Senad lamenta a inexistência do conselho, que envolve governo e sociedade na luta contra as drogas, no estado do Rio e diz que políticas de prevenção e recuperação de usuários fica comprometida
Ontem tive a oportunidade de participar da abertura da II Conferência Latinoamericana sobre Drogas, que aconteceu na Faculdade de Direito da UFRJ. Assisti à abertura como jornalista, pois fazia a cobertura do evento pela agências de notícias onde trabalho.
Durante a abertura, a fala de um dos palestrantes de me chamou a atenção. Tratou-se do secretário nacional de Políticas sobre Drogas da Presidência da República, o general Paulo Roberto Uchoa.
Apesar de pertencer a um governo aliado do governo estadual do Rio de Janeiro, Uchoa lamentou profundamente a inexistência de um conselho estadual para políticas de drogas no estado do Rio.
General Uchoa disse que, sem os conselhos estaduais funcionando, o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas não vai funcionar com êxito. A instituição do sistema foi determinada pela Lei Antidrogas brasileira (11.343 de 2006).
De acordo com a lei, o sistema tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com:
I - a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.
Segundo o general, para que o sistema tenha êxito, é preciso que estados, como o Rio de Janeiro, tenham seus conselhos de políticas para as drogas funcionando.
Para Uchoa, sem o conselho funcionando, fica difícil bolar estratégias de prevenção (a prevenção é o que impede o surgimento de novos usuários de drogas) e recuperação de usuários.
Se entendi bem o que falou o czar da luta contra as drogas no Brasil, sem o conselho estadual, as estratégias de redução da demanda por entorpecentes no Rio de Janeiro ficam capengas.
E especialistas são quase unânimes em afirmar que, enquanto houver demanda, haverá tráfico de drogas. Ou seja, por mais que se combata a oferta de drogas, o tráfico não acabará, porque sempre haverá uma forma de levar o produto proibido ao público consumidor.
O paradoxo dessa história é que o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, se gaba de estar combatendo, sem trégua, o tráfico.
Espera aí. Se Cabral não criou o conselho estadual de políticas sobre drogas (Lembre-se que o sistema nacional dos conselhos de segurança é uma proposta da lei de 2006. Cabral assumiu em 2007 e passou um mandato inteiro sem criar o conselho). Se a Senad diz que, sem o conselho, a política de redução da demanda fica comprometida. Se os especialistas dizem que o tráfico não acaba enquanto houver demanda. Como o governador pode dizer que o estado do Rio de Janeiro está combatendo o tráfico sem trégua?
Uma política contra as drogas que não se orienta para a redução da demanda é como se fosse um cachorro correndo atrás do próprio rabo.
Fica óbvio que a política sobre drogas do Rio de Janeiro não está no caminho certo, por mais que o governador e a imprensa queiram nos convencer do contrário.
O que fez o governo do Rio de Janeiro em relação às drogas? Bem, basicamente duas coisas. A primeira delas foi repetir a mesma coisa que seus antecessores vinham fazendo há 20 anos. Operações policiais rotineiras na favela, com trocas de tiros, mortes, balas perdidas e sem qualquer resultado prático.
A segunda foi criar uma política chamada de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que tomou para si o conceito de políticas anteriores, como o Gpae (Policiamento em áreas especiais), ampliou o efetivo policial (que nessas estratégias anteriores era reduzido) e passou a ocupar favelas do Rio de Janeiro.
Mas, na prática, como funcionam as UPP? As unidades pacificadoras, na prática, trabalham com a lógica da ocupação territorial. Isso significa que elas têm o objetivo básico de ocupar um território antes ocupado por uma quadrilha armada. Ou seja, elas têm expulsado as quadrilhas das favelas que elas ocupam. Isso mesmo, expulsando. Não desarticulando-as, mas expulsando-as. Que isso fique bem claro.
Além disso, são poucas as UPP para o tamanho do problema fluminense. O Rio tem entre 1.500 e 2 mil favelas controladas por grupos armados. Até hoje, apenas 35 favelas receberam UPP. A previsão da Secretaria de Segurança do estado é estender o projeto para, no máximo, cerca de 150 favelas.
Enfim, o que quero dizer aqui é que a principal política de segurança do Rio de Janeiro (as tão celebradas UPP) têm um efeito muito limitado sobre o tráfico de drogas no estado.
Elas atuam sobre o território. Mas a maioria dos criminosos envolvidos com a venda de drogas continua solta, apenas mudando de endereço. Ou permanecendo em seu endereço, mas sem usar aquele fuzilzão (recorrendo apenas a uma pistolinha para garantir seus negócios).
As UPP tampouco atacam os arsenais das quadrilhas (até porque muitas quadrilhas retiram suas armas da favela, já que o governador os avisa da ocupação policial antecipadamente). Ou seja, os grupos criminosos continuam armados e vão usar suas armas em outra freguesia.
Quanto às drogas, elas não parecem ser o foco principal das UPP, tendo em vista que a venda de entorpecentes continua nas favelas, mesmo com a ocupação policial. O próprio secretário de segurança, José Mariano Beltrame, já afirmou, em diversas ocasiões, que o objetivo das UPP não é acabar com o tráfico.
Se o quadro já não fosse ruim o suficiente, tomamos conhecimento de que o estado do Rio de Janeiro não tem uma estratégia (ou pelo menos tem uma estratégia capenga) para atacar o principal motivador do tráfico: a demanda por drogas.
Bem, sem acabar com a demanda, com as armas e com os criminosos, o que vai acontecer é que os consumidores vão comprar a droga, onde quer que ela esteja.
Por mais que você ocupe favelas, enquanto houver gente querendo fumar, cheirar ou se picar, sempre haverá espaços no estado que os criminosos possam ocupar para manter suas atividades ilegais.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Governo quer deixar mais clara na lei diferença entre usuário e traficante de drogas
O governo brasileiro pretende deixar clara a diferença entre o usuário de drogas e o traficante na proposta de revisão da Lei de Drogas. O novo texto está sendo elaborado por um grupo coordenado pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e depois será encaminhado para a apreciação do Congresso Nacional.
O secretário nacional de Políticas sobre Drogas, general Paulo Roberto Uchoa, disse hoje (26) que a lei de drogas, de 2006, foi um avanço, mas é preciso aprimorá-la em alguns aspectos, como a distinção entre usuários e traficantes. Para ele, usar a quantidade de droga apreendida para fazer essa distinção não é o melhor caminho.
“Há uma área cinzenta que está sendo difícil de interpretar, que é a diferença entre o uso e o tráfico para pequenas quantidades. Há informações de que muitas pessoas presas como traficantes talvez não sejam. Mas é muito difícil estipular que carregar dois cigarros de maconha é uso ou tráfico”, disse Uchoa.
O secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, assinalou que hoje os casos duvidosos acabam resultando em prisão do acusado. Ele também acredita que possa haver uma mudança de abordagem para esses casos.
Abramovay e Uchoa participaram ontem (26), no Rio de Janeiro, da abertura da 2ª Conferência Latino-americana sobre Políticas de Drogas. Na abertura do evento, Abramovay defendeu um debate sem preconceitos sobre os rumos da política de drogas no Brasil e na América Latina.
De acordo com Abramovay , o Brasil não pode fazer essa discussão sem integrar os países vizinhos, dos quais três são os maiores produtores de cocaína do mundo (Colômbia, Peru e Bolívia) e um é importante produtor de maconha (Paraguai).
Já Uchoa disse que o Sistema de Nacional de Políticas sobre Drogas está deixando a desejar, porque alguns estados e municípios não mantêm conselhos estaduais e municipais para tratar a questão das drogas, como é o caso do estado do Rio de Janeiro. Segundo ele, sem o conselho, estados e municípios não conseguem montar uma estratégia de prevenção eficaz para evitar que jovens que hoje não usam drogas passem a usá-las.
Sobre o Plano Nacional de Combate ao Crack, Uchoa disse que o governo federal deve lançar no próximo mês os editais para municípios que queiram ampliar sua rede de atendimento a dependentes da droga.
*Reportagem publicada na Agência Brasil
O secretário nacional de Políticas sobre Drogas, general Paulo Roberto Uchoa, disse hoje (26) que a lei de drogas, de 2006, foi um avanço, mas é preciso aprimorá-la em alguns aspectos, como a distinção entre usuários e traficantes. Para ele, usar a quantidade de droga apreendida para fazer essa distinção não é o melhor caminho.
“Há uma área cinzenta que está sendo difícil de interpretar, que é a diferença entre o uso e o tráfico para pequenas quantidades. Há informações de que muitas pessoas presas como traficantes talvez não sejam. Mas é muito difícil estipular que carregar dois cigarros de maconha é uso ou tráfico”, disse Uchoa.
O secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, assinalou que hoje os casos duvidosos acabam resultando em prisão do acusado. Ele também acredita que possa haver uma mudança de abordagem para esses casos.
Abramovay e Uchoa participaram ontem (26), no Rio de Janeiro, da abertura da 2ª Conferência Latino-americana sobre Políticas de Drogas. Na abertura do evento, Abramovay defendeu um debate sem preconceitos sobre os rumos da política de drogas no Brasil e na América Latina.
De acordo com Abramovay , o Brasil não pode fazer essa discussão sem integrar os países vizinhos, dos quais três são os maiores produtores de cocaína do mundo (Colômbia, Peru e Bolívia) e um é importante produtor de maconha (Paraguai).
Já Uchoa disse que o Sistema de Nacional de Políticas sobre Drogas está deixando a desejar, porque alguns estados e municípios não mantêm conselhos estaduais e municipais para tratar a questão das drogas, como é o caso do estado do Rio de Janeiro. Segundo ele, sem o conselho, estados e municípios não conseguem montar uma estratégia de prevenção eficaz para evitar que jovens que hoje não usam drogas passem a usá-las.
Sobre o Plano Nacional de Combate ao Crack, Uchoa disse que o governo federal deve lançar no próximo mês os editais para municípios que queiram ampliar sua rede de atendimento a dependentes da droga.
*Reportagem publicada na Agência Brasil
Especialistas brasileiro e português divergem sobre legalização das drogas
A 2ª Conferência Latino-americana sobre Políticas de Drogas foi aberta ontem (26) no Rio de Janeiro. Segundo os organizadores do encontro, que termina hoje (27), as políticas tradicionais contra o consumo de substâncias ilícitas e, em especial, a chamada Guerra às Drogas fracassou.
Ontem participei da abertura do evento e pude conversar com dois especialistas no assunto: o diretor da organização não governamental Viva Rio, o antropólogo brasileiro Rubem César Fernandes e o integrante do conselho diretor do Instituto de Drogas e Toxicodependência, vinculado ao Ministério da Saúde de Portugal, o português Manuel Cardoso. Os dois têm visões diferentes sobre a liberação das drogas. Eu, em particular, compartilho mais da visão de Rubem César.
O antropólogo Rubem César Fernandes diz que o caminho é a legalização do uso e da venda das drogas hoje consideradas ilícitas, com exceção de algumas consideradas mais nocivas, como o crack.
“Em 1998, na ONU [Organização das Nações Unidas], se prometeu um mundo sem drogas em dez anos. Passamos 12 anos e aumentou a produção, inclusive de drogas sintéticas. Está claro que a política de guerra às drogas é um fracasso. Ela provocou consequências graves, ao fortalecer o narcotráfico. O resultado foi oposto ao que se esperava”, disse o antropólogo.
De acordo com Fernandes, com a legalização é possível regular o mercado, monitorando-se o preço, a qualidade, a origem, a idade do usuário e os limites de consumo. Para ele, há uma dificuldade em se legalizar as drogas por causa de um “bloqueio” existente na ONU, que é contra a legalização.
Por ser signatário de tratados internacionais que proíbem essas substâncias, o Brasil tem mais dificuldade em assumir, de forma isolada, a legalização das drogas, assinalou Fernandes. Além disso, segundo ele, o país vê o tema como um tabu e ainda não está pronto para a legalização total [do consumo e do uso de drogas].
"Estamos prontos para a descriminalização, que é um caminho que Portugal usou. A legalização é um outro passo”, disse Fernandes. “Medidas parciais, como a descriminalização, acabam pressionando para que tenhamos a ruptura do regime de proibição. E, passadas as eleições, porque esse não é um tema eleitoral, espero que o novo governo assuma esse debate porque é muito importante. A lei atual acaba favorecendo o bandido.”
Já o português Manuel Cardoso, do Instituto de Drogas e Toxicodependência do governo de Portugal, acredita que a legalização não deve ser o caminho. Portugal é um dos poucos países que descriminalizaram o uso de drogas. Apesar de as drogas continuarem proibidas naquele país, o consumo não é mais considerado crime.
Para o especialista, o importante é reduzir o consumo e tratar os dependentes químicos: “Não concordo com a legalização. Já temos problemas suficientes com o álcool. Não precisamos criar mais problemas legalizando o consumo de drogas. Com relação às drogas ilícitas, o que precisamos ter a possibilidade de ajudar aqueles que precisam de ajuda”.
Para Manuel Cardoso, a experiência de descriminalização foi positiva para Portugal porque facilitou a relação do dependente químico com os terapeutas. “Tratar toxicodependentes era sempre uma situação de fragilidade. O terapeuta estava a lidar com o criminoso. O dependente tinha medo de se apresentar para o tratamento, porque podiam ser delatados e ser presos. A descriminalização resolveu essa questão.”
Ontem participei da abertura do evento e pude conversar com dois especialistas no assunto: o diretor da organização não governamental Viva Rio, o antropólogo brasileiro Rubem César Fernandes e o integrante do conselho diretor do Instituto de Drogas e Toxicodependência, vinculado ao Ministério da Saúde de Portugal, o português Manuel Cardoso. Os dois têm visões diferentes sobre a liberação das drogas. Eu, em particular, compartilho mais da visão de Rubem César.
O antropólogo Rubem César Fernandes diz que o caminho é a legalização do uso e da venda das drogas hoje consideradas ilícitas, com exceção de algumas consideradas mais nocivas, como o crack.
“Em 1998, na ONU [Organização das Nações Unidas], se prometeu um mundo sem drogas em dez anos. Passamos 12 anos e aumentou a produção, inclusive de drogas sintéticas. Está claro que a política de guerra às drogas é um fracasso. Ela provocou consequências graves, ao fortalecer o narcotráfico. O resultado foi oposto ao que se esperava”, disse o antropólogo.
De acordo com Fernandes, com a legalização é possível regular o mercado, monitorando-se o preço, a qualidade, a origem, a idade do usuário e os limites de consumo. Para ele, há uma dificuldade em se legalizar as drogas por causa de um “bloqueio” existente na ONU, que é contra a legalização.
Por ser signatário de tratados internacionais que proíbem essas substâncias, o Brasil tem mais dificuldade em assumir, de forma isolada, a legalização das drogas, assinalou Fernandes. Além disso, segundo ele, o país vê o tema como um tabu e ainda não está pronto para a legalização total [do consumo e do uso de drogas].
"Estamos prontos para a descriminalização, que é um caminho que Portugal usou. A legalização é um outro passo”, disse Fernandes. “Medidas parciais, como a descriminalização, acabam pressionando para que tenhamos a ruptura do regime de proibição. E, passadas as eleições, porque esse não é um tema eleitoral, espero que o novo governo assuma esse debate porque é muito importante. A lei atual acaba favorecendo o bandido.”
Já o português Manuel Cardoso, do Instituto de Drogas e Toxicodependência do governo de Portugal, acredita que a legalização não deve ser o caminho. Portugal é um dos poucos países que descriminalizaram o uso de drogas. Apesar de as drogas continuarem proibidas naquele país, o consumo não é mais considerado crime.
Para o especialista, o importante é reduzir o consumo e tratar os dependentes químicos: “Não concordo com a legalização. Já temos problemas suficientes com o álcool. Não precisamos criar mais problemas legalizando o consumo de drogas. Com relação às drogas ilícitas, o que precisamos ter a possibilidade de ajudar aqueles que precisam de ajuda”.
Para Manuel Cardoso, a experiência de descriminalização foi positiva para Portugal porque facilitou a relação do dependente químico com os terapeutas. “Tratar toxicodependentes era sempre uma situação de fragilidade. O terapeuta estava a lidar com o criminoso. O dependente tinha medo de se apresentar para o tratamento, porque podiam ser delatados e ser presos. A descriminalização resolveu essa questão.”
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
O comércio de drogas não se resolve com fuzil: o debate pela legalização no México
Felipe Calderón convoca debate pela legalização: mais um indicador do fracasso da Guerra às Drogas?
O presidente do México, Felipe Calderón, um dos principais ícones da Guerra às Drogas na América Latina, dá sinais de que pode ter falhado em sua política de trocar tiros com os cartéis de tráfico de drogas em seu país. Em 1o de dezembro de 2006, sob o olhar vigilante dos Estados Unidos, Calderón assumiu a presidência mexicana prometendo acabar com os poderosos cartéis de seu país, apostando no uso do Exército para combater essas quadrilhas.
Mas, hoje, três anos e meio e 28.200 mortes depois (segundo dados do Los Angeles Times), os cartéis não dão sinais de enfraquecimento e nem de redução da violência. Pelo contrário, prisões de lideranças, fim de alianças entre quadrilhas e brigas por rotas de contrabando de drogas tornaram o México de hoje tão ou mais violento que o país da era pré-Calderón.
No dia 3 de agosto, Calderón resolveu reconhecer que sua política de “tiros, porrada e bomba” pode não ter conseguido sequer uma cócega no negócio bilionário que é o tráfico de drogas mexicano. O presidente mexicano resolveu convocar um debate para se discutir a legalização (ou não) do comércio de drogas em seu país.
“[É] um debate fundamental em que, penso eu, precisa, antes de mais nada, permitir uma pluralidade democrática [de opiniões]... Você precisa analisar cuidadosamente os prós e os contras e os argumentos-chave de ambos os lados [os contrários e os favoráveis à legalização]”, teria dito Calderón, segundo a revista britânica The Economist.
Calderón é mais uma voz (uma importante voz, por sinal) em defesa das discussões sobre a legalização ou não do comércio de drogas. Segundo a The Economist, a posição de Calderón é relevante porque ele é o primeiro presidente em exercício a defender o debate.
Acredita-se que o plebiscito pela legalização (ou não) do comércio de maconha no estado americano da Califórnia, que fica na fronteira com o México, será crucial para o futuro debate no país vizinho.
Além de serem a principal rota de trânsito de cocaína sul-americana para os Estados Unidos, os mexicanos são grandes produtores de maconha. Se a Califórnia der um sinal verde para o consumo e a venda da cannabis, o debate no México poderá ter algum futuro. Se a Califórnia rejeitar a legalização, o debate poderá estar fadado ao fracasso no vizinho do sul.
Mas o que é mais importante nessa história nem é o resultado do debate mexicano, mas o simples fato de um dos principais generais da Guerra às Drogas (aquele que comanda a batalha no território mais importante) estar dando sinais de capitulação. Justamente Calderón, que se elegeu com um discurso “durão” de quebrar o tráfico com as armas das forças armadas.
E mais uma vez, o Brasil pode tirar uma lição importante desse processo.
O tráfico de drogas, bem como o crime organizado transnacional, em geral, é uma conseqüência natural de nosso sistema capitalista, que privilegia o enriquecimento extremo (e fácil), a abertura de mercados, a livre circulação de mercadorias e o aumento do fluxo comercial entre países, e que causa a pobreza e estrangula negócios não lucrativos (como plantações de alimentos).
Antes de mais nada, não estou aqui para escrever um tratado sobre a desigualdade social ou para fazer uma apologia ao sistema socialista (ou qualquer coisa semelhante, até porque não acredito no socialismo).
Mas pare um pouco e pense: do que se trata a compra e venda de produtos ilícitos? Trata-se, acima de tudo, de um negócio econômico. Claro que se trata também de poder e de influência, mas se trata, principalmente, de uma questão financeira. Apague da memória todos os clichês que o cinema, a TV e o jornalismo incutem rotineiramente na sua cabeça.
Traficantes não são simplesmente maus, porque querem fazer maldade com o “cidadão de bem”. Eles são, acima de tudo, comerciantes. Se eles torturam, matam, tiranizam os cidadãos, isso é um resultado de sua atividade ilegal. Mas o objetivo principal de seu negócio é ficar rico. Ganhar dinheiro fácil. Ter carrões, roupas da moda e muitas mulheres (qualquer semelhança com banqueiros e especuladores financeiros não é mera coincidência).
E é aí que quero chegar. Sendo uma atividade econômica, o tráfico de drogas segue leis de mercado: a velha lei da oferta e da demanda. E problemas econômicos não podem ser resolvidos a tiros de fuzil.
Por exemplo, se a venda de automóveis cai por causa de uma crise de crédito mundial, o governo não sai às ruas prendendo as pessoas, apontando-lhes fuzis e mandando-as comprar mais carros. O governo baixa os impostos que recaem sobre a produção de veículos para baratear seu custo e permitir mais compras.
Se os consumidores deixam de comprar na sua loja porque o estabelecimento vizinho está oferecendo mais vantagens (menor preço, mais parcelas, menos juros), você não pega uma arma e mata o seu rival. Você tenta oferecer mais vantagens do que a loja vizinha.
E assim vai. A história nos mostra que não adianta tentar asfixiar o crime organizado internacional com prisões, apreensões, trocas de tiros, aumento da repressão nas rotas tradicionais etc. Novos chefes surgem. Há sempre muito mais mercadorias para serem comercializadas do que aquelas apreendidas. E os criminosos sempre encontram novas maneiras de driblar a fiscalização.
Especialistas em tráfico de drogas, como o professor Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) são categóricos em afirmar que o tráfico de drogas não vai acabar enquanto houver demanda.
Combater o tráfico de drogas é, antes de tudo, combater a demanda e, principalmente, as causas que levam as pessoas a se envolverem nesse tipo de crime, como a pobreza, a desigualdade social, a impunidade na sociedade, o desemprego, a falta de oportunidades para a juventude.
Como disse, não adianta combater uma atividade econômica com tiros de fuzis. Mesmo que essa atividade seja ilegal. Tampouco adianta combater uma atividade econômica com aumento do policiamento, com prisões, com ocupações militares de favelas.
Havendo demanda, haverá o negócio. Talvez ele só migre seu território, mude seus hábitos etc. Portanto, é preciso, ao mesmo tempo, atacar as causas do negócio ilícito (nunca apenas as conseqüências dele) e tentar trazê-lo para a legalidade.
O caso do México é peculiar, porque ele luta contra uma demanda que não está sob seu controle. Os principais consumidores das drogas que passam pelo território mexicano estão nos Estados Unidos. É de lá que vem o dinheiro (e também as armas) contra o qual os fuzis mexicanos combatem diariamente.
Logo, resta ao México duas opções: acabar com a mão-de-obra desse negócio dando oportunidades de uma vida decente a seus cidadãos dentro dos setores existentes na sua economia formal; ou trazer a economia informal para o escopo formal, legalizando o comércio de drogas.
Se o México adotar o caminho da legalização das drogas, ele poderá deixar o fuzil de lado e tentar regular a livre iniciativa no comércio de drogas.
No caso de um “ok” para a legalização, o México poderá regular o comércio de drogas, assim como o faz com qualquer atividade econômica.
Se os Estados Unidos continuarem consumindo drogas, de forma ilegal, esse será um problema que a sociedade americana terá que resolver. Enquanto estiver no México, a droga e os trabalhadores deste setor da economia estarão dentro da lei e não precisarão recorrer a armas para defender seus negócios.
Haverá descaminho de mercadorias, sonegação fiscal etc em um comércio de drogas legalizado? Certamente, como acontece em qualquer setor econômico. Mas os contrabandistas não terão tanto poder quanto os traficantes têm hoje. Os bilhões de dólares que circulam hoje nas mãos de traficantes se tornaram algumas dezenas de milhões nas mãos dos contrabandistas (ou seja, aqueles que não quiserem legalizar seu negócio).
Continuarão existindo armas, corrupção etc? Certamente. As armas existem há milhares de anos e continuarão sendo usadas por criminosos. A corrupção também existe desde tempos babilônicos. Mas a escala desses instrumentos será reduzida (e muito).
Por isso, repito: o Brasil precisa acompanhar de perto esse processo e iniciar, já, o debate aqui no país. O México será um bom paradigma para nos mirarmos, seja qual for o resultado final desse debate.
O presidente do México, Felipe Calderón, um dos principais ícones da Guerra às Drogas na América Latina, dá sinais de que pode ter falhado em sua política de trocar tiros com os cartéis de tráfico de drogas em seu país. Em 1o de dezembro de 2006, sob o olhar vigilante dos Estados Unidos, Calderón assumiu a presidência mexicana prometendo acabar com os poderosos cartéis de seu país, apostando no uso do Exército para combater essas quadrilhas.
Mas, hoje, três anos e meio e 28.200 mortes depois (segundo dados do Los Angeles Times), os cartéis não dão sinais de enfraquecimento e nem de redução da violência. Pelo contrário, prisões de lideranças, fim de alianças entre quadrilhas e brigas por rotas de contrabando de drogas tornaram o México de hoje tão ou mais violento que o país da era pré-Calderón.
No dia 3 de agosto, Calderón resolveu reconhecer que sua política de “tiros, porrada e bomba” pode não ter conseguido sequer uma cócega no negócio bilionário que é o tráfico de drogas mexicano. O presidente mexicano resolveu convocar um debate para se discutir a legalização (ou não) do comércio de drogas em seu país.
“[É] um debate fundamental em que, penso eu, precisa, antes de mais nada, permitir uma pluralidade democrática [de opiniões]... Você precisa analisar cuidadosamente os prós e os contras e os argumentos-chave de ambos os lados [os contrários e os favoráveis à legalização]”, teria dito Calderón, segundo a revista britânica The Economist.
Calderón é mais uma voz (uma importante voz, por sinal) em defesa das discussões sobre a legalização ou não do comércio de drogas. Segundo a The Economist, a posição de Calderón é relevante porque ele é o primeiro presidente em exercício a defender o debate.
Acredita-se que o plebiscito pela legalização (ou não) do comércio de maconha no estado americano da Califórnia, que fica na fronteira com o México, será crucial para o futuro debate no país vizinho.
Além de serem a principal rota de trânsito de cocaína sul-americana para os Estados Unidos, os mexicanos são grandes produtores de maconha. Se a Califórnia der um sinal verde para o consumo e a venda da cannabis, o debate no México poderá ter algum futuro. Se a Califórnia rejeitar a legalização, o debate poderá estar fadado ao fracasso no vizinho do sul.
Mas o que é mais importante nessa história nem é o resultado do debate mexicano, mas o simples fato de um dos principais generais da Guerra às Drogas (aquele que comanda a batalha no território mais importante) estar dando sinais de capitulação. Justamente Calderón, que se elegeu com um discurso “durão” de quebrar o tráfico com as armas das forças armadas.
E mais uma vez, o Brasil pode tirar uma lição importante desse processo.
O tráfico de drogas, bem como o crime organizado transnacional, em geral, é uma conseqüência natural de nosso sistema capitalista, que privilegia o enriquecimento extremo (e fácil), a abertura de mercados, a livre circulação de mercadorias e o aumento do fluxo comercial entre países, e que causa a pobreza e estrangula negócios não lucrativos (como plantações de alimentos).
Antes de mais nada, não estou aqui para escrever um tratado sobre a desigualdade social ou para fazer uma apologia ao sistema socialista (ou qualquer coisa semelhante, até porque não acredito no socialismo).
Mas pare um pouco e pense: do que se trata a compra e venda de produtos ilícitos? Trata-se, acima de tudo, de um negócio econômico. Claro que se trata também de poder e de influência, mas se trata, principalmente, de uma questão financeira. Apague da memória todos os clichês que o cinema, a TV e o jornalismo incutem rotineiramente na sua cabeça.
Traficantes não são simplesmente maus, porque querem fazer maldade com o “cidadão de bem”. Eles são, acima de tudo, comerciantes. Se eles torturam, matam, tiranizam os cidadãos, isso é um resultado de sua atividade ilegal. Mas o objetivo principal de seu negócio é ficar rico. Ganhar dinheiro fácil. Ter carrões, roupas da moda e muitas mulheres (qualquer semelhança com banqueiros e especuladores financeiros não é mera coincidência).
E é aí que quero chegar. Sendo uma atividade econômica, o tráfico de drogas segue leis de mercado: a velha lei da oferta e da demanda. E problemas econômicos não podem ser resolvidos a tiros de fuzil.
Por exemplo, se a venda de automóveis cai por causa de uma crise de crédito mundial, o governo não sai às ruas prendendo as pessoas, apontando-lhes fuzis e mandando-as comprar mais carros. O governo baixa os impostos que recaem sobre a produção de veículos para baratear seu custo e permitir mais compras.
Se os consumidores deixam de comprar na sua loja porque o estabelecimento vizinho está oferecendo mais vantagens (menor preço, mais parcelas, menos juros), você não pega uma arma e mata o seu rival. Você tenta oferecer mais vantagens do que a loja vizinha.
E assim vai. A história nos mostra que não adianta tentar asfixiar o crime organizado internacional com prisões, apreensões, trocas de tiros, aumento da repressão nas rotas tradicionais etc. Novos chefes surgem. Há sempre muito mais mercadorias para serem comercializadas do que aquelas apreendidas. E os criminosos sempre encontram novas maneiras de driblar a fiscalização.
Especialistas em tráfico de drogas, como o professor Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) são categóricos em afirmar que o tráfico de drogas não vai acabar enquanto houver demanda.
Combater o tráfico de drogas é, antes de tudo, combater a demanda e, principalmente, as causas que levam as pessoas a se envolverem nesse tipo de crime, como a pobreza, a desigualdade social, a impunidade na sociedade, o desemprego, a falta de oportunidades para a juventude.
Como disse, não adianta combater uma atividade econômica com tiros de fuzis. Mesmo que essa atividade seja ilegal. Tampouco adianta combater uma atividade econômica com aumento do policiamento, com prisões, com ocupações militares de favelas.
Havendo demanda, haverá o negócio. Talvez ele só migre seu território, mude seus hábitos etc. Portanto, é preciso, ao mesmo tempo, atacar as causas do negócio ilícito (nunca apenas as conseqüências dele) e tentar trazê-lo para a legalidade.
O caso do México é peculiar, porque ele luta contra uma demanda que não está sob seu controle. Os principais consumidores das drogas que passam pelo território mexicano estão nos Estados Unidos. É de lá que vem o dinheiro (e também as armas) contra o qual os fuzis mexicanos combatem diariamente.
Logo, resta ao México duas opções: acabar com a mão-de-obra desse negócio dando oportunidades de uma vida decente a seus cidadãos dentro dos setores existentes na sua economia formal; ou trazer a economia informal para o escopo formal, legalizando o comércio de drogas.
Se o México adotar o caminho da legalização das drogas, ele poderá deixar o fuzil de lado e tentar regular a livre iniciativa no comércio de drogas.
No caso de um “ok” para a legalização, o México poderá regular o comércio de drogas, assim como o faz com qualquer atividade econômica.
Se os Estados Unidos continuarem consumindo drogas, de forma ilegal, esse será um problema que a sociedade americana terá que resolver. Enquanto estiver no México, a droga e os trabalhadores deste setor da economia estarão dentro da lei e não precisarão recorrer a armas para defender seus negócios.
Haverá descaminho de mercadorias, sonegação fiscal etc em um comércio de drogas legalizado? Certamente, como acontece em qualquer setor econômico. Mas os contrabandistas não terão tanto poder quanto os traficantes têm hoje. Os bilhões de dólares que circulam hoje nas mãos de traficantes se tornaram algumas dezenas de milhões nas mãos dos contrabandistas (ou seja, aqueles que não quiserem legalizar seu negócio).
Continuarão existindo armas, corrupção etc? Certamente. As armas existem há milhares de anos e continuarão sendo usadas por criminosos. A corrupção também existe desde tempos babilônicos. Mas a escala desses instrumentos será reduzida (e muito).
Por isso, repito: o Brasil precisa acompanhar de perto esse processo e iniciar, já, o debate aqui no país. O México será um bom paradigma para nos mirarmos, seja qual for o resultado final desse debate.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Ministério da Justiça propõe lei para regulamentar proteção de dados pessoais
O Ministério da Justiça deve fechar, até o fim do mês, um anteprojeto de lei para regulamentar a proteção de dados pessoais no Brasil. Atualmente, não há uma lei específica no país, e o assunto é tratado de forma genérica pelo direito civil brasileiro. Nações vizinhas, como a Argentina e o Uruguai, por exemplo, já têm legislações específicas.
Com a lei, o governo brasileiro pretende criar um marco regulatório e uma agência governamental para gerenciar o uso e a divulgação de dados como endereço pessoal, número de documento do cidadão, sua situação de crédito e até os chamados “dados sensíveis”, entre eles a opção religiosa e sexual. Hoje, muitos desses dados são fornecidos ao governo, a empresas ou sites na internet pelo cidadão e, posteriormente, utilizados sem o conhecimento dele.
“Dados pessoais são aqueles que, uma vez cruzados, podem ser utilizados de forma abusiva e de forma comercial sem que a gente saiba. É importante que a gente dê transparência a esse tipo de processo, dê consentimento à utilização desse tipo de dado”, afirma o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Felipe de Paula.
Assim que ficar pronto, o anteprojeto será colocado sob consulta pública na internet, para que qualquer pessoa possa dar sugestões ao texto. A ideia é encaminhar o projeto ao Congresso Nacional até o fim deste ano.
Com a lei, o governo brasileiro pretende criar um marco regulatório e uma agência governamental para gerenciar o uso e a divulgação de dados como endereço pessoal, número de documento do cidadão, sua situação de crédito e até os chamados “dados sensíveis”, entre eles a opção religiosa e sexual. Hoje, muitos desses dados são fornecidos ao governo, a empresas ou sites na internet pelo cidadão e, posteriormente, utilizados sem o conhecimento dele.
“Dados pessoais são aqueles que, uma vez cruzados, podem ser utilizados de forma abusiva e de forma comercial sem que a gente saiba. É importante que a gente dê transparência a esse tipo de processo, dê consentimento à utilização desse tipo de dado”, afirma o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Felipe de Paula.
Assim que ficar pronto, o anteprojeto será colocado sob consulta pública na internet, para que qualquer pessoa possa dar sugestões ao texto. A ideia é encaminhar o projeto ao Congresso Nacional até o fim deste ano.
Especialista critica política de unidades de Polícia Pacificadora do Rio
A Polícia Militar iniciou nesta semana a ocupação de mais uma comunidade do Rio de Janeiro para a implantação do projeto de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). A comunidade escolhida é o Morro do Turano, a quinta comunidade da Tijuca. Alguns especialistas, no entanto, veem o projeto das UPP com ressalvas.
É o caso do coordenador do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Michel Misse, que lembra que a maioria das unidades de Polícia Pacificadora está concentrada em áreas mais nobres, como a zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
Ele questiona se as UPPs têm o objetivo de proteger os moradores das favelas ou os do “asfalto”. Ele diz, por exemplo, que as comunidades carentes deveriam receber, além da atenção dos órgãos de segurança pública, iniciativas nas áreas de educação, saúde e saneamento básico e, segundo Misse, isso não ocorre na maioria das favelas com UPP.
O sociólogo também diz que a UPP não conseguiu nem conseguirá acabar com a venda de drogas, já que, segundo ele, enquanto houver demanda por drogas, haverá pessoas vendendo a substância ilegal. “Tem gente vendendo drogas no Santa Marta [primeira comunidade a receber a UPP, no final de 2008], só não tem mais aquele controle de território, ostensivo, armado”, afirma.
Michel Misse também acredita que a implantação do projeto em comunidades como o Complexo do Alemão, o Complexo da Maré e o Jacarezinho, na zona norte da cidade, será muito mais complicada do que as instalações de UPP feitas até hoje.
O planejamento estratégico da Secretaria de Segurança prevê que o projeto da UPP poderá chegar a até 40 áreas nos próximos quatro anos, o que incluirá 165 comunidades (nos cálculos da secretaria), das mais de mil que hoje estão sob controle de quadrilhas armadas no estado do Rio de Janeiro.
*Adaptação de reportagem publicada na Agência Brasil
É o caso do coordenador do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Michel Misse, que lembra que a maioria das unidades de Polícia Pacificadora está concentrada em áreas mais nobres, como a zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
Ele questiona se as UPPs têm o objetivo de proteger os moradores das favelas ou os do “asfalto”. Ele diz, por exemplo, que as comunidades carentes deveriam receber, além da atenção dos órgãos de segurança pública, iniciativas nas áreas de educação, saúde e saneamento básico e, segundo Misse, isso não ocorre na maioria das favelas com UPP.
O sociólogo também diz que a UPP não conseguiu nem conseguirá acabar com a venda de drogas, já que, segundo ele, enquanto houver demanda por drogas, haverá pessoas vendendo a substância ilegal. “Tem gente vendendo drogas no Santa Marta [primeira comunidade a receber a UPP, no final de 2008], só não tem mais aquele controle de território, ostensivo, armado”, afirma.
Michel Misse também acredita que a implantação do projeto em comunidades como o Complexo do Alemão, o Complexo da Maré e o Jacarezinho, na zona norte da cidade, será muito mais complicada do que as instalações de UPP feitas até hoje.
O planejamento estratégico da Secretaria de Segurança prevê que o projeto da UPP poderá chegar a até 40 áreas nos próximos quatro anos, o que incluirá 165 comunidades (nos cálculos da secretaria), das mais de mil que hoje estão sob controle de quadrilhas armadas no estado do Rio de Janeiro.
*Adaptação de reportagem publicada na Agência Brasil
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Rio termina primeiro semestre com redução "MILAGROSA" nos principais crimes (Será que devo acreditar nisso???)
A Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro divulgou ontem (4) as estatísticas de criminalidade do primeiro semestre deste ano. Nada de novo. O semestre fechou com as mesmas “reduções espetaculares” nas ocorrências criminais que vinha apresentando, mês a mês, desde julho do ano passado.
Quem acompanha meu blog e meu twitter já deve conhecer meu posicionamento sobre essas “milagrosas quedas” nos registros criminais que vêm sendo apresentadas há um ano. Em todas minhas opiniões sobre o tema nos últimos seis meses, expressei um profundo ceticismo quanto à credibilidade de tais indicadores, por uma série de motivos (para conhecê-los, leia os posts anteriores desse blog).
No entanto, esse texto vem apresentar uma novidade em relação aos textos anteriores que escrevi sobre o assunto. Resolvi que, a partir de agora, não vou mais desconfiar desses dados da Secretaria de Segurança e nem dizer que eles apresentam fortes indícios de manipulação.
Resolvi não mais desconfiar dos dados porque, apesar dos indícios de “fraude” nos dados, não tenho como comprovar nada. E as pessoas que têm como provar a manipulação dos dados dentro das delegacias e dentro da Secretaria de Segurança (note que estou ignorando o Instituto de Segurança Pública porque, para mim, ele é apenas um departamento sem autonomia dentro da Secretaria) não estão fazendo seu trabalho.
O Ministério Público, por exemplo, tem, entre suas funções constitucionais, defender o interesse da população e fiscalizar o trabalho da polícia. No entanto, em nenhum momento, apesar dos indícios de manipulação dos dados, os promotores de Justiça do Rio de Janeiro se coçaram para auditar os registros policiais das delegacias fluminenses ou os dados da Secretaria de Segurança.
A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), que também tem entre suas funções constitucionais defender os interesses da população e fiscalizar as ações do governo do estado, tampouco se coçou para fazer qualquer auditoria nesses dados.
Um dos poucos deputados de oposição ao governo chegou até a tentar fazer alguma coisa para forçar a Alerj a investigar os dados de criminalidade do Rio de Janeiro, na chamada CPI do ISP. Mas, em uma casa controlada pelos 547 partidos que têm coligação com o governador Sérgio Cabral, a CPI não chegou a sair do papel (obs: É claro que não existem 547 partidos. Este é apenas um número exagerado para mostrar que Cabral têm coligação com quase todos os partidos registrados no TSE).
Enfim, se os instrumentos legais existentes (os quais eu e todos vocês mantemos com nossos impostos) não quiseram ter o trabalho (ou que não quiseram se indispor com o governador) para descobrir as possíveis falcatruas existentes nos indicadores de criminalidade do Rio de Janeiro, não serei eu, um pobre jornalista e servidor público, que insistirei na tese da manipulação.
A partir de agora, decidi acreditar cegamente nos dados que a Secretaria de Segurança nos empurrar goela abaixo. Resolvi também acreditar em toda notícia que ler em nossa imparcial e combativa imprensa diária carioca (leia-se O Globo, O Dia, TV Globo etc etc).
Nessa minha onda de conformismo, resolvi também acreditar que o América será campeão mundial, que vivemos numa democracia, que o Papai Papudo não morreu, que o Serguei realmente namorou a Janis Joplin e que o Coelhinho da Páscoa realmente bota ovo de chocolate (mas isso é uma história para outros posts).
Enfim, resolvi acreditar que o Rio de Janeiro está 20% menos violento do que estava no primeiro semestre do ano passado, que suas chances de ser assaltado nas ruas é 14% menor e que a probabilidade de seu carro ser roubado no estado diminuiu 23% (apesar dos preços de seguros dos automóveis continuarem tão ou mais altos quanto no ano passado).
Mas agora que eu acredito nos números que a Secretaria de Segurança está divulgando, exijo uma explicação. Exijo uma explicação clara sobre como as autoridades públicas do Rio de Janeiro conseguiram uma redução tão espetacular nesses indicadores criminais.
Eu, como cidadão do Rio de Janeiro, quero saber o que a polícia está fazendo para conseguir operar esse milagre (bem, não é tão milagre assim, porque mesmo com uma redução de 20%, o Rio ainda tem mais do que o dobro de homicídios que São Paulo, por exemplo).
Um milagre como esse precisa ser estudado por todos que estudam a segurança pública no Brasil e no mundo. O “sucesso” das políticas públicas de segurança do Rio de Janeiro precisa ser analisado para que possa ser implantado em outros estados brasileiros, como Espírito Santo, Pernambuco e Alagoas. Pode até ser útil para locais como a Colômbia, o México, a África do Sul ou até a Somália.
Mas quero uma explicação decente. Dizer que a implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (na zona sul, na Providência e no Borel) reduziu os homicídios na Penha, em Rocha Miranda e em Duque de Caxias é conversa para boi dormir, secretário José Mariano Beltrame.
Também dizer que a redução dos homicídios que supostamente acontece de “forma vertiginosa” desde julho de 2009 é obra da Nova Delegacia de Homicídios (QUE SÓ FOI CRIADA SEIS MESES DEPOIS, EM JANEIRO DE 2010) também é brincar com a inteligência do cidadão, não é não, Seu Beltrame?
Essas, pelo menos, foram as explicações que o senhor José Mariano Beltrame deu na coletiva de ontem (a qual não pude comparecer, porque trabalhei no turno da manhã. Mas li a explicação no Jornal O Dia).
Bem, talvez a queda vertiginosa de crimes nada tenha a ver com estratégias pensadas pela Secretaria de Segurança do Rio e seja apenas um período transitório de “falsa tranqüilidade” (de pouca atividade das quadrilhas e de menos violência dos criminosos). Algo que independe da vontade das nossas autoridades públicas.
Mas, se for realmente isso, nosso secretário de Segurança jamais assumirá. Principalmente porque seu chefe (Don Cabral de La Mancha) tentará, nos próximos meses, garantir seu emprego pelos próximos quatro anos (aliás, pelos próximos três anos e quatro meses, já que, em 2014, ele provavelmente tentará a Presidência ou o Senado novamente).
Beltrame preferirá insistir na tese de que um posto de policiamento comunitária no Dona Marta, no bairro de Botafogo, foi responsável por reduzir os assassinatos no município de Duque de Caxias (Telepatia criminal??? Um policial da UPP de Botafogo consegue impedir um crime a 20 km de distância??? Será???). Ou então, na tese de que uma delegacia de homicídios conseguiu evitar crimes seis meses antes de sua própria existência (um caso para “Além da Imaginação”).
De qualquer forma, espero uma explicação das nossas autoridades de segurança. Até porque eu, que sempre critiquei a política de segurança de Sérgio Cabral, estou muito curioso.
Quem acompanha meu blog e meu twitter já deve conhecer meu posicionamento sobre essas “milagrosas quedas” nos registros criminais que vêm sendo apresentadas há um ano. Em todas minhas opiniões sobre o tema nos últimos seis meses, expressei um profundo ceticismo quanto à credibilidade de tais indicadores, por uma série de motivos (para conhecê-los, leia os posts anteriores desse blog).
No entanto, esse texto vem apresentar uma novidade em relação aos textos anteriores que escrevi sobre o assunto. Resolvi que, a partir de agora, não vou mais desconfiar desses dados da Secretaria de Segurança e nem dizer que eles apresentam fortes indícios de manipulação.
Resolvi não mais desconfiar dos dados porque, apesar dos indícios de “fraude” nos dados, não tenho como comprovar nada. E as pessoas que têm como provar a manipulação dos dados dentro das delegacias e dentro da Secretaria de Segurança (note que estou ignorando o Instituto de Segurança Pública porque, para mim, ele é apenas um departamento sem autonomia dentro da Secretaria) não estão fazendo seu trabalho.
O Ministério Público, por exemplo, tem, entre suas funções constitucionais, defender o interesse da população e fiscalizar o trabalho da polícia. No entanto, em nenhum momento, apesar dos indícios de manipulação dos dados, os promotores de Justiça do Rio de Janeiro se coçaram para auditar os registros policiais das delegacias fluminenses ou os dados da Secretaria de Segurança.
A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), que também tem entre suas funções constitucionais defender os interesses da população e fiscalizar as ações do governo do estado, tampouco se coçou para fazer qualquer auditoria nesses dados.
Um dos poucos deputados de oposição ao governo chegou até a tentar fazer alguma coisa para forçar a Alerj a investigar os dados de criminalidade do Rio de Janeiro, na chamada CPI do ISP. Mas, em uma casa controlada pelos 547 partidos que têm coligação com o governador Sérgio Cabral, a CPI não chegou a sair do papel (obs: É claro que não existem 547 partidos. Este é apenas um número exagerado para mostrar que Cabral têm coligação com quase todos os partidos registrados no TSE).
Enfim, se os instrumentos legais existentes (os quais eu e todos vocês mantemos com nossos impostos) não quiseram ter o trabalho (ou que não quiseram se indispor com o governador) para descobrir as possíveis falcatruas existentes nos indicadores de criminalidade do Rio de Janeiro, não serei eu, um pobre jornalista e servidor público, que insistirei na tese da manipulação.
A partir de agora, decidi acreditar cegamente nos dados que a Secretaria de Segurança nos empurrar goela abaixo. Resolvi também acreditar em toda notícia que ler em nossa imparcial e combativa imprensa diária carioca (leia-se O Globo, O Dia, TV Globo etc etc).
Nessa minha onda de conformismo, resolvi também acreditar que o América será campeão mundial, que vivemos numa democracia, que o Papai Papudo não morreu, que o Serguei realmente namorou a Janis Joplin e que o Coelhinho da Páscoa realmente bota ovo de chocolate (mas isso é uma história para outros posts).
Enfim, resolvi acreditar que o Rio de Janeiro está 20% menos violento do que estava no primeiro semestre do ano passado, que suas chances de ser assaltado nas ruas é 14% menor e que a probabilidade de seu carro ser roubado no estado diminuiu 23% (apesar dos preços de seguros dos automóveis continuarem tão ou mais altos quanto no ano passado).
Mas agora que eu acredito nos números que a Secretaria de Segurança está divulgando, exijo uma explicação. Exijo uma explicação clara sobre como as autoridades públicas do Rio de Janeiro conseguiram uma redução tão espetacular nesses indicadores criminais.
Eu, como cidadão do Rio de Janeiro, quero saber o que a polícia está fazendo para conseguir operar esse milagre (bem, não é tão milagre assim, porque mesmo com uma redução de 20%, o Rio ainda tem mais do que o dobro de homicídios que São Paulo, por exemplo).
Um milagre como esse precisa ser estudado por todos que estudam a segurança pública no Brasil e no mundo. O “sucesso” das políticas públicas de segurança do Rio de Janeiro precisa ser analisado para que possa ser implantado em outros estados brasileiros, como Espírito Santo, Pernambuco e Alagoas. Pode até ser útil para locais como a Colômbia, o México, a África do Sul ou até a Somália.
Mas quero uma explicação decente. Dizer que a implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (na zona sul, na Providência e no Borel) reduziu os homicídios na Penha, em Rocha Miranda e em Duque de Caxias é conversa para boi dormir, secretário José Mariano Beltrame.
Também dizer que a redução dos homicídios que supostamente acontece de “forma vertiginosa” desde julho de 2009 é obra da Nova Delegacia de Homicídios (QUE SÓ FOI CRIADA SEIS MESES DEPOIS, EM JANEIRO DE 2010) também é brincar com a inteligência do cidadão, não é não, Seu Beltrame?
Essas, pelo menos, foram as explicações que o senhor José Mariano Beltrame deu na coletiva de ontem (a qual não pude comparecer, porque trabalhei no turno da manhã. Mas li a explicação no Jornal O Dia).
Bem, talvez a queda vertiginosa de crimes nada tenha a ver com estratégias pensadas pela Secretaria de Segurança do Rio e seja apenas um período transitório de “falsa tranqüilidade” (de pouca atividade das quadrilhas e de menos violência dos criminosos). Algo que independe da vontade das nossas autoridades públicas.
Mas, se for realmente isso, nosso secretário de Segurança jamais assumirá. Principalmente porque seu chefe (Don Cabral de La Mancha) tentará, nos próximos meses, garantir seu emprego pelos próximos quatro anos (aliás, pelos próximos três anos e quatro meses, já que, em 2014, ele provavelmente tentará a Presidência ou o Senado novamente).
Beltrame preferirá insistir na tese de que um posto de policiamento comunitária no Dona Marta, no bairro de Botafogo, foi responsável por reduzir os assassinatos no município de Duque de Caxias (Telepatia criminal??? Um policial da UPP de Botafogo consegue impedir um crime a 20 km de distância??? Será???). Ou então, na tese de que uma delegacia de homicídios conseguiu evitar crimes seis meses antes de sua própria existência (um caso para “Além da Imaginação”).
De qualquer forma, espero uma explicação das nossas autoridades de segurança. Até porque eu, que sempre critiquei a política de segurança de Sérgio Cabral, estou muito curioso.
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