsecretário disse que é preciso contratar profissionais de saúde para os presídios e hospitais penais. Quanto aos problemas estruturais do Bandeira Stampa, Sakalem destacou que já haviam sido detectados pela Secretaria de Administração Penitenciária, que tenta solucioná-los.

Quanto ao Presídio Ary Franco, Sakalem negou que milicianos ou quaisquer presos tenham controle da cadeia ou privilégios.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

PM vai investigar se munições usadas para matar juíza foram desviadas da corporação

O comandante da Polícia Militar (PM) do Rio, coronel Mário Sérgio Duarte, disse hoje (22) que a corporação vai investigar informações de que parte das munições usadas para matar a juíza Patrícia Acioli foi desviada da corporação. Segundo reportagem de hoje do jornal O Dia, uma perícia da Polícia Civil revelou que as balas calibre 40 que atingiram a magistrada no último dia 12 pertencem a um lote comprado pela PM.

Segundo o comandante, a Polícia Militar já trabalhava, desde o primeiro momento, com a hipótese de que o crime possa ter contado com a participação de PMs, uma vez que a juíza, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, era conhecida por condenar agentes do Estado envolvidos em assassinatos e em grupos criminosos.

Para o coronel, se o desvio de munição for confirmado, a PM terá certeza que o assassinato teve a participação de policiais militares. “Se de fato ficar confirmado que foram encontradas pela perícia munições desviadas da Polícia Militar, isso reforça ainda mais a participação de policiais militares no crime. Ainda que não possamos garantir que houve a participação no homicídio em si, mas [houve a participação], no mínimo, em alguma fase da preparação do crime”, disse ele.

De acordo com Mário Sérgio Duarte, a Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, que investiga o caso, ainda não solicitou oficialmente à Polícia Militar, informações sobre o lote de munições supostamente desviado. “Assim que for solicitado, nós daremos a informação imediatamente, com a maior prioridade possível”, disse.

O comandante disse ainda que a Polícia Militar tem tentado melhorar seus mecanismos de controle sobre as armas e munições da corporação. Recentemente, segundo ele, foi determinada a realização de uma recontagem de todas as armas e munições da PM no Rio.

Segundo Duarte, a PM recebeu do Tribunal de Justiça uma lista de todos os policiais militares do Batalhão de São Gonçalo que são réus em processos da Justiça estadual. O coronel explicou que a lista, que contém “algumas dezenas” de nomes, será analisada com calma, a fim de que se possa decidir se há necessidade da transferência desses policiais para outros batalhões.

“Se houver necessidade de fazermos mudanças, ainda que o número [de policiais a serem transferidos] seja muito grande, nós iremos fazê-las. Se a orientação do tribunal for no sentido de trocar todos aqueles policiais, eles serão transferidos para outros batalhões”, acrescentou.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

sábado, 20 de agosto de 2011

A verdade sobre a UPP: Um histórico dos registros de violência e de confrontos armados nas favelas "pacificadas"

Nas últimas semanas, temos visto uma grande quantidade de ocorrências criminais violentas nas comunidades "pacificadas" do Rio de Janeiro. Minha impressão é que, a cada dia que passa, os criminosos percebem que a polícia não tem (como provavelmente nunca teve) o controle efetivo das favelas e que, por isso, podem voltar a atuar da forma antiga, portando armas e ameaçando a vida dos moradores.

Bem, é o risco em se apostar numa política de segurança pública que tem a ocupação territorial militar como principal (por que não dizer ÚNICO?) componente.

Como eu sou, conhecidamente, um crítico dessa política publicitária do governo fluminense resolvi sistematizar essas ocorrências de violência em um post.

Meu objetivo é que você, leitor e cidadão, leia essa "cronologia de eventos" e reflita: afinal que grande diferença essa política trouxe para a vida dos cariocas? Antes de ler, tenha em mente que o governador Sérgio Cabral e o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, passaram dois anos e meio se gabando do fato de que as UPPs supostamente acabavam com a criminalidade armada dentro das favelas.


20 de agosto de 2011 - Ocorrências de tiroteios no Morro da Formiga e um assassinato ocorrido no dia 17 levam policiais da UPP e do Bope a realizar operações nessa comunidade e nas favelas do Turano e do Salgueiro. A polícia informou que o objetivo da ação era "prender BANDIDOS que estão AMEAÇANDO moradores" dessas favelas. O Turano e o Salgueiro foram ocupados em setembro de 2010 e a Formiga, em julho daquele ano.

18 de agosto de 2011 - Policiais trocam tiros com bandido no Morro do São Carlos, ocupado por uma UPP em maio deste ano.

17 de agosto - Homem é assassinado a tiros dentro de casa no Morro da Formiga.

15 de agosto de 2011 - Bandidos e policiais trocam tiros (à moda antiga) no Morro do São Carlos.

14 de agosto de 2011 - No Morro do Turano, policiais da UPP tentam resolver uma reclamação de som alto e se envolvem em confusão com moradores. Ao se recusar a interromper o baile funk, os participantes da festa recebem a polícia com garrafadas, pedradas e pauladas. Policiais respondem com armas não letais. O saldo: quatro feridos (entre eles três policiais) e 13 presos.

14 de agosto de 2011 - Taxista é assassinado a tiros, durante tentativa de assalto, em um dos acessos ao Morro da Baiana, no Complexo do Alemão. A favela ainda não tem UPP, mas o Exército ocupa a comunidade desde novembro de 2010. O governador Sérgio Cabral vem dizendo que a favela já está "livre de bandidos" desde o início da ocupação.

11 de agosto de 2011 - Policiais da UPP do Morro da Coroa, inaugurada em fevereiro deste ano, prendem QUATRO pessoas, com DUAS pistolas e DUAS granadas e drogas.

6 de agosto de 2011 - Policiais prendem homem armado com revólver num dos acessos ao Morro do Salgueiro.

6 de agosto de 2011 - Policiais prendem jovem de 16 anos com DUAS granadas no Morro da Coroa.

30 de julho de 2011 - No Morro da Mineira, ocupado em maio deste ano, uma jovem de 20 anos foi assassinada com um corte na garganta.

28 de julho de 2011 - Ex-líder comunitário é assassinado a tiros durante uma festa no Morro dos Macacos, ocupado desde novembro de 2010. A execução ocorreu próxima a sede da UPP na favela.

15 de julho de 2011 - Bandidos armados invadem e saqueiam sede de ONG dentro do Morro do Adeus, no Complexo do Alemão.

14 de julho de 2011 - Mulher é encontrada morta com um tiro no rosto, dentro da Cidade de Deus, favela ocupada por uma UPP desde fevereiro de 2009.

29 de junho de 2011 - Em entrevista à imprensa, o secretário Beltrame admite, pela primeira vez, que UPPs não estão conseguindo impedir a ação de homens armados dentro de favelas supostamente pacificadas.

27 de junho de 2011 - Dois mototaxistas são executados a tiros em um dos acessos ao Morro do Andaraí, por criminosos da favela. Segundo a polícia, a morte foi uma represália da quadrilha porque os dois (provavelmente confiando na eficácia das UPPs) se recusavam a pagar taxa imposta pelos criminosos. Ou seja, apesar da favela ter sido ocupada em julho de 2010 (ou seja, um ano antes), os criminosos ainda mantinham controle sobre moradores.

27 de junho de 2011 - Comandante das UPP, Robson Rodrigues, é a primeira autoridade a admitir que favelas "pacificadas" ainda têm pontos críticos, sobre os quais a polícia não consegue exercer controle e onde bandidos andam armados.

25 de junho de 2011 - Policiais da UPP do Morro da Coroa são feridos durante confronto armado com criminosos. Bandidos jogaram granada contra os PMs e trocaram tiros com os policiais.

12 de junho de 2011 - Policiais matam homem na comunidade do Pavão-Pavãozinho, ocupada por uma UPP desde dezembro de 2009. Polícia diz que homem era bandido, mas família diz que ele não era criminoso e foi executado pelos PMs.

3 de maio de 2011 - Reportagem da Folha de S.Paulo revela que policiais de UPP estão extorquindo moradores do Morro do Borel, ocupado desde junho de 2010, à moda das milícias.

Maio de 2011 - Família, ameaçada por criminosos do Complexo do Alemão, é obrigada a sair de sua casa com escolta policial. Duas semanas antes, um homem havia sido assassinado com 13 TIROS na favela Nova Brasília, no complexo.

7 de março de 2011 - Homem é morto pela polícia no Morro do Andaraí, supostamente depois de tentar jogar granada contra policiais da UPP.

22 de janeiro de 2011 - Homem é assassinado a tiros dentro da Cidade de Deus.

*post alterado às 7h35 de domingo (21/09/2011) para correção e acréscimo de informações


terça-feira, 16 de agosto de 2011

Anistia Internacional diz que assassinato de juíza expõe graves problemas de segurança pública no Rio (algo que o blog vem tentando mostrar há meses)

A execução da juíza Patrícia Acioli expõe “os profundos problemas de corrupção policial e de crime organizado” no Rio de Janeiro, segundo nota divulgada hoje (16) pela Anistia Internacional.

A magistrada, que trabalhava na Vara Criminal de São Gonçalo, no Grande Rio, foi morta com 21 tiros na noite de quinta-feira (11), no município de Niterói.

“A morte de uma juíza que estava simplesmente realizando seu trabalho foi um golpe no Estado de Direito e no sistema judicial no Brasil”, diz, por meio da nota, o representante da Anistia Internacional no Brasil, Patrick Wilcken. “As autoridades precisam fazer uma investigação profunda e independente para levar os responsáveis à Justiça.”

De acordo com a Anistia Internacional, não basta julgar os culpados pelo crime. As autoridades federais, estaduais e municipais precisam dar proteção aos envolvidos na investigação e no julgamento de policiais corruptos e quadrilhas.

Na nota, a Anistia Internacional assinala que Patrícia julgava, há anos, processos sobre crimes cometidos por grupos de extermínios, milícias e quadrilhas de traficantes que agem na região metropolitana do Rio de Janeiro. A juíza foi responsável pela condenação de cerca de 60 policiais envolvidos em atividades criminosas.

Embora mais de 500 milicianos tenham sido presos e da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, em 2008, pela Assembleia Legislativa do Rio, pouco foi feito para combater as atividades econômicas ilegais que abastecem esses grupos no estado, destaca a nota da Anistia Internacional.

“A polícia e as autoridades municipais e estaduais têm fechado os olhos para as grandes redes de serviços de transporte, gás e telecomunicações mantidos pelas milícias, que continuam a operar impunemente no Rio”, disse Patrick Wilcken, por meio da nota. Para ele, é necessário reprimir o mercado ilegal que sustenta a corrupção policial e o crime organizado no Rio de Janeiro.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Favelas "pacificadas" do Rio de Janeiro têm noite e madrugada de violência

Pelo menos três ocorrências de violência foram registradas em favelas "pacificadas" da cidade do Rio de Janeiro entre a noite de ontem (14) e a madrugada de hoje (15). No Complexo do Alemão, favela da zona norte da cidade ocupada pelo Exército desde novembro do ano passado, um taxista foi assassinado por volta da meia-noite de ontem.

Segundo a Polícia Militar, o taxista Alexandre da Graça foi abordado e morto por homens armados na Rua Roberto Silva, nas proximidades do Morro da Baiana, uma das favelas que integram o complexo. A suspeita é que ele tenha sido vítima de assalto.

O Exército ocupa temporariamente os Complexos do Alemão e da Penha até que seja instalada uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na área.

No Morro do Turano, na Tijuca, favela da zona norte ocupada por uma UPP desde setembro do ano passado, policiais e moradores se enfrentaram por conta de uma festa na comunidade.

De acordo com a assessoria de imprensa da UPP, policiais chegaram ao local da festa depois de receberem reclamações por conta do barulho, pouco antes da meia-noite. A polícia tentou convencer os organizadores da festa a reduzir o volume do som, mas não obteve sucesso.

A situação fugiu do controle e um confronto foi iniciado no local. Segundo a polícia, os moradores agrediram os policiais com pedras, pedaços de pau e garrafas e os PMs responderam com disparos de armas não letais. Policiais do Batalhão de Choque foram chamados para conter o tumulto. Três soldados ficaram feridos e 13 pessoas foram detidas.

Já na madrugada de hoje, policiais trocaram tiros com criminosos armados no Morro do São Carlos, favela da região central da cidade ocupada por uma UPP há três meses. Ninguém ficou ferido, mas policiais do Batalhão de Choque também foram chamados para reforçar o policiamento do local. Segundo a assessoria de imprensa da UPP, buscas estão sendo feitas na comunidade para tentar localizar os criminosos.

As UPPs foram criadas em 2008, com o objetivo de ocupar favelas do estado e acabar com o controle desses territórios por quadrilhas armadas. Dezessete áreas da cidade, que incluem cerca de 50 favelas, já foram ocupadas por UPPs.

No entanto, ocorrências recentes de violência mostram que a atuação de criminosos armados nessas áreas continua. Entre os casos ocorridos nos últimos meses, estão o ferimento de policiais por uma explosão de granada no Morro da Coroa e a execução de dois mototaxistas no Morro do Andaraí, ocorridos em junho, além dos assassinatos de uma mulher na Cidade de Deus e de um líder comunitário no Morro dos Macacos, em julho.

Em entrevistas à Agência Brasil em junho deste ano, tanto o comandante das UPPs, coronel Robson Rodrigues, quanto o secretário estadual de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, reconheceram que as UPPs não têm conseguido impedir a atuação de homens armados dentro das favelas pacificadas.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

domingo, 14 de agosto de 2011

O assassinato da juíza: uma reflexão sobre o poder do Estado em controlar o crime

Demorei um pouco a escrever sobre o caso do assassinato da juíza Patricia Acioli porque,na verdade, não sabia por onde começar. Eu fui colega de classe da magistrada em 2008, quando frequentamos juntos o curso de pós-graduação em segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Assim como fui colega do promotor e da defensora pública que atuavam em sua vara.

Não tivemos muito contato durante o curso e devemos ter trocado apenas uma meia dúzia de palavras durante todo o ano letivo. Mas lembro que nutria uma extrema admiração pelo trabalho que ela realizava à frente da 4a Vara Criminal de São Gonçalo, a segunda cidade mais populosa do estado do Rio e, sem dúvida, uma das mais violentas.

Não a conhecia antes do curso. Mas, durante as aulas da UFF, fiquei sabendo, através dos demais colegas, que a juíza era incansável em sua "luta" contra a violência policial naquela cidade. Enfim, ela era uma verdadeira algoz dos policiais matadores de São Gonçalo.

Lembro que, na época, fiquei admirado de como uma mulher poderia ser tão destemida em um país onde a regra é a covardia e a corrupção. Qualquer outra pessoa (eu, inclusive) teria temores de retaliação.

Não quero aqui exaltar a juíza, ou torná-la uma heroína, uma santa. Quero dizer que a admirava porque ela apenas executava seu trabalho (algo que deveria ser esperado de todos os juízes brasileiros), aparentemente com seriedade, e se posicionava contra uma prática doentia (o extermínio praticado por policiais).

Ao tomar conhecimento do assassinato da magistrada, ao chegar na redação na sexta-feira pela manhã, fiquei chocado. Choquei-me, afinal, porque eu a conhecia (não tinha intimidade com ela, mas havia sido seu colega e a tinha no meu ciclo de amizades no Facebook). Mas choquei-me também porque sua execução foi algo covarde (como é a maioria das execuções praticadas por grupos de extermínio) e porque aquela ocorrência tinha um peso simbólico muito grande.

Execuções de juízes não são comuns na história brasileira (apesar de já terem ocorrido algumas). Talvez o sejam em narcoestados como o México de hoje ou a Colômbia da época de Pablo Escobar, ou em lugares onde o crime organizado está entranhado na política local, como o sul da Itália.

O Brasil é um país violento. Extremamente violento, se formos considerar que nosso país não está em guerra (regular ou civil). Anualmente temos algo em torno de 48 mil a 50 mil homicídios registrados em nosso país. Apenas o Rio de Janeiro responde por mais de 10% dessas mortes.

Estamos acostumados a ver confrontos armados em favelas, trocas de tiros nas ruas, assaltos, sequestros, invasões de casas, agressões, torturas, ameaças etc. Não nos chocamos ao encontrar corpos crivados de balas nas ruas da periferia.

Mas não estamos acostumados a ver o Estado sendo ameaçado. É muito ruim quando vemos que uma instituição estatal é impedida de realizar suas funções, através da ameaça física de suas autoridades.

A criminalidade no Brasil, por enquanto, ainda não consegue impedir a atuação das instituições. O Estado brasileiro ainda tem o "potencial" controle da situação diante da criminalidade armada.

Mesmo quando o Estado aparentemente não tem qualquer controle sobre a situação de violência epidêmica que atinge o país, as instituições estatais conseguem, quando assim o desejam, assumir as rédeas (ainda que sempre de forma precária, temporária).

Tomemos, por exemplo, a onda de violência que atingiu o estado do Rio de Janeiro no final do ano passado. A onda de ataques de criminosos mostrou que as autoridades não tinham o efetivo controle da segurança pública fluminense.

No entanto, mesmo com a revelação das deficiências das nossas políticas de segurança, o Estado precisou reagir (e mostrar à população que tinha o controle) e realizou a ocupação do Complexo do Alemão, interrompendo os ataques criminosos.

Isto é, o Estado tem o poder de controlar a situação, mas, por incompetência de seus gestores e servidores, permite que as coisas fiquem descontroladas a maior parte do tempo (vide os assaltos, arrastões, tiroteios, assassinatos rotineiros nas cidades brasileiras).

E, quando é exigido, pela opinião pública, que a ordem seja reestabelecida, o Estado mostra que é mais poderoso do que os grupos criminosos.

Mas, até quando o Estado pode se dar ao luxo de retomar as rédeas da situação sempre que a conjuntura o exigir? Será que, de tanto deixar tudo correr frouxo, o Estado não está perdendo a capacidade de reagir e retomar o controle?

É isso que pode acontecer no nosso país (ou pelo menos no nosso estado, o Rio de Janeiro). Quando magistrados começam a ser executados por tentarem desarticular grupos criminosos e jornalistas começam a sofrer atentados (vide o caso do blogueiro Ricardo Gama), eu começo a me preocupar.

Se o Estado começar a se mostrar mais fraco do que os grupos criminosos, poderemos entrar numa situação de caos. O Estado não será mais capaz de retomar o controle quando o desejar. E aqueles agentes do Estado que tentarem mostrar força perante os criminosos serão eliminados.

A atuação cada vez maior de milícias, grupos de extermínio e outros tipos de máfias armadas que contam com a participação de agentes do Estado é um fator que contribui para esse enfraquecimento das instituições estatais perante o crime organizado.

As investigações policiais ainda estão no início, mas tudo leva a crer que a juíza Patricia Acioli foi morta porque tentou acabar coma atuação de grupos de extermínio/máfias e retomar o controle estatal sobre São Gonçalo.

O Estado e a sociedade brasileiros (e fluminenses) devem tomar cuidado com esse perigoso jogo de perder e retomar o controle da situação, porque um dia o crime organizado pode estar forte o suficiente para não devolver o comando para as instituições estatais.

Sim, pior que está pode ficar...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Para impedir assalto, PM enche ônibus de tiro e fere quatro inocentes. Bandidos não atiraram contra policiais

A Polícia Militar reconheceu hoje (10) que os criminosos que sequestraram um ônibus na noite de ontem (9), no centro do Rio, não atiraram contra os policiais. Segundo o comandante da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, os tiros foram disparados pelos próprios agentes com o objetivo de atingir o pneu do veículo e impedi-lo de se movimentar. Pelo menos 16 tiros atingiram os pneus e a lataria do ônibus.

Seis pessoas ficaram feridas durante a tentativa da PM de evitar o sequestro, incluindo um dos suspeitos. O comandante da PM reconheceu o erro dos policiais. Segundo ele, de acordo com o protocolo de ação da corporação, os agentes não podem atirar em pneus para impedir a movimentação de veículos suspeitos. O procedimento normal é fazer um bloqueio na rua.

“A rigor, aqueles tiros não deveriam ter acontecido. Nos nossos protocolos nós não estabelecemos tiros em pneus de carros. Então nós temos que analisar essa impropriedade dos tiros nos pneus, até porque não temos como garantir que os tiros vão acertar os pneus”, disse.

Segundo a polícia, quatro assaltantes entraram em um ônibus no centro da cidade na noite de ontem. O motorista do coletivo avisou a policiais que, inicialmente, tentaram entrar no veículo e impedir a ação. Ao perceberem que os bandidos estavam armados, os policiais recuaram e pediram reforços.

A Polícia Militar montou um primeiro bloqueio e conseguiu parar o ônibus. Nesse momento, o motorista teria conseguido fugir. Os assaltantes então obrigaram um dos passageiros a assumir a direção e a furar o bloqueio.

No momento em que o coletivo fugia do cerco policial, agentes atiraram contra o ônibus para tentar atingir o pneu e parar o veículo, apesar de os criminosos não terem atirado contra os PMs. Com os pneus e a lataria avariada, o coletivo parou em um segundo bloqueio preparado pela polícia no final da rua.

Durante a ação, um assaltante foi baleado e quatro pessoas foram feridas por balas perdidas. Um dos feridos é um policial militar que estava de folga e esperava um ônibus para voltar para casa. Três passageiros também ficaram feridos, entre eles, uma mulher que levou um tiro no tórax e está internada em estado grave.

Apesar de apenas a polícia ter atirado contra o ônibus, o comandante da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, disse que é prematuro dizer que as vítimas foram baleadas pelos policiais. Segundo ele, é preciso esperar a perícia. Cinco pistolas de policiais foram apreendidas e serão periciadas.

A sexta vítima foi um motorista que teve seu carro abordado durante a tentativa de fuga de um dos assaltantes. Como não conseguiu roubar o carro, o criminoso atirou contra a vítima.

Três suspeitos se entregaram depois de uma negociação com agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM.