Em setembro eu estava de férias e, portanto, não analisei as estatísticas criminais relativas às áreas das 13 Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) mais antigas. Tampouco acompanhei a cobertura dada pela imprensa, na ocasião.
Apenas hoje pude dar uma olhada com calma nesses dados, divulgados na primeira quinzena de setembro. A ideia da Secretaria de Segurança, ao divulgar estes dados (referentes ao ano de 2010 e ao primeiro semestre de 2011), foi "comprovar" uma suposta queda dos homicídios nas áreas com UPPs no Rio de Janeiro.
Afinal, naquele período, sucessivas ocorrências criminais colocavam em cheque a eficácia da política de "pacificação" do nosso secretário-celebridade José Mariano Beltrame. Era preciso "inventar" rapidamente uma pesquisa que salvasse um pouco da combalida imagem das UPPs.
No entanto, estranhamente, apesar do alardeado pelo release à imprensa, não foram divulgadas as ocorrências criminais dos anos pré-UPP (2007, 2008 e, no caso de algumas favelas, 2009), para que a gente pudesse compará-los e verificar, por nós mesmos, a propagandeada queda.
Pessoalmente, acredito até que tenha havido queda nos indicadores criminais. Coloque meia dúzia de policiais onde não havia nenhum e você verá uma mudança na dinâmica criminal local. Mas eu gostaria de ver, por mim mesmo, qual foi a real dimensão dessa redução nos crimes.
Passada a desilusão inicial, já que eu não poderia exercitar minha capacidade comparativa, resolvi analisar a crueza dos dados absolutos desse período de um ano e meio abarcado pelo levantamento do Instituto de Segurança Pública (ISP)
Vamos então às conclusões encontradas nessa pesquisa (que, lembremos, tinha objetivo de mostrar que as favelas ocupadas por UPPs estavam mais "seguras"). Entre janeiro de 2010 e junho de 2011, ocorreram nas 13 favelas "pacificadas" nada menos do que 24 assassinatos, 36 encontros de cadáveres (na maioria das vezes, assassinatos que a polícia não quer registrar como tal), 132 tentativas de homicídio e 142 desaparecimentos de pessoas.
Ei, espera aí, deixa eu repetir os dados devagar, para que você absorva: 24 assassinatos, 36 encontros de cadáveres, 132 tentativas de homicídio e 142 pessoas desaparecidas.
Nada mal para uma região PACIFICADA, não? E olha que não estão incluídos os homicídios ocorridos no entorno dessas favelas (e provavelmente provocados por bandidos que ainda controlam as atividades criminosas dentro das comunidades com UPP).
Pelo menos 11 assassinatos ocorridos em ruas próximas ao Batan neste ano foram convenientemente retirados das estatísticas divulgadas inicialmente, depois que o comando das UPPs reclamou com o ISP. Dois mototaxistas executados, também neste ano, nas proximidades do Morro do Andaraí pelos bandidos que controlam a venda de drogas da favela tampouco aparecem na estatística do ISP.
Ou seja, poderíamos estar falando de 37 homicídios, em vez dos 24. Mas mesmo se formos considerar o conveniente número de 24 assassinatos (bem como os 36 encontros de cadáveres, 132 tentativas de homicídio e 142 pessoas desaparecidas), os dados absolutos são surpreendentes.
Apenas a favela da Cidade de Deus (considerada a mais problemática até agora), teve 11 assassinatos e mais 70 tentativas de homicídio no decorrer deste período. No Morro da Providência (cuja UPP foi inaugurada em abril de 2010), foram três homicídios e nove (isso mesmo, NOVE) encontros de cadáveres, entre abril de 2010 e junho deste ano. Na UPP do Borel (inaugurada em junho do ano passado): um homicídio, um cadáver e 12 "desaparecidos" em um ano.
No Pavão-Pavãozinho, não foram registrados homicídios. Mas isso ocorreu mais por sorte das vítimas do que por competência da UPP, já que houve 11 tentativas de assassinato na comunidade. Na UPP do Turano, inaugurada no final de setembro de 2010, a mesma coisa: 13 tentativas de homicídio entre outubro de 2010 e junho de 2011.
E, apesar do ISP não nos ter presenteado com dados de 2007, 2008 e 2009, pude fazer algumas comparações, já que algumas UPPs foram sendo inauguradas ao longo de 2010. Seguem as comparações:
No Andaraí, cuja UPP foi inaugurada em julho de 2010, houve, no primeiro semestre daquele ano (período sem UPP), um homicídio, nenhuma tentativa de homicídio e um desaparecido. No segundo semestre de 2010, já com UPP, foram três homicídios, três tentativas de homicídio e dois desaparecidos. No primeiro semestre deste ano, houve os dois homicídios que não constam nas estatísticas, uma tentativa de homicídio e cinco desaparecidos.
Não sei quanto a vocês, mas o Andaraí não me parece mais seguro depois da UPP.
Vamos ao Borel, cuja UPP foi inaugurada em junho de 2010. De janeiro a junho (período sem UPP), não foram registrados homicídios, houve uma tentativa de homicídio, um encontro de cadáver e cinco desaparecidos. No segundo semestre de 2010, já com UPP, a favela teve um homicídio, duas tentativas de homicídio, um encontro de cadáver e sete desaparecidos. No primeiro semestre de 2011, não houve cadáveres, homicídios ou tentativas, mas foram registrados quatro desaparecidos.
Também me parece que o Borel não está mais seguro que antes.
Vamos ao Morro dos Macacos, que ganhou uma UPP em dezembro de 2010 (mas que foi ocupado pela polícia em outubro daquele ano). No primeiro semestre, foram um assassinato e dois desaparecidos (nenhum encontro de cadáver ou tentativa). No primeiro semestre deste ano (já com UPP), foram um assassinato e seis desaparecidos. Se for levar em consideração os meses de outubro a dezembro de 2010, quando a polícia já estava no Macacos, foram mais dois assassinatos, um encontro de cadáver e duas tentativas de homicídio.
Me responda: com base na frieza dos números, diante desses dados, você se sentiria mais seguro com UPP ou sem UPP?
No Morro da Formiga, que ganhou UPP em julho de 2010, nenhum homicídio, tentativa de assassinato ou encontro de cadáver no primeiro semestre. No segundo semestre, já com a favela "pacificada", ainda nenhum homicídio ou cadáver, mas já aparecem quatro tentativas de homicídio. Neste ano, nenhum homicídio ou tentativa, mas houve um encontro de cadáver. Um homem assassinado dentro de casas a tiros, em agosto deste ano, não aparece ainda nas estatísticas.
Cade a pacificação no Morro da Formiga?
O Turano, que foi ocupado em agosto e recebeu UPP no final de setembro de 2010, não apresenta grandes diferenças. Teve um primeiro semestre de 2010 sem ocorrências criminais violentas. Em agosto, na primeira fase da ocupação policial, foram dois assassinatos e uma tentativa. Neste ano, sem ocorrências também.
O Salgueiro, que foi "brindado" com uma UPP em agosto de 2010, teve um homicídio no primeiro semestre do ano passado e nenhum assassinato no segundo semestre de 2010 ou no primeiro semestre deste ano. Êêêê!!! Quer dizer então que encontramos uma favela que ficou mais segura com a UPP? Bem. Eu não diria isso, no primeiro semestre de 2010, não houve nenhuma tentativa de homicídio ou encontro de cadáver. Já no segundo semestre, houve duas tentativas de homicídio (já com a UPP) e um encontro de cadáver. No primeiro semestre deste ano, nenhuma ocorrência.
Bem, era isso que eu queria apresentar a vocês. Espero que vocês reflitam sobre esses dados. E aguardo, com ansiedade, os dados referentes a 2007, 2008 e 2009, para poder fazer uma comparação mais ampla. Também espero os dados das novas UPPs (São Carlos, Engenho Novo e Rio Comprido).
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