sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Lapa, quinta-feira: Mais uma vida perdida no bangue-bangue do Rio de Janeiro

E mais uma pessoa morreu no Rio de Janeiro, vítima da mentalidade bangue-bangue que afeta a nossa sociedade. Jonathan Vitorino Ferraz estava numa calçada da Lapa, quando, depois de uma tentativa de assalto, começou o tiroteio que tirou sua vida, aos 24 anos.

Não, Jonathan não era a vítima do assalto. Jonathan não era o bandido. E Jonathan sequer foi morto por causa do assalto.

Quem matou Jonathan foram aqueles que deveriam proteger sua vida: policiais.

Segundo a polícia e testemunhas, o fato foi o seguinte: criminosos em uma moto pararam em um posto de gasolina na Lapa para roubar pessoas. Um deles, pelo menos, estava armado. Ele roubou um frentista e se dirigiu até um carro para assaltar dois policiais civis à paisana.

Ao perceber que o homem armado se dirigia até eles, os policiais sacaram suas armas. O bandido viu as armas, largou a sua e correu para a moto, para fugir dali.

Com o criminoso já tendo desistido do assalto e já tendo largado a arma, os policiais então dispararam pelo menos dez vezes para, de forma infrutífera, evitar sua fuga. Você não leu errado: dez vezes.

Bem, quem sabe como funciona uma arma (e acho que isso inclui todos os brasileiros a partir dos dois anos de idade), sabe que, quando a pessoa aperta o gatilho, a bala sai da arma e vai parar em algum lugar. Imagino que um policial civil saiba disso também.

Ora, se tudo der certo, a bala vai atingir o alvo desejado ou morrer num muro. Mas existe a possibilidade desse projétil atingir uma pessoa. E também existe a possibilidade desse ferimento ser letal. Imagino que um policial civil não precisa ser um estatístico ou físico para saber disso.

A possibilidade de atingir uma pessoa inocente aumenta exponencialmente, quando esses tiros são disparados em uma área de grande movimentação de pessoas, como a Lapa numa noite de quinta-feira. Acho que qualquer policial do Rio de Janeiro tem a obrigação de saber disso.

Mas, mesmo sabendo de tudo isso, os policiais resolveram gastar quase todo o pente de suas pistolas, disparando cerca de dez tiros contra um alvo em movimento, em meio a dezenas de transeuntes.

E atentemos para outro fato. Os dez tiros não foram disparados para evitar um roubo. O roubo já tinha sido interrompido. Os tiros foram para evitar a fuga (leia-se “matar”) dos criminosos.

E ainda que o roubo estivesse em andamento, não é nem um pouco razoável disparar dez tiros para evitar um assalto. Evitar um crime que, ainda que seja considerado violento (por envolver ameaça), é essencialmente patrimonial com o disparo de tiros não é razoável.

Colocar a vida de pessoas em risco para evitar a subtração de bens materiais não é razoável. Não é razoável e não é inteligente.

Mas não só isso. Disparar dez tiros para evitar um assalto ou evitar a fuga dos assaltantes é algo criminoso. Colocar a vida de pessoas em risco é mais criminoso do que assaltar essas pessoas.

É um crime mais violento do que o roubo propriamente dito. E por que é criminoso? Porque é violento e pode colocar a vida de pessoas em risco. É criminoso porque pode tirar a vida de um jovem de 24 anos que tinha terminado de jantar e só queria dar um pulo na calçada para fazer uma ligação.

E é assustador que os autores desse disparo tenham sido policiais. Pessoas que teoricamente conhecem os riscos de usar indiscriminadamente armas de fogo no meio da rua.

Eu não acho assustador apenas por causa disso. Os policiais não só parecem desconhecer os riscos desse tipo de ação, como acham razoável disparar tiros a esmo para evitar a fuga de um criminoso. E eles só acham isso razoável porque a sociedade também pensa assim.

A sociedade acha razoável a ocorrência de “efeitos colaterais” na luta “contra a violência”. A sociedade acha que é normal “combater” a violência com violência. A sociedade acha OK ter pessoas inocentes morrendo nas ruas pelas mãos de agentes do Estado, porque esses agentes estão “lutando” contra a violência.

A questão é que Jonathan morreu. Jonathan não só morreu. Ele foi assassinado.

O fato de Jonathan ter sido morto “acidentalmente” por policiais que assumiram o risco de disparar uma área cheia de gente não é menos grave do que se ele tivesse sido morto por assaltantes.

Ao agir dessa forma, os policiais não estão combatendo a violência. Eles estão sendo um fator a mais para a violência. Eles estão ajudando a aumentar os índices de criminalidade. Eles estão contribuindo para o risco de morte no Rio de Janeiro. E o pior, eles não estão colaborando em nada para evitar novos assaltos.


Jonathan perdeu sua vida. Os assaltantes fugiram. E os policiais continuarão atirando nas ruas do Rio de Janeiro para “combater” a violência.

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