sábado, 30 de setembro de 2017

O Exército sai da Rocinha: o dia seguinte

Então as forças armadas saíram da Rocinha na manhã de ontem (29). E você, cidadão que tem acompanhado o noticiário cotidiano, o que acha disso?

A imprensa noticia que não há tiroteios na Rocinha há mais de 24 horas. Seria isso prova de que a atuação do Exército na comunidade deu certo? Será que os militares conseguiram inibir a ação de criminosos e impediram mais banho de sangue na favela?

Se formos ouvir o que o ministro da Defesa, o governo do Rio e a imprensa tem a dizer, sim, podemos acreditar que o Exército foi uma solução de curto prazo para a comunidade.

A imprensa, as autoridades e a população adoram "soluções" rápidas, simples e mágicas para problemas duradouros, complexos e reais (alguém aí se lembra de uma solução mágica chamada UPP?). Então, não é de se estranhar que achemos que o problema foi, por hora, resolvido.

Mas se formos analisar friamente essa semana em que o Exército atuou na Rocinha, o que temos de concreto? Nada. A não ser o custo imenso que uma operação desse porte tem para os cofres públicos.

Sim. É fato que você encher uma área com agentes do Estado armado geram, em curto prazo, uma inibição da atuação de criminosos. Isso é fato notável.

Quem acompanha a segurança pública nos últimos 40 anos sabe como funcionam ocupações policiais/militares: há um tiroteio quando os agentes entram, depois das primeiras horas fica tudo tranquilo e nos dias seguintes, praticamente nada acontece a não ser algumas apreensões de armas e drogas, e as prisões de alguns borra-botas que são destacados pelo comando da quadrilha para permanecer no local e impedir a invasão de outros bandidos.

E, é claro, que não há ocupação que consiga integralmente controlar todos os pontos de uma favela grande como a Rocinha. Então, eventualmente também há alguns confrontos esporádicos entre os agentes do Estado e os criminosos armados.

Bem, isso acontece em qualquer favela do Rio de Janeiro desde a década de 80 (e até antes disso). E não foi diferente do que aconteceu na Rocinha (apenas poucas horas antes do Exército sair, policiais trocaram tiros com seis homens armados, só para dar um exemplo de que confrontos também ocorreram durante a permanência do Exército).

O Exército saiu, a polícia vai sair de fininho devagar e a UPP (que ocupa a Rocinha há cinco anos) continuará seu trabalho de enxugar gelo para manter o sonho das Unidade de Polícia Pacificadoras de pé (quando todos sabem que isso já foi sepultado).

A quadrilha que tem o controle atual do território continuará com ele. O mais provável é que os criminosos rivais tentem tomar as lucrativas bocas-de-fumo da Rocinha. Sim. Guerras como essa se estendem por semanas, ou até mesmo por meses.

Mas existe a possibilidade dos próprios criminosos entrarem num acerto, com ou sem a intervenção das autoridades de segurança. Ou o acerto pode ser determinado pelos policiais das delegacias e batalhões que regem essas dinâmicas criminais. Se o Batalhão X disser que a guerra acabou e que a facção Y vai dominar aquela favela, a guerra provavelmente vai acabar

E se não acabar por bem, acabará por mal, porque a polícia poderá tornar a vida da facção inimiga um inferno, fazendo ações policiais rotineiras que trarão prejuízo para os negócios.

E, então, tudo voltará à mais perfeita ordem, com as gangues ganhando dinheiro com a droga e os policiais corruptos lucrando com o negócio ilícito.

E nada mudará. Pode chamar o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e até os Navy Seals. No atual arranjo das coisas. Nada mudará.

Daqui a 20 anos, estaremos exigindo a entrada do Exército na Rocinha (ou em outra favela), dizendo que a situação ficou insustentável. E daqui a 20 anos, ficaremos satisfeitos apenas porque os tiroteios pararam por 24 horas.

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