quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Moradores do Morro da Providência dizem que a vida pouco mudou desde instalação de UPP

Após quase nove meses do início da ocupação policial permanente no Morro da Providência, no centro da cidade do Rio, os moradores do local dizem que a vida pouco mudou nesse período. A ocupação da comunidade, que é considerada a primeira favela do Rio de Janeiro, teve início em março deste ano com uma ação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) e foi consolidada com a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em abril.

Os resultados da ocupação policial são visíveis no que se refere à segurança. A reportagem da Agência Brasil percorreu ruas e vielas desde o sopé até o cume do morro sem encontrar nenhum criminoso armado, ocorrência que era comum há um ano. Os próprios moradores comemoram a chegada da polícia.

Apesar disso, a maioria das pessoas ouvidas pela Agência Brasil diz que a vida, a rotina e os problemas pouco mudaram desde a instalação da UPP. Sentada na calçada de uma travessa do Morro da Providência, uma moradora de 61 anos, que vive há 41 anos na comunidade, diz que a diferença é que agora não há tiroteios.

“Para mim, a grande diferença é que não há mais tiroteios. Nosso morro já era relativamente tranquilo. Só tinha tiroteio mesmo quando a polícia entrava para fazer operação. Na verdade, os bandidos não incomodavam muito a gente. Então, não sinto grande diferença. Além disso, ainda tem muitos usuários de crack que circulam por aqui”, disse a moradora, que não quis se identificar.

Eliana de Jesus, que vive no morro desde que nasceu, há 50 anos, concorda. “Para mim, também, a única diferença é que não há mais tiroteios. Mas fora isso, a comunidade continua a mesma, com os mesmos problemas”, conta.

Alguns moradores mostraram uma mancha escurecida no calçamento da rua. Até dias atrás, por ali corria esgoto a céu aberto, porque a rede coletora da comunidade estava entupida.

Eles contam que a Associação de Moradores entrou em contato várias vezes com as autoridades responsáveis para pedir que o problema fosse resolvido. Entretanto, nenhum dos pedidos foi atendido. Segundo eles, a rede coletora só foi desobstruída quando uma equipe de televisão foi ao local denunciar o problema. Ainda assim, quando chove, o esgoto volta a correr.

Do outro lado da comunidade, o problema é o mesmo. Numa escadaria que leva da Ladeira do Barroso até uma igrejinha no alto da favela, o esgoto desce pelos degraus, como se fosse uma cascata.

As casas também apresentam problemas. Com exceção de algumas, mais espaçosas, a maioria é caracterizada pelo tamanho reduzido, pela precariedade da edificação e pela falta de iluminação natural e ventilação. Muitas casas se amontoam sobre as outras.

É o caso do local onde mora a costureira Francisca Nascimento de Lima, 54 anos, que vive há 27 anos na favela. Ela mora de aluguel num quarto e sala na comunidade da Pedra Lisa, uma das áreas mais pobres do Morro da Providência. Em seu quarto, dormem ela, o filho excepcional, de 22 anos, e a filha de 8 anos. “O pai deles bebia muito. Preferi me separar”, conta, justificando a ausência do marido.

A costureira diz que não tem condições de morar fora da favela e que decidiu continuar morando no Morro da Providência pela proximidade com o centro da cidade. “Já tentei comprar alguma coisinha para eu morar lá fora. Mas minha renda não permite [fazer financiamento]”, disse.

Francisca estende suas roupas num varal improvisado numa rua próxima à sua casa. A casa, que fica espremida entre um paredão de rocha e outras residências, não tem nenhuma janela voltada para o exterior. Ela diz que não tem espaço, luz nem ventilação suficientes para secar as roupas dentro de casa. “Tenho medo de que roubem minhas roupas lá na rua, mas fazer o quê?”, pergunta.

Enquanto pendura as roupas no varal improvisado, ela comemora o fato de não existirem mais bandidos armados na área, mas reclama do lixo nas ruas e do vazamento de esgoto. “Só não está vazando nada agora, porque estamos sem água. Senão, você veria o esgoto correndo por aqui”, afirma.

Do outro lado do morro, a senhora de 61 anos que não quis se identificar lamenta ainda a ausência de equipamentos de saúde próximos à sua casa. “Sou hipertensa e só tem um posto de saúde aqui perto, mas você não consegue atendimento, não consegue remédio. Tem que esperar desistência [de outro paciente]”, afirma.

A dona de casa Joana D’arc Reinick, 48 anos, mora há 21 anos no Morro da Providência. Ela divide a casa com seis pessoas da família e engrossa o coro daqueles que dizem que pouca coisa mudou na comunidade. “Nossa grande carência aqui é médica. Estamos completamente isolados. Se a pessoa não tiver um plano de saúde não consegue nada. O Hospital Souza Aguiar [localizado próximo dali] só atende agora emergência mesmo”, disse.

Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, um grande projeto de urbanização do Morro da Providência está sendo licitado. Com o custo de R$ 119 milhões, o projeto prevê a construção de 264 casas para reassentar moradores de áreas de risco, sobretudo na Pedra Lisa, além do alargamento de ruas e da instalação de um teleférico e de um plano inclinado para facilitar a circulação de pessoas. Está prevista ainda a criação de uma creche para 170 crianças, de um centro esportivo e de um centro de trabalho e renda.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, a região do Morro da Providência é servida por um posto de saúde no bairro vizinho do Santo Cristo. Há projetos de construção, em 2011, de uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) no centro, que poderá atender aos moradores da comunidade, e a implantação de uma clínica de saúde da família na área.

Já a Secretaria Estadual de Assistência Social informou que tem vários projetos previstos no programa UPP Social. Entre as medidas previstas está a implantação de um centro para a juventude, no ano que vem, a regularização do fornecimento de água, a legalização de empresas, a capacitação de jovens e a coleta domiciliar de lixo.

Considerada a primeira favela do Rio de Janeiro, o Morro da Providência foi ocupado no final do século 19 por ex-combatentes da Guerra de Canudos. Em seu antigo nome, Morro da Favela, está a origem do substantivo usado hoje para dar nome às comunidades carentes do Brasil.

*Reportagem publicada na Agência Brasil

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