sábado, 15 de outubro de 2011

Comentários sobre dados de violência em favelas "pacificadas" (ou seja, aquelas que têm destacamentos policiais dentro delas)

Há alguns dias, escrevi um artigo sobre as ocorrências criminais nas favelas "pacificadas" do Rio de Janeiro (ver post abaixo), entre janeiro de 2010 e junho de 2011. Na ocasião, me ative exclusivamente aos números e não fiz grandes reflexões sobre os dados.

Além da óbvia conclusão de que as favelas pacificadas continuam sendo áreas violentas (com 24 homicídios, 36 encontros de cadáveres e 132 tentativas de homicídios em 13 favelas, em um ano e meio), os dados lançam outras luzes sobre o processo de pacificação (luzes essas que, espero, estejam servindo para iluminar nossas autoridades de segurança).

Certa vez fui interpelado por uma assessora do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, dizendo que eu torcia pelo fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Respondi-lhe que não. Que, pelo contrário, torcia para que elas fizessem sucesso, afinal não pretendo me mudar do Rio de Janeiro e desejo que meus filhos e netos vivam em uma sociedade civilizada (na qual até hoje não tive oportunidade de viver).

Mas apenas acreditava que as UPPs não dariam certo e que as autoridades de segurança (confiantes em seu próprio sucesso) não estavam preparadas para adaptar o bem sucedido modelo das UPPs da zona sul ao processo de expansão do projeto, que incluiria novas e distintas comunidades (da Tijuca e, principalmente, do subúrbio).

Disse a ela que meu objetivo com o blog era não só ajudar a população a enxergar as UPPs como elas são, mas também contribuir construtivamente com o governo, através de minhas críticas, a melhorar o processo.

Não acreditar no sucesso de uma política é uma coisa. Torcer por seu fracasso é outra. Eu torço, do fundo do meu coração, para que eu esteja errado e que a política seja bem sucedida (afinal, não tenho nada a perder. Tenho minha profissão e não ganho qualquer dinheiro com esse blog). Mas infelizmente, até o momento (para desespero dos assessores governamentais que acompanham meu blog), a maioria das análises que fiz sobre as UPPs (e das coisas que eu previ) está se mostrando correta (até mesmo minha previsão sobre o fracasso da ocupação do Alemão).

E esse post vai nessa direção, de não só confirmar o que eu vinha alertando há tempos, como também de ajudar, com minhas críticas, a abrir o olho das autoridades de segurança (para que elas não sejam engolidas por sua própria soberba).

Os dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram conclusões interessantes. Os crimes violentos, por exemplo, são maiores nas favelas da Tijuca, Centro e zona oeste do que nas favelas da zona sul do Rio de Janeiro. E mesmo na Tijuca, a média de crimes violentos por favela é menor que no Centro e na zona oeste.

Enquanto nas quatro favelas da zona sul analisadas pela pesquisa (Dona Marta, Tabajaras, Babilônia/Chapéu Mangueira e Pavão) a média de homicídios por favela é de 0,5 homicídio, 5 tentativas de homicídio, 0,5 encontro de cadáver e 6,25 desaparecidos, nas seis favelas da Tijuca (Turano, Borel, Salgueiro, Formiga, Andaraí e Macacos), a média já sobe um pouco para 1 homicídio, 0,5 encontro de cadáver, 5 tentativas e 6,6 desaparecidos por favela.

Já a favela do Centro, o Morro da Providência, tem 3 homicídios, 9 cadáveres, 5 tentativas, 8 desaparecidos. Enquanto isso, as duas favelas da zona oeste (Cidade de Deus e Batan) têm uma média de 6 homicídios, 1 cadáver, 39 tentativas e 30,5 desaparecidos por favela (claro que a Cidade de Deus puxa bastante a média para o alto).

Outra conclusão é que as favelas maiores e com maior histórico de violência (entre bandidos e entre polícia e bandidos) têm maiores índices de violência. É o caso da Cidade de Deus, com 11 homicídios e 76 tentativas de homicídio).

Favelas pequenas, mas com histórico de violência, também aparecem com indicadores mais negativos, como é o caso da Providência (com três homicídios, nove encontros de cadáver e cinco tentativas de homicídio), Borel e Morro dos Macacos (com um homicídio, cada) e Ladeira dos Tabajaras (com dois). O Andaraí (com três homicídios registrados e mais dois ocorridos no entorno da favela) surge como uma surpresa, uma vez que não tem histórico de grande violência.

Já havia dito em posts anteriores que a UPP enfrentaria mais problemas quanto mais se expandisse para favelas maiores e para comunidades do subúrbio. As razões são claras. Territórios maiores oferecem mais desafios para ocupações militares. E favelas do subúrbio são mais próximas umas das outras (algo que não acontece na zona sul, mas que acontece na Tijuca).

Quando uma favela está pacificada, mas sua vizinha não está, há o desafio de controlar o trânsito de criminosos entre as duas favelas.

As comunidades do subúrbio, assim como a população do "asfalto" no subúrbio, está acostumada a receber menos atenção do Estado (aí está uma diferença para as favelas da Tijuca). A polícia sempre foi mais violenta nas áreas do subúrbio do que na zona sul e Tijuca.

Estudos de instituições como a Fundação Getulio Vargas já mostraram que há diferenças entre as condições sociais de moradores de favelas da zona sul (que vivem melhor) e moradores de favelas do subúrbio (que vivem pior).

Os índices de criminalidade do subúrbio sempre foram maiores que os da zona sul e da zona norte. Logo, é de se inferir que bandidos sempre atuaram de forma mais livre nas regiões mais pobres da cidade.

Ao tentar pacificar áreas maiores, mais próximas de outras favelas e com históricos de exclusão/desconfiança em relação ao Estado, a polícia enfrentará dificuldades cada vez maiores.

E a política de expansão das UPPs vem mostrando esse desafio. Se em 2009 e 2010 era difícil ver notícias sobre ocorrências violentas nas favelas "pacificadas", em 2011, começamos a perceber mais violência nessas áreas.

Se as autoridades públicas de segurança pretendem expandir a política de UPP para mais favelas do subúrbio (e de outras regiões do Rio) e para grandes favelas da zona sul (Rocinha e Vidigal), será preciso fazer mudanças profundas na estratégia de ocupação dessas comunidades.

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