Meu dia hoje começou
de um modo repulsivo. Abri meu facebook e vi o vídeo de uma criança
de dez anos assassinada pelo Estado no Complexo do Alemão. O mal estar que eu senti é
indescritível. Não consegui sequer imaginar o que sentiram os pais
desse menino.
A criança foi morta
para que o governo mantenha sua chamada política de “pacificação”.
Uma política que já nasceu predestinada a dar errado. Uma política
que nasceu em 2008 propagandeando-se como a aposta numa polícia
comunitária, de proximidade, apesar de nunca ter conseguido ser mais
do que a versão tosca de uma ocupação territorial militar.
As Unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs) tornaram-se uma marca publicitária de
altíssimo valor. Mas nunca foram mais do que isso. Renderam bons
frutos eleitorais para os políticos que se apropriaram dela, mas
nunca rendeu mais do que lapsos de esperança numa população que
acreditou em mais uma falsa promessa governamental.
A promessa de paz
nunca chegou a ser concretizada na maioria das favelas onde as UPPs
foram instaladas. A “pacificação” nunca passou de um teatro mal
encenado, protagonizado por canastrões de terno e coadjuvantes
vestidos de fardas azuis (e pretas; e até verde-oliva).
Um teatro reencenado
dezenas de vezes com histriônicas cenas da entrada de blindados e do
hasteamento da bandeira nacional nessas favelas. Uma superprodução
envolvendo centenas de milhares de figurantes que tiveram que ceder
suas ruas, casas e campos de futebol.
O problema é que
foi um teatro produzido com vistas a uma audiência moradora de
prédios (de médio e alto padrão) e de condomínios fechados. Mas
foi tão bem produzido, que chegou a enganar os figurantes (os
moradores das favelas) que chegaram a acreditar que aquilo tudo era
de verdade e não uma versão iraquiana do Projac.
Sem receber
previamente o roteiro e sem saber do funesto final que os aguardava
no final da peça teatral, os figurantes aplaudiram junto com a
plateia, deram entrevistas para a imprensa dizendo que seu futuro
melhoraria dali por diante, que a paz finalmente chegara a suas
comunidades e suas casas.
Mas foi aí que a
peça teatral começou a ficar estranha. Outros figurantes que tinham
sido eliminados do roteiro voltaram reivindicando seus direitos de
participar da encenação. E eles vieram armados de fuzis. E as balas
não eram de festim.
E os coadjuvantes de
farda tampouco usavam balas de festim. O roteiro começou a fugir do
controle de seus diretores. E os atores começaram a se enfrentar. O
sangue começou a jorrar de verdade.
No início, os
canastrões de terno disseram que tudo bem, isso fazia parte do
roteiro. Afinal, a peça era sobre uma redenção histórica. O
enredo envolvia a reconquista de territórios há décadas
controlados pelo mal. E logo tudo ficaria bem.
Mas não ficou. E a
peça se transformou num caos completo. Os diretores, atores
canastrões e coadjuvantes fardados não conseguiam mais seguir o
roteiro. E os figurantes começaram a ficar impacientes.
E, de repente, a
audiência começou a achar tudo muito sangrento. Aquele épico de
ação e redenção histórica havia se transformado em um daqueles
western violentos que todos se cansaram de ver. E a imprensa passou a
fazer críticas negativas sobre o enredo.
Então, os diretores
começaram a ficar desesperados. “Ou a pacificação dá certo. Ou
vamos todos para o buraco”. Disse um dos coadjuvantes.
Leitores do blog,
precisamos dizer para esse coadjuvante que nós já estamos no
buraco. Na verdade nunca saímos, não é mesmo Amarildo? Não é
mesmo Claudia? O senhor só está querendo salvar os diretores desse
desastre teatral.
Senhor fardado, essa
peça até chegou a criar um climax, nos seus dois primeiros anos.
Mas depois tornou-se chata. Violenta demais.
A audiência não
quer mais peças de teatro. A gente queria que nossa polícia fosse
usada para fazer alguma coisa de verdade. Esse bangue-bangue já saiu
muito caro para todos nós.
Vamos todos sair do
teatro. Esses canastrões não merecem nossa audiência.
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