Demorei um pouco a escrever sobre o caso do assassinato da juíza Patricia Acioli porque,na verdade, não sabia por onde começar. Eu fui colega de classe da magistrada em 2008, quando frequentamos juntos o curso de pós-graduação em segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Assim como fui colega do promotor e da defensora pública que atuavam em sua vara.
Não tivemos muito contato durante o curso e devemos ter trocado apenas uma meia dúzia de palavras durante todo o ano letivo. Mas lembro que nutria uma extrema admiração pelo trabalho que ela realizava à frente da 4a Vara Criminal de São Gonçalo, a segunda cidade mais populosa do estado do Rio e, sem dúvida, uma das mais violentas.
Não a conhecia antes do curso. Mas, durante as aulas da UFF, fiquei sabendo, através dos demais colegas, que a juíza era incansável em sua "luta" contra a violência policial naquela cidade. Enfim, ela era uma verdadeira algoz dos policiais matadores de São Gonçalo.
Lembro que, na época, fiquei admirado de como uma mulher poderia ser tão destemida em um país onde a regra é a covardia e a corrupção. Qualquer outra pessoa (eu, inclusive) teria temores de retaliação.
Não quero aqui exaltar a juíza, ou torná-la uma heroína, uma santa. Quero dizer que a admirava porque ela apenas executava seu trabalho (algo que deveria ser esperado de todos os juízes brasileiros), aparentemente com seriedade, e se posicionava contra uma prática doentia (o extermínio praticado por policiais).
Ao tomar conhecimento do assassinato da magistrada, ao chegar na redação na sexta-feira pela manhã, fiquei chocado. Choquei-me, afinal, porque eu a conhecia (não tinha intimidade com ela, mas havia sido seu colega e a tinha no meu ciclo de amizades no Facebook). Mas choquei-me também porque sua execução foi algo covarde (como é a maioria das execuções praticadas por grupos de extermínio) e porque aquela ocorrência tinha um peso simbólico muito grande.
Execuções de juízes não são comuns na história brasileira (apesar de já terem ocorrido algumas). Talvez o sejam em narcoestados como o México de hoje ou a Colômbia da época de Pablo Escobar, ou em lugares onde o crime organizado está entranhado na política local, como o sul da Itália.
O Brasil é um país violento. Extremamente violento, se formos considerar que nosso país não está em guerra (regular ou civil). Anualmente temos algo em torno de 48 mil a 50 mil homicídios registrados em nosso país. Apenas o Rio de Janeiro responde por mais de 10% dessas mortes.
Estamos acostumados a ver confrontos armados em favelas, trocas de tiros nas ruas, assaltos, sequestros, invasões de casas, agressões, torturas, ameaças etc. Não nos chocamos ao encontrar corpos crivados de balas nas ruas da periferia.
Mas não estamos acostumados a ver o Estado sendo ameaçado. É muito ruim quando vemos que uma instituição estatal é impedida de realizar suas funções, através da ameaça física de suas autoridades.
A criminalidade no Brasil, por enquanto, ainda não consegue impedir a atuação das instituições. O Estado brasileiro ainda tem o "potencial" controle da situação diante da criminalidade armada.
Mesmo quando o Estado aparentemente não tem qualquer controle sobre a situação de violência epidêmica que atinge o país, as instituições estatais conseguem, quando assim o desejam, assumir as rédeas (ainda que sempre de forma precária, temporária).
Tomemos, por exemplo, a onda de violência que atingiu o estado do Rio de Janeiro no final do ano passado. A onda de ataques de criminosos mostrou que as autoridades não tinham o efetivo controle da segurança pública fluminense.
No entanto, mesmo com a revelação das deficiências das nossas políticas de segurança, o Estado precisou reagir (e mostrar à população que tinha o controle) e realizou a ocupação do Complexo do Alemão, interrompendo os ataques criminosos.
Isto é, o Estado tem o poder de controlar a situação, mas, por incompetência de seus gestores e servidores, permite que as coisas fiquem descontroladas a maior parte do tempo (vide os assaltos, arrastões, tiroteios, assassinatos rotineiros nas cidades brasileiras).
E, quando é exigido, pela opinião pública, que a ordem seja reestabelecida, o Estado mostra que é mais poderoso do que os grupos criminosos.
Mas, até quando o Estado pode se dar ao luxo de retomar as rédeas da situação sempre que a conjuntura o exigir? Será que, de tanto deixar tudo correr frouxo, o Estado não está perdendo a capacidade de reagir e retomar o controle?
É isso que pode acontecer no nosso país (ou pelo menos no nosso estado, o Rio de Janeiro). Quando magistrados começam a ser executados por tentarem desarticular grupos criminosos e jornalistas começam a sofrer atentados (vide o caso do blogueiro Ricardo Gama), eu começo a me preocupar.
Se o Estado começar a se mostrar mais fraco do que os grupos criminosos, poderemos entrar numa situação de caos. O Estado não será mais capaz de retomar o controle quando o desejar. E aqueles agentes do Estado que tentarem mostrar força perante os criminosos serão eliminados.
A atuação cada vez maior de milícias, grupos de extermínio e outros tipos de máfias armadas que contam com a participação de agentes do Estado é um fator que contribui para esse enfraquecimento das instituições estatais perante o crime organizado.
As investigações policiais ainda estão no início, mas tudo leva a crer que a juíza Patricia Acioli foi morta porque tentou acabar coma atuação de grupos de extermínio/máfias e retomar o controle estatal sobre São Gonçalo.
O Estado e a sociedade brasileiros (e fluminenses) devem tomar cuidado com esse perigoso jogo de perder e retomar o controle da situação, porque um dia o crime organizado pode estar forte o suficiente para não devolver o comando para as instituições estatais.
Sim, pior que está pode ficar...
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