A ocupação da Rocinha tem merecido espaço considerável na mídia nacional, nos últimos dias. Até mesmo em canais internacionais, como a rede de TV americana CNN. Afinal, a ocupação da Rocinha é, para os cariocas, tão simbólica quanto a do Complexo do Alemão, em virtude da grande quantidade de notícias negativas surgidas nessas favelas em anos passados.
A Rocinha nunca foi tão violenta quanto o Complexo do Alemão. Mas quando episódios de violência ocorriam na favela, como as esporádicas operações policiais ou as sucessivas tentativas de invasão por quadrilhas rivais, principalmente nos anos 2004 e 2005, as notícias estampavam capas de jornais e revistas e ocupavam espaços consideráveis nos telejornais.
O motivo é simples: a Rocinha localiza-se num dos bairros com metro quadrado mais caro do Rio, São Conrado, e fica inconvenientemente posicionada sobre a principal via de ligação do bairro nobre da Barra da Tijuca com os mais nobres ainda Leblon, Gávea e Lagoa.
Tiroteios, que eram e continuam sendo comuns em várias partes do estado do Rio de Janeiro, tornavam-se, para a imprensa e o governo, inaceitáveis quando atingiam o carro de um morador que paga “IPTUs altíssimos” e “compra os produtos anunciados nos jornais e nas TVs”. Ou simplesmente quando, de tão intensos, os confrontos provocavam o fechamento do túnel que passa sob a Rocinha e impediam esses cidadãos de “primeira classe” a chegar em casa ou no trabalho.
A ocupação da Rocinha pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) era certa, até mesmo antes da acidental ocupação do Complexo do Alemão. Era uma demanda contínua da imprensa e dos moradores da zona sul.
Sua ocupação só demorou porque a Secretaria de Segurança estava juntando know-how suficiente para lidar com uma favela daquelas dimensões. A política de instalação das UPPs começou por favelas menores e mais fáceis de controlar (com exceção da Cidade de Deus, que a Secretaria de Segurança provavelmente se arrepende de ter ocupado tão cedo, no início de 2009).
Um erro na Rocinha provocaria a cabeça do secretário de Segurança e talvez até do governador Sérgio Cabral. Não cabia ali um laboratório como o que foi feito no Dona Marta ou no Chapéu Mangueira/Babilônia. Ao entrar na Rocinha, a polícia teria que ter experiência suficiente para que nada desse errado.
A Rocinha provavelmente seria ocupada depois da finalização do cinturão de segurança da Tijuca/Centro da cidade. Nos meus cálculos, a Rocinha seria ocupada entre o segundo semestre deste ano e o primeiro semestre de 2012.
Mas aí, nesse meio tempo, veio a ocupação do Complexo do Alemão, algo que a Secretaria de Segurança foi obrigada a fazer, sem muito planejamento, no final de 2010, depois do caos que bandidos daquela comunidade instauraram nas ruas do Rio de Janeiro. A “pacificação” do Alemão foi uma resposta das autoridades para a violência que eles não tiveram a capacidade de evitar.
O Alemão foi ocupado no meio do processo de pacificação da Tijuca, no meio da ocupação do Morro dos Macacos (outra favela simbólica) e antes das favelas São João/Matriz, Mangueira/Tuiuti e os complexos de São Carlos e Rio Comprido.
Tão logo essas favelas menores fossem concluídas, era certo que a Rocinha e o Vidigal, últimos grandes bastiões da criminalidade na zona sul seriam alvos da UPP.
Mas o Alemão complicou as coisas, porque exigiu a formação, a toque de caixa, de mais de dois mil novos policiais militares, ao mesmo tempo em que se formavam PMs para as UPPs da Tijuca e Centro.
Diante de tamanho pepino, era esperado que a Secretaria de Segurança não ocupasse a Rocinha tão cedo. Pelo menos, não pelos próximos meses. Afinal, a UPP da Rocinha vai exigir um efetivo semelhante ao do Alemão (cerca de dois mil homens). Será preciso tempo para formar tantos homens.
Então, era de se esperar que a Secretaria de Segurança só ocupasse a Rocinha a partir de março de 2012, quando os policiais militares começassem a substituir o Exército no Complexo do Alemão, liberando a força armada para atuar em outra ocupação de longo prazo.
Segundo o Estado-Maior da Polícia Militar, hoje há 1.500 policiais militares formados, esperando para começar a atuar nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Contando que outros 1.200 policiais foram formados para atuar em outras UPPs instaladas neste ano, a PM conseguiu formar,no máximo, 2.700 homens para as UPPs em um ano.
Para formar os outros 700 policiais que faltam para ocupar o Complexo do Alemão e mais os 2 mil da Rocinha, serão necessários mais 12 meses. O que me leva a crer que a UPP da Rocinha só deverá ser inaugurada a partir de novembro de 2012 (se nenhuma outra favela for ocupada nesse meio tempo).
Nesse período, quem ficará ocupando a comunidade? O Exército? Os fuzileiros navais? Será o Bope e o Choque (que têm funções específicas dentro da estrutura da PM e não podem liberar tantos homens de suas funções primordiais para empreender uma ocupação de longo prazo)? Isso ainda não ficou muito claro. E a imprensa não parece estar muito preocupada com isso.
Quando fiz essa pergunta para o coronel Pinheiro Neto, chefe do Estado-Maior da PM, dentro do QG, na última semana, ele não me respondeu. Disse apenas que esse era um “desafio que ele teria que superar”. “Afinal, esse é a minha função, tornar possíveis essas operações”, respondeu-me o oficial, sem me esclarecer muita coisa.
Será que a opção da Secretaria de Segurança será inverter a ordem das ocupações? Destinar os primeiros 2 mil formandos para a UPP da Rocinha e fazer o Alemão esperar mais alguns meses pela instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, aproveitando que o Exército já está no Alemão?
Nesse caso, a Rocinha poderia ganhar uma UPP logo nos primeiros meses de 2012. Nesse cenário, talvez a PM espremesse seu quadro de pessoal e fizesse uma força-tarefa meio precária, junto com a Polícia Civil, para fazer a ocupação temporária nesses próximos meses.
Mas nesse cenário, de ocupação meio precária, será que a Polícia conseguiria consolidar seu controle sobre o território, antes da chegada dos neófitos da UPP? O Exército está há um ano, com sua “mão forte” e sua doutrina de garantia da lei e da ordem, tentando, com 1.800 homens atuando quase em tempo integral, consolidar seu controle do Complexo do Alemão, sem sucesso. Tiroteios e assassinatos continuam ocorrendo no Alemão “pacificado”.
Com poucos meses de ocupação temporária, a polícia não conseguiu impor controle sobre as favelas dos complexos do São Carlos e do Rio Comprido, territorialmente bem inferiores à Rocinha. Hoje, os policiais da UPP precisam lidar com tiroteios rotineiros, já que bandidos continuam controlando porções dessas favelas, com o apoio de alguns segmentos da população e de policiais corruptos da própria UPP.
A Rocinha certamente não apresenta os desafios do Alemão. A favela da zona norte é maior, está localizada em área hostil (cercada por várias favelas ainda controladas por quadrilhas armadas). O número de acessos e vias de fuga do Alemão é muito maior do que os da Rocinha. A negligência dos governos com as favelas do subúrbio sempre foi muito maior do que com aquelas da zona sul. Historicamente, os episódios de violência no Alemão foram muito mais numerosos e contundentes do que aqueles da Rocinha.
No entanto, a polícia pode ter grandes problemas na Rocinha, sim. Principalmente, se fizer um trabalho de ocupação temporária (pré-UPP) apressado e pouco criterioso. A Rocinha é uma favela gigante, propícia à formação de bolsões controlados por criminosos, é um ponto de vendas de drogas geograficamente bem localizado (e, por isso, extremamente lucrativo).
Por ser lucrativo, o ponto de venda de drogas pode atrair a cobiça de outros bandidos. A defesa desses pontos de venda de drogas, que nas UPPs costuma ser feito sem a ostensividade de armas, pode ser diferente na Rocinha. Para defender lucrativos pontos de venda de drogas, os bandidos podem ter que recorrer a mais armas e fazer mais uso delas (como nos Complexos do São Carlos e do Rio Comprido e como no Alemão).
Como disse, aqui neste blog, durante os primeiros dias de ocupação do Complexo do Alemão, é preciso esperar para ver. Não acho que a UPP da Rocinha será tão problemática, mas certamente não será um mar de rosas. A Secretaria de Segurança precisa ser muito criteriosa na preparação do terreno, antes da implantação da UPP, e precisa acompanhar muito de perto o andamento da UPP.
Não sei se o governo do Rio resolveu antecipar a ocupação da Rocinha, visando melhorar sua imagem combalida diante de episódios recentes (a manipulação das estatísticas criminais, a violência nas favelas “pacificadas”, o assassinato do cinegrafista da Band, o exílio do deputado Marcelo Freixo) e buscando preparar terreno para a reeleição de Eduardo Paes à prefeitura.
Mas independentemente do motivo que levou o governo a apressar a coisas, é preciso ter cautela nesse processo de pacificação da Rocinha e não deixar que agendas políticas ditem o ritmo das ações de segurança pública.
De resto, desejo sucesso à UPP da Rocinha, e continuo cobrando da Secretaria de Segurança uma política de segurança mais ampla, que atenda a todo o estado do Rio de Janeiro (e as mais de 1.500 favelas fluminenses controladas por criminosos que não têm nem terão UPP) e não apenas a algumas favelas simbólicas.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
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Belíssimo texto, Vitor. Mesmo diante do déficit óbvio de PMs para as UPPs existentes, já houve anúncio governamental de que o Bope vai pra Maré em breve (já passaram os 3 dias dados...) e jornais já anunciam que o Complexo é o próximo terrítório a ser 'retomado'. Diante da falta de análise, textos acríticos e excesso de "positivismo", a coisa vai andando. Sabe-se lá pra onde...
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