O número de armas de fogo vendidas no Brasil aumentou 70% desde a aprovação do comércio de armas em um referendo nacional, realizado em 2005. Segundo dados da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército, obtidos pela Agência Brasil, em 2005 foram vendidas 68 mil armas. Em 2009, esse número já chegava a 116,9 mil.
Neste ano, completam-se cinco anos desde a realização do referendo nacional, no qual a população decidiria se o comércio de armas de fogo e munição deveria ser proibido. A consulta popular havia sido prevista pelo Estatuto do Desarmamento, aprovado dois anos antes, e que impôs regras mais rígidas para o registro de armas.
No referendo, 59 milhões de pessoas optaram por manter o comércio de armas de fogo, contra apenas 33 milhões que queriam a proibição. Os dados do Exército mostram que a venda de armas no país - que havia sido reduzida 89% entre 2001 e 2004 devido ao estatuto - voltou a crescer depois do resultado do referendo.
Apesar do comércio de armas de fogo ainda ser bastante inferior ao de antes do estatuto - em 2001 foram vendidas 566 mil armas no país -, os números mostram um crescimento das vendas entre o ano do referendo e o ano passado.
O sociólogo Antonio Rangel Bandeira, especialista em controle de armas da organização não governamental Viva Rio, que defendeu a proibição do comércio na campanha de 2005, lamenta o resultado do referendo e se diz preocupado com o aumento das vendas de armas de fogo.
“O grande problema do crime é a arma pequena, que é comprada em loja ou roubada do cidadão de bem, que, por sua vez, comprou essa arma numa loja. Ao proibir o comércio, você fecharia uma das grandes fontes, para não dizer a maior fonte, que abastece a criminalidade de armas”, disse.
Já o assessor e ex-subdiretor de Fiscalização da DFPC, coronel Achiles Santos Jacinto Filho, minimiza o crescimento apresentado pelos números do Exército. Segundo ele, o crescimento nos últimos anos, que teve um pico em 2008 com a venda de 133,7 mil armas e uma leve queda em 2009, não foi tão expressivo.
O coronel acredita que o comércio de armas deverá se estabilizar e não alcançará níveis como os do início da década de 2000. “O aumento, principalmente em 2008 e 2009, se deveu a alguns fatores como a autorização para que os policiais pudessem adquirir armas do calibre .40. Então houve umas aquisições que são reflexo disso. Mas a tendência é que se mantenha uma estabilidade no comércio”, afirma o coronel.
Segundo dados do Exército, as armas mais vendidas para os cidadãos comuns são os revólveres e pistolas, nos calibres 32, 38 e 380. Já os policiais e militares adquirem mais as pistolas 9 milímetros e .40.
Os dados do Exército, que se referem às armas nacionais vendidas dentro do país, mostram a seguinte tendência: em 2001 foram vendidas 566,2 mil armas. Esse número caiu para 313,2 mil em 2002 e para 115,9 mil em 2003 (ano do estatuto), atingindo 63,6 mil no ano seguinte. Em 2005, o comércio começou a subir: 68 mil.
A trajetória de crescimento se mantém até 2008, com 81,2 mil armas vendidas em 2006, 92,7 mil em 2007 e 133,7 mil em 2008. Em 2009, as vendas caem para 116,9 mil, ou seja, 70% a mais do que em 2005.
A Agência Brasil também teve acesso aos dados de armas importadas pelo país - exceto aquelas importadas pelas Forças Armadas. O comércio de armamento importado no Brasil também mostra crescimento entre 2009 e 2005. Em 2009, o Brasil importou 3,2 mil armas, isto é, quase três vezes mais do que em 2005, quando foram importadas 1,1 mil.
Polícia Federal diz que falta integração com Exército para controle de armas
Uma determinação do Estatuto do Desarmamento - que poderia garantir maior controle da polícia sobre as armas de fogo no país - ainda não foi cumprida pelas autoridades governamentais, mesmo passados cinco anos do prazo dado pela lei.
O Decreto 5.123, de 2004, regulamentou o estatuto aprovado no ano anterior e previa que os dois sistemas de controle de armas no país - o Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) do Exército - deveriam ser integrados até julho de 2005.
O Sinarm é responsável pelas armas de civis, das polícias Federal, Civil e Legislativa, das guardas municipais, dos agentes penitenciários e das empresas de segurança privada. Já o Sigma é responsável pelas armas das Forças Armadas, das polícias e bombeiros militares, dos órgãos da Presidência e de colecionadores, atiradores e caçadores.
A Polícia Federal (PF) diz que, como os sistemas ainda não foram integrados, não pode ter acesso a dados importantes do sistema controlado pelo Exército. Segundo a delegada da Divisão de Repressão ao Tráfico de Armas da PF, Alessandra Borba, o Exército alega que há dados confidenciais no Sigma que podem colocar em risco a segurança nacional, como o tamanho do arsenal das Forças Armadas.
Alessandra Borba diz que concorda com a confidencialidade de alguns dados, mas que há informações no Sigma que poderiam ser compartilhadas com a Polícia Federal sem qualquer problema, como os registros das armas de colecionadores, atiradores e caçadores.
“A gente entende que não tem razão o sigilo em torno desses dados. Muitas instituições não governamentais defendem que não há razão para que esses dados continuem sob o comando do Exército. Sob uma análise objetiva, essa não é uma informação que interesse à segurança nacional. Na verdade, essas pessoas são civis, em sua maioria, com posse de armas, que têm acesso a um arsenal muito maior do que o necessário e que deveriam vir para um cadastro único”, afirma Borba.
O acesso a informações sobre colecionadores, atiradores e caçadores facilitaria à Polícia Federal investigar esquemas de desvio de armas e munições, como o descoberto na Operação Chumbo Grosso. Na ação, realizada em maio deste ano no Rio Grande do Sul, os policiais desarticularam um esquema de desvio de armas por colecionadores, atiradores, clubes de tiro e armeiros - oito pessoas foram presas e mais de 500 armas foram apreendidas.
No caso dessa operação específica, a Polícia Federal dependeu de uma informação repassada pelo Exército, que suspeitou do envolvimento de um major no esquema.
Mas, segundo o coronel Achiles Santos Jacinto Filho, da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército, a Polícia Federal já tem acesso a alguns dados do Sigma, ainda que de forma restrita.
De acordo com o oficial, o Exército já encaminhou ao Ministério da Defesa uma proposta de integração dos dois sistemas. “Isso depende de uma portaria interministerial e essa portaria ainda não saiu. Agora, já iniciamos o contato com a Polícia Federal. Nossa intenção é ir lá, conversar com eles para tratarmos desse assunto. Mas friso que existe a integração, o que há é uma demanda da polícia que gostaria de ter mais informações”, afirma o coronel.
Sobre as armas de colecionadores, atiradores e caçadores, Achiles Santos diz que o controle permanece com o Exército porque muitas das armas dessas pessoas são de calibre restrito, cuja responsabilidade de fiscalização cabe aos militares.
Mil e quinhentos militares do Exército fiscalizam produção e comércio de armas
O controle das armas de fogo no Brasil é uma função compartilhada entre a Polícia Federal e o Exército. No entanto, a fiscalização da produção, exportação, importação e dos estabelecimentos comerciais autorizados a vender armas cabe somente ao Exército. A tarefa envolve 1.500 militares, de 270 unidades, que integram uma rede coordenada pela Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC).
De acordo com o assessor da DFPC, coronel Achiles Santos Jacinto Filho, esses militares são responsáveis por vistoriar as fábricas de armas, o comércio especializado, as operações de exportação e importação e parte das autorizações de compra de armas no país.
“A arma só sai da fábrica depois que o fiscal autoriza a circulação desse produto. E quando ela sai da fábrica, já se sabe o destino dela. Por meio do Sistema de Controle Fabril (Sicofa), sabe-se quem é o comprador dessa arma, se foi o comércio, se foi pessoa física, se ela foi exportada”, conta o coronel.
Uma vez no comércio, o Exército diz que mantém o controle da arma por meio de vistorias periódicas nas lojas para verificar os documentos, as condições de segurança, os estoques e calibres que estão sendo vendidos, uma vez que o comércio não pode vender armas de calibre restrito, utilizadas pelas Forças Armadas.
Já a função de controle da venda do comércio para o consumidor final é compartilhada com a Polícia Federal. Em geral, essa tarefa fica com a Polícia Federal, que registra as vendas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Mas, em alguns casos, como a venda para colecionadores, atiradores e caçadores, o controle é do Exército, que registra as vendas pelo Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma).
O Exército diz que, com esse sistema, consegue fazer um controle efetivo das armas de fogo no país, evitando que esses produtos sejam desviados para as mãos de criminosos. Mas não é o que pensa o sociólogo Antonio Rangel Bandeira, especialista em controle de armas da organização não governamental Viva Rio.
Para Bandeira, o controle do Exército sobre as 666 lojas autorizadas a vender armas no Brasil é muito “ineficiente” e isso foi provado durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Armas, realizada em 2006 na Câmara dos Deputados. Segundo ele, a CPI mostrou que muitas armas vendidas em lojas do Rio de Janeiro acabavam nas mãos de bandidos.
“Temos um descontrole dos comerciantes de armas no Brasil. Queríamos que o controle do comércio passasse do Exército, como é hoje, para a Polícia Federal, por uma razão muito simples: isso não é função de militar, isso é função de polícia, que fiscaliza normalmente o comércio no Brasil para evitar fraude, contrabando e evitar que essas armas acabem vendidas, por baixo do pano, para a bandidagem”, disse Bandeira.
Em defesa do Exército, o coronel Achiles Santos diz que a efetividade do controle se traduz em números. Segundo ele, em 2009, por exemplo, o Exército fez mais de 16 mil vistorias em lojas, fábricas e zonas de importação e exportação de armas.
Mais de mil processos administrativos foram abertos pelo Exército por suspeitas de alguma irregularidade. De acordo com o coronel, a maioria dos processos foi aberto por conta da existência de estoques de armas e munições maiores que os permitidos nos estabelecimentos comerciais. “Isso pode resultar em multas, suspensão do registro e outras sanções previstas no decreto [5.123, de 2004, que regula o comércio de armas no Brasil].”
Em 2009, produção de armas de fogo no Brasil atingiu maior volume da década
Assim como aconteceu com o comércio de armas de fogo, as indústrias fabricantes também sentiram o impacto do Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, mas se recuperaram depois do referendo de 2005 - quando a população decidiu por manter a comercialização.
Em 2003, a produção atingiu o menor volume da década: 416 mil armas, uma redução de 56,2% em relação a 2001 (951 mil). Já em 2009, a indústria bélica nacional atingiu o recorde do período, com a fabricação de 1,05 milhão de revólveres, pistolas e fuzis. Os dados foram divulgados pela Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército.
A aprovação do estatuto tornou mais rígidas as regras para a posse de arma de fogo por civis. Em 2004, a produção continuou baixa em relação aos anos anteriores, com 423 mil unidades fabricadas. Mas em 2005, após o referendo, a produção cresceu 27,4% em relação ao ano anterior - chegando a 539 mil armas fabricadas – e continuou crescendo em 2006 (721 mil), 2007 (917 mil) e 2008 (983 mil), até chegar a 1,05 milhão em 2009.
O Estatuto do Desarmamento também parece ter contribuído para que as indústrias de armas brasileiras - que têm na Taurus e na estatal Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel) suas principais representantes - buscassem exportar mais sua produção. Em 2001, as fábricas exportaram 40,5% de sua produção.
Em 2004, esse percentual subiu para 86% e se mantém praticamente estável até hoje. Em 2009, por exemplo, as indústrias exportaram 88,8% de sua produção.
*Reportagem originalmente publicada, em quatro partes, na Agência Brasil
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