Acostumamo-nos a ver nos últimos meses, através da imprensa, a imagem de um Rio de Janeiro que está dando certo. São imagens de crianças apertando a mão de policiais em favelas "pacificadas" e de militares transitando supostamente tranquilos pelo Complexo do Alemão, reportagens sobre turistas visitando as áreas com UPPs, dados mostrando supostas reduções nos índices de criminalidade e elogios sem fim ao secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, e a seu chefe, o governador Sérgio Cabral, por terem dado uma solução à violência no estado.
São imagens que a imprensa e o governo querem (e têm conseguido) nos vender. Imagens de um Rio supostamente maravilhoso, que deixou para trás as marcas de um cotidiano de tiroteios, de assassinatos, de "bondes do mal", de traficantes sanguinários que mandam no estado. Vemos essas imagens diariamente no nosso noticiário e nos discursos das autoridades públicas federais, estaduais e municipais.
São imagens e informações que, repetidas à exaustão, dão a confortável impressão aos cariocas de que o Rio está vencendo a guerra contra a violência.
Mas se, por um lado, a propaganda do governo e da imprensa tem êxito em passar uma ilusória tranquilidade à população, essa mesma propaganda não é capaz, por razões óbvias, de acabar com a violência real, que ainda existe no Rio de Janeiro.
Rotineiras ocorrências de violência teimam em brigar com a propaganda do governo fluminense e insistem em continuar acontecendo no estado. São centenas de homicídios, milhares de ocorrências de roubo, inúmeras operações policiais desastrosas, vários tiroteios em favelas "pacificadas" ou não, relatos de bandidos que continuam mandando em centenas de comunidades do Rio de Janeiro, uma juíza assassinada por criminosos fardados, um deputado que deixa o país com sua vida ameaçada etc.
São ocorrências que, de maneira desconfortável, lembram os cariocas de que não moramos na Suíça, como certa vez, o secretário nos quis fazer crer. Nem estamos perto disso. Estamos muito mais perto de uma Colômbia, de uma Venezuela, de um México, do que de uma Suíça, de uma Noruega, de um Chile (sim, o Chile parece um país europeu, no que se refere a segurança pública).
Hoje, ao acordar, recebi a desagradável notícia de que um colega de profissão morreu baleado ao tentar reportar uma operação militar. O cinegrafista Gelson Domingos, da TV Band, morreu durante um tiroteio intenso, no meio de uma batalha, com um tiro de fuzil no peito. Ele não morreu na Líbia, na Somália, no Iraque ou no Afeganistão. A operação militar ocorria muito próximo da gente, em uma área residencial, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro: a favela de Antares.
A morte de Gelson não é chocante porque ele era um jornalista. A morte de Gelson é chocante porque ele foi vítima de uma arma de guerra, em meio a dezenas de tiros disparados a esmo, no meio de uma área urbana, na segunda maior cidade do Brasil. É chocante porque Gelson é apenas um dentre centenas de pessoas que morrem ou ficam feridas em ações policiais e tiroteios no Rio de Janeiro.
Sua morte é chocante, como são chocantes as mortes de cerca de 8 mil pessoas, que são assassinadas a cada ano no Rio de Janeiro.
É claro que sua morte me toca pessoalmente, porque também sou jornalista. E, como vários de meus colegas que cobrem ou cobriram operações policiais no Rio de Janeiro já relataram, isso nos leva a refletir sobre nossa profissão.
Já cobri algumas operações policiais na minha carreira, em áreas consideradas perigosas, como a Rocinha, a Maré e o Complexo do Alemão. Certa vez fiquei encurralado, a poucos metros de bandidos e policiais que trocavam tiros de fuzil, na favela da Chatuba da Penha. Foram cerca de 15 minutos de intenso tiroteio, daqueles em que é impossível calcular o número de disparos, ou saber de onde vêm os tiros.
Mas a morte de Gelson é mais do que isso. A morte de Gelson sintetiza o que vive o Rio de Janeiro. Continuamos sendo um estado e uma cidade tão violentos como éramos há cinco, seis ou sete anos.
Apesar de toda a bem sucedida propaganda do governo fluminense, empreendida com o lamentável apoio dos principais órgãos de imprensa cariocas, o Rio não está nem perto de ser pacificado.
Venho repetindo isso há meses. Pelo menos desde 2009, venho publicamente tentando convencer a todos (de forma incansável), que nossa política de segurança estadual (bem como a política federal) está equivocada.
Que a morte de Gelson sirva para que a população desperte, de vez, dessa ilusão. O Rio não está pacificado. O Rio está violento. Beltrame não é um herói, é apenas um secretário de Segurança que, como tantos outros que o antecederam, não tem conseguido reverter o cenário de violência do Rio de Janeiro.
Que a população acorde e cobre mudanças. Que deixe um pouco de lado as imagens massificadas de favelas sendo "pacificadas". Que passe a reparar nas mortes e ameaças a autoridades, nos milhares de homicídios de cidadãos fluminenses, na manipulação das estatísticas criminais, na corrupção policial, na corrupção governamental, nas centenas de favelas que não foram e nem serão "pacificadas", nas comunidades do subúrbio que vivem meses em guerra, nas escolas que não têm aulas por falta de segurança, nas ruas escuras em que não se pode circular por causa de assaltos, nas vítimas de balas perdidas, nas máfias de policiais que ampliam seu poder no estado, nas pessoas baleadas nas operações policiais...
Enfim, olhem a sua volta. Afinal, você está mais seguro?
Veja abaixo as últimas imagens de Gelson. É possível ver um vulto no canto esquerdo do vídeo (lado direito de quem está assistindo) do que parece ser o projétil que o atingiu, pouco antes de ele cair no chão com a câmera.
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Vitor, estou vendo seu blog por uma entrevista de você falando das UPPs. Estou fazendo intercambio aqui no Rio e me interessei pelo assunto. Quero te fazer umas perguntas sobre a pacificação que vai acontecer no Vidigal/Rocinha essa semana. Posso ter seu email? Obrigado
ResponderExcluirMattan
Bom dia, Mattan. Meu e-mail é vitorabdala@gmail.com
ResponderExcluirAbraço