Felipe Calderón convoca debate pela legalização: mais um indicador do fracasso da Guerra às Drogas?
O presidente do México, Felipe Calderón, um dos principais ícones da Guerra às Drogas na América Latina, dá sinais de que pode ter falhado em sua política de trocar tiros com os cartéis de tráfico de drogas em seu país. Em 1o de dezembro de 2006, sob o olhar vigilante dos Estados Unidos, Calderón assumiu a presidência mexicana prometendo acabar com os poderosos cartéis de seu país, apostando no uso do Exército para combater essas quadrilhas.
Mas, hoje, três anos e meio e 28.200 mortes depois (segundo dados do Los Angeles Times), os cartéis não dão sinais de enfraquecimento e nem de redução da violência. Pelo contrário, prisões de lideranças, fim de alianças entre quadrilhas e brigas por rotas de contrabando de drogas tornaram o México de hoje tão ou mais violento que o país da era pré-Calderón.
No dia 3 de agosto, Calderón resolveu reconhecer que sua política de “tiros, porrada e bomba” pode não ter conseguido sequer uma cócega no negócio bilionário que é o tráfico de drogas mexicano. O presidente mexicano resolveu convocar um debate para se discutir a legalização (ou não) do comércio de drogas em seu país.
“[É] um debate fundamental em que, penso eu, precisa, antes de mais nada, permitir uma pluralidade democrática [de opiniões]... Você precisa analisar cuidadosamente os prós e os contras e os argumentos-chave de ambos os lados [os contrários e os favoráveis à legalização]”, teria dito Calderón, segundo a revista britânica The Economist.
Calderón é mais uma voz (uma importante voz, por sinal) em defesa das discussões sobre a legalização ou não do comércio de drogas. Segundo a The Economist, a posição de Calderón é relevante porque ele é o primeiro presidente em exercício a defender o debate.
Acredita-se que o plebiscito pela legalização (ou não) do comércio de maconha no estado americano da Califórnia, que fica na fronteira com o México, será crucial para o futuro debate no país vizinho.
Além de serem a principal rota de trânsito de cocaína sul-americana para os Estados Unidos, os mexicanos são grandes produtores de maconha. Se a Califórnia der um sinal verde para o consumo e a venda da cannabis, o debate no México poderá ter algum futuro. Se a Califórnia rejeitar a legalização, o debate poderá estar fadado ao fracasso no vizinho do sul.
Mas o que é mais importante nessa história nem é o resultado do debate mexicano, mas o simples fato de um dos principais generais da Guerra às Drogas (aquele que comanda a batalha no território mais importante) estar dando sinais de capitulação. Justamente Calderón, que se elegeu com um discurso “durão” de quebrar o tráfico com as armas das forças armadas.
E mais uma vez, o Brasil pode tirar uma lição importante desse processo.
O tráfico de drogas, bem como o crime organizado transnacional, em geral, é uma conseqüência natural de nosso sistema capitalista, que privilegia o enriquecimento extremo (e fácil), a abertura de mercados, a livre circulação de mercadorias e o aumento do fluxo comercial entre países, e que causa a pobreza e estrangula negócios não lucrativos (como plantações de alimentos).
Antes de mais nada, não estou aqui para escrever um tratado sobre a desigualdade social ou para fazer uma apologia ao sistema socialista (ou qualquer coisa semelhante, até porque não acredito no socialismo).
Mas pare um pouco e pense: do que se trata a compra e venda de produtos ilícitos? Trata-se, acima de tudo, de um negócio econômico. Claro que se trata também de poder e de influência, mas se trata, principalmente, de uma questão financeira. Apague da memória todos os clichês que o cinema, a TV e o jornalismo incutem rotineiramente na sua cabeça.
Traficantes não são simplesmente maus, porque querem fazer maldade com o “cidadão de bem”. Eles são, acima de tudo, comerciantes. Se eles torturam, matam, tiranizam os cidadãos, isso é um resultado de sua atividade ilegal. Mas o objetivo principal de seu negócio é ficar rico. Ganhar dinheiro fácil. Ter carrões, roupas da moda e muitas mulheres (qualquer semelhança com banqueiros e especuladores financeiros não é mera coincidência).
E é aí que quero chegar. Sendo uma atividade econômica, o tráfico de drogas segue leis de mercado: a velha lei da oferta e da demanda. E problemas econômicos não podem ser resolvidos a tiros de fuzil.
Por exemplo, se a venda de automóveis cai por causa de uma crise de crédito mundial, o governo não sai às ruas prendendo as pessoas, apontando-lhes fuzis e mandando-as comprar mais carros. O governo baixa os impostos que recaem sobre a produção de veículos para baratear seu custo e permitir mais compras.
Se os consumidores deixam de comprar na sua loja porque o estabelecimento vizinho está oferecendo mais vantagens (menor preço, mais parcelas, menos juros), você não pega uma arma e mata o seu rival. Você tenta oferecer mais vantagens do que a loja vizinha.
E assim vai. A história nos mostra que não adianta tentar asfixiar o crime organizado internacional com prisões, apreensões, trocas de tiros, aumento da repressão nas rotas tradicionais etc. Novos chefes surgem. Há sempre muito mais mercadorias para serem comercializadas do que aquelas apreendidas. E os criminosos sempre encontram novas maneiras de driblar a fiscalização.
Especialistas em tráfico de drogas, como o professor Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) são categóricos em afirmar que o tráfico de drogas não vai acabar enquanto houver demanda.
Combater o tráfico de drogas é, antes de tudo, combater a demanda e, principalmente, as causas que levam as pessoas a se envolverem nesse tipo de crime, como a pobreza, a desigualdade social, a impunidade na sociedade, o desemprego, a falta de oportunidades para a juventude.
Como disse, não adianta combater uma atividade econômica com tiros de fuzis. Mesmo que essa atividade seja ilegal. Tampouco adianta combater uma atividade econômica com aumento do policiamento, com prisões, com ocupações militares de favelas.
Havendo demanda, haverá o negócio. Talvez ele só migre seu território, mude seus hábitos etc. Portanto, é preciso, ao mesmo tempo, atacar as causas do negócio ilícito (nunca apenas as conseqüências dele) e tentar trazê-lo para a legalidade.
O caso do México é peculiar, porque ele luta contra uma demanda que não está sob seu controle. Os principais consumidores das drogas que passam pelo território mexicano estão nos Estados Unidos. É de lá que vem o dinheiro (e também as armas) contra o qual os fuzis mexicanos combatem diariamente.
Logo, resta ao México duas opções: acabar com a mão-de-obra desse negócio dando oportunidades de uma vida decente a seus cidadãos dentro dos setores existentes na sua economia formal; ou trazer a economia informal para o escopo formal, legalizando o comércio de drogas.
Se o México adotar o caminho da legalização das drogas, ele poderá deixar o fuzil de lado e tentar regular a livre iniciativa no comércio de drogas.
No caso de um “ok” para a legalização, o México poderá regular o comércio de drogas, assim como o faz com qualquer atividade econômica.
Se os Estados Unidos continuarem consumindo drogas, de forma ilegal, esse será um problema que a sociedade americana terá que resolver. Enquanto estiver no México, a droga e os trabalhadores deste setor da economia estarão dentro da lei e não precisarão recorrer a armas para defender seus negócios.
Haverá descaminho de mercadorias, sonegação fiscal etc em um comércio de drogas legalizado? Certamente, como acontece em qualquer setor econômico. Mas os contrabandistas não terão tanto poder quanto os traficantes têm hoje. Os bilhões de dólares que circulam hoje nas mãos de traficantes se tornaram algumas dezenas de milhões nas mãos dos contrabandistas (ou seja, aqueles que não quiserem legalizar seu negócio).
Continuarão existindo armas, corrupção etc? Certamente. As armas existem há milhares de anos e continuarão sendo usadas por criminosos. A corrupção também existe desde tempos babilônicos. Mas a escala desses instrumentos será reduzida (e muito).
Por isso, repito: o Brasil precisa acompanhar de perto esse processo e iniciar, já, o debate aqui no país. O México será um bom paradigma para nos mirarmos, seja qual for o resultado final desse debate.
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