Eu sempre critico a postura da imprensa carioca, em relação às Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Mas hoje gostaria de parabenizar o jornal O Globo pela reportagem sobre a feira das drogas na Cidade de Deus. A matéria mostra que, apesar da UPP estar lá há mais de um ano, a venda de drogas continua ocorrendo a céu aberto.
Mas, mais que isso, a reportagem nos leva a refletir sobre os desafios que as UPP terão que enfrentar para se instalar em favelas de grande porte, como a Rocinha e os Complexos do Alemão e da Maré, assim como em outras grandes favelas do subúrbio.
Como tenho sempre dito, a UPP funciona quase que “perfeitamente” em favelas pequenas e médias, justamente porque ela trabalha com a lógica da ocupação militar territorial.
Como em qualquer ocupação militar, as ações tornam-se mais difíceis quanto mais complicado é o terreno (já dizia nosso mestre Sun Tzu há séculos).
Com relação à Cidade de Deus, a impressão que tenho pelas ocorrências policiais de lá é que a venda de drogas continua forte (inclusive de forma semi-organizado, como acontece em favelas sem UPP), mas sem a exibição de armas.
Imagino até que os bandidos tenham lá suas pistolas e revólveres guardados (lembrem-se que atividades ilegais exigem, de quando em quando, a demonstração de força). Mas o show de fuzis e pistolas nas ruas parece ter acabado (ou pelo menos sido reduzido de forma expressiva).
Sobre a venda de drogas, eu sou um defensor da legalização de todos os tipos de droga, então não vejo nenhum problema na existência de um negócio como esse na favela. É claro, desde q não haja violência.
O importante dessa história toda não é a venda de drogas, mas a lição que a Secretaria de Segurança deve (ou deveria) estar tirando da ocupação militar da Cidade de Deus.
A CDD (como é carinhosamente conhecida a mundialmente famosa City of God) sempre foi uma comunidade complicada com relação à violência, mas nunca apresentou tantos problemas como o Alemão, a Maré ou a Rocinha, por exemplo.
E,se a polícia está tendo problemas em conter os criminosos lá na comunidade de Jacarepaguá, certamente terá problemas muito maiores nessas outras favelas (principalmente naquelas do subúrbio).
Na Cidade de Deus, os bandidos, de certa forma, não têm competidores. Todo o entorno é tomado por milícias. As quadrilhas de drogas rivais mais próximas estão a quilômetros de distância.
Além do mais, a UPP, também de certa forma, faz um cinturão de segurança no entorno dos pontos de venda de droga, impedindo invasões e problemas com rivais.
Se na CDD, os bandidos não exibem mais suas armas, no Alemão a história poderá ser diferente. Na favela da Penha, as feiras de drogas poderão ter que ser guardadas.
No subúrbio, as favelas são muito mais próximas umas das outras do que em Jacarepaguá. Também no subúrbio, essas comunidades estão mais dividas entre quadrilhas rivais do que na vizinhança da Cidade de Deus.
Uma feira da droga no Alemão poderá necessitar ser guardada de uma possível invasão. Além do mais, bondes de assaltantes (que precisam de armas para conseguir seu objetivo criminal) provavelmente continuarão atuando na região.
Assim, nas favelas do subúrbio, os bandidos poderão ser levados a entrar em rota de colisão com a polícia, o que gerará conflitos diários com os policiais da UPP na região.
Ainda que se coloquem 2 mil policiais no Complexo do Alemão, os criminosos poderão continuar tendo que afrontar a polícia, tanto para cometer seus delitos quanto para defender seus negócios ilícitos de bandidos rivais.
Tudo leva a crer que uma ocupação das favelas do subúrbio não será tranquila e que a UPP não deverá funcionar como na zona sul ou Tijuca (e, no fundo, o governo do Estado sabe disso, tanto é que não arriscará uma jogada como essa antes da eleição, pois os riscos de fracasso são enormes).
Costumo pensar a UPP da Cidade de Deus como um laboratório. Os problemas de lá certamente se amplificarão ao ser transpostos para as favelas mais complicadas do subúrbio.
De qualquer forma, parabéns ao Jornal O Globo, por deixar um pouco de lado a fanfarra em torno das UPP.
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