E mais uma pessoa
morreu no Rio de Janeiro, vítima da mentalidade bangue-bangue
que afeta a nossa sociedade. Jonathan Vitorino Ferraz estava numa
calçada da Lapa, quando, depois de uma tentativa de assalto,
começou o tiroteio que tirou sua vida, aos 24 anos.
Não, Jonathan
não era a vítima do assalto. Jonathan não era o
bandido. E Jonathan sequer foi morto por causa do assalto.
Quem matou Jonathan
foram aqueles que deveriam proteger sua vida: policiais.
Segundo a polícia
e testemunhas, o fato foi o seguinte: criminosos em uma moto pararam
em um posto de gasolina na Lapa para roubar pessoas. Um deles, pelo
menos, estava armado. Ele roubou um frentista e se dirigiu até
um carro para assaltar dois policiais civis à paisana.
Ao perceber que o homem
armado se dirigia até eles, os policiais sacaram suas armas. O
bandido viu as armas, largou a sua e correu para a moto, para fugir
dali.
Com o criminoso já
tendo desistido do assalto e já tendo largado a arma, os
policiais então dispararam pelo menos dez vezes para, de forma
infrutífera, evitar sua fuga. Você não leu
errado: dez vezes.
Bem, quem sabe como
funciona uma arma (e acho que isso inclui todos os brasileiros a
partir dos dois anos de idade), sabe que, quando a pessoa aperta o
gatilho, a bala sai da arma e vai parar em algum lugar. Imagino que
um policial civil saiba disso também.
Ora, se tudo der certo,
a bala vai atingir o alvo desejado ou morrer num muro. Mas existe a
possibilidade desse projétil atingir uma pessoa. E também
existe a possibilidade desse ferimento ser letal. Imagino que um
policial civil não precisa ser um estatístico ou físico
para saber disso.
A possibilidade de
atingir uma pessoa inocente aumenta exponencialmente, quando esses
tiros são disparados em uma área de grande movimentação
de pessoas, como a Lapa numa noite de quinta-feira. Acho que qualquer
policial do Rio de Janeiro tem a obrigação de saber
disso.
Mas, mesmo sabendo de
tudo isso, os policiais resolveram gastar quase todo o pente de suas
pistolas, disparando cerca de dez tiros contra um alvo em movimento,
em meio a dezenas de transeuntes.
E atentemos para outro
fato. Os dez tiros não foram disparados para evitar um roubo.
O roubo já tinha sido interrompido. Os tiros foram para evitar
a fuga (leia-se “matar”) dos criminosos.
E ainda que o roubo
estivesse em andamento, não é nem um pouco razoável
disparar dez tiros para evitar um assalto. Evitar um crime que, ainda
que seja considerado violento (por envolver ameaça), é
essencialmente patrimonial com o disparo de tiros não é
razoável.
Colocar a vida de
pessoas em risco para evitar a subtração de bens
materiais não é razoável. Não é
razoável e não é inteligente.
Mas não só
isso. Disparar dez tiros para evitar um assalto ou evitar a fuga dos
assaltantes é algo criminoso. Colocar a vida de pessoas em
risco é mais criminoso do que assaltar essas pessoas.
É um crime mais
violento do que o roubo propriamente dito. E por que é
criminoso? Porque é violento e pode colocar a vida de pessoas
em risco. É criminoso porque pode tirar a vida de um jovem de
24 anos que tinha terminado de jantar e só queria dar um pulo
na calçada para fazer uma ligação.
E é assustador
que os autores desse disparo tenham sido policiais. Pessoas que
teoricamente conhecem os riscos de usar indiscriminadamente armas de
fogo no meio da rua.
Eu não acho
assustador apenas por causa disso. Os policiais não só
parecem desconhecer os riscos desse tipo de ação, como
acham razoável disparar tiros a esmo para evitar a fuga de um
criminoso. E eles só acham isso razoável porque a
sociedade também pensa assim.
A sociedade acha
razoável a ocorrência de “efeitos colaterais” na
luta “contra a violência”. A sociedade acha que é
normal “combater” a violência com violência. A
sociedade acha OK ter pessoas inocentes morrendo nas ruas pelas mãos
de agentes do Estado, porque esses agentes estão “lutando”
contra a violência.
A questão é
que Jonathan morreu. Jonathan não só morreu. Ele foi
assassinado.
O fato de Jonathan ter
sido morto “acidentalmente” por policiais que assumiram o risco
de disparar uma área cheia de gente não é menos
grave do que se ele tivesse sido morto por assaltantes.
Ao agir dessa forma, os
policiais não estão combatendo a violência. Eles
estão sendo um fator a mais para a violência. Eles estão
ajudando a aumentar os índices de criminalidade. Eles estão
contribuindo para o risco de morte no Rio de Janeiro. E o pior, eles
não estão colaborando em nada para evitar novos
assaltos.
Jonathan perdeu sua
vida. Os assaltantes fugiram. E os policiais continuarão
atirando nas ruas do Rio de Janeiro para “combater” a violência.
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