Li no site do jornal “O Estado de S. Paulo” que a busca pelo suspeito Christopher “Dudus” Coke, na Jamaica, já deixou 73 mortos. Para quem não conhece o caso, “Dudus” é acusado pelos Estados Unidos de ser um dos principais vendedores de drogas da ilha caribenha e, por isso, tem um pedido de extradição feito pelos norte-americanos.
Há alguns dias, a polícia jamaicana, portanto, não tem medido esforços para prender o suspeito e entregá-lo, como prêmio, para os Estados Unidos. As cenas são espetaculares. Comboios militares circulando em caminhões pela cidade, policiais armados com fuzis, suspeitos sendo abordados e revistados com armas apontadas para suas cabeças, tiros ecoando pelas ruas de Kingston.
Só que essa busca implacável tem gerado uns “efeitozinhos colaterais” na idílica terra de Bob Marley. Segundo o Estadão, nada menos do que 73 cidadãos jamaicanos foram mortos desde que a polícia resolveu entregar “Dudus” às autoridades de Washington.
A situação de Kingston te lembra alguma coisa? A mim lembra a nossa Cidade Maravilhosa. Aqui, assim como na Jamaica, a polícia não mede esforços para prender o “inimigo número 1” da vez. Foi assim com Bem-te-vi da Rocinha, com o Tota do Alemão, com o Roupinol. Vem sendo assim com o Nem da Rocinha e com o FB do Comando Vermelho.
Caveirões e comboios circulam pelas ruas das favelas e de seus arredores. Policiais enchem o peito de orgulho e saem com seus fuzis à mostra, sempre em posição de combate. Fogos de artifício anunciam a chegada da polícia. Tiros começam a rolar. Corpos começam a aparecer e são levados (mesmo já mortos e cravejados com 50 tiros) ao pronto-socorro.
Crianças voltando da escola, mães de família indo para o trabalho, um senhor consertando sua casa, um trabalhador comprando o pão do café-da-manhã são atingidos no meio do fogo cruzado.
Para buscar o “Dudus” da vez (seja o Nem, o Zem, o Dem, o Sem, ou o FB, o JB, o LP), a polícia do Rio também não mede esforços. Para apresentar um “prêmio” para a imprensa, para a sociedade e para as autoridades, a polícia se envolve nas mais espetaculares ações.
Os efeitos colaterais não importam. Um cidadão de 47 anos atingido dentro de seu lar vira uma “fatalidade”, dizem o governador e o secretário de segurança em uníssono. São um remédio amargo, mas necessário para caçar os bandidos mais perigosos do nosso estado, dizem eles.
Se o FB causou 10 mortes na tentativa de invasão do Morro dos Macacos, temos que caçar esse perigoso “inimigo”. Mesmo que, para isso, causemos mais de 30 mortes com nossas operações espetaculares (três vezes mais mortes do que o perigoso “inimigo” causou).
Tudo bem se, depois de todo esse circo para prendê-lo, deixarmo-lo escapar ileso, alguns dias depois, de um churrasco em um sítio em Mangaratiba. Não tem problema, nenhum....
A Jamaica, o Brasil, a Colômbia e outros países que sofrem com altos índices de criminalidade, têm mais coisas em comum do que os “Dudus”, “FBs”, “Abadías” da vez.
Todos são países altamente desiguais, com grandes proporções de suas populações vivendo em favelas, com grande parcela do povo vivendo a margem da legalidade, com o Estado tendo uma baixíssima representatividade perante a esmagadora maioria dos cidadãos, com a maioria desses cidadãos quase sempre excluídos do escopo das políticas públicas.
E, em todos esses países, imprensa e autoridades fazem crer que o problema é causado por uma única pessoa: o mal personificado na figura do traficante de drogas.
Para esses países, parece não existir qualquer problema no fato de haver milhões de pessoas sendo obrigadas a viver a margem do Estado (simplesmente porque o Estado não quer inclui-las em seu sistema formal). Para esses países, onde milhões de cidadãos vivem sem apoio do Estado, o problema é o Dudus... É o FB... É o Pablo Escobar da vez...
Sabemos que essas pessoas não são a causa do problema (até porque estamos carecas de saber que mesmo sem o Bem-te-vi, sem o Beira-Mar ou sem o Pablo Escobar, o esquema de venda ilícita de drogas continua existindo tão forte quanto antes), mas apenas um incoveniente surgido no seio das sociedades doentes desses três países.
Se somos incapazes de perceber as incoerências de nossa própria sociedade (talvez pelo torpor que a convivência diária com essas incoerências nos cause), então talvez tenhamos algo a aprender com esse episódio na terra de Bob Marley.
Talvez esse episódio grotesco na Jamaica nos sirva para perceber nossos próprios erros.
Ja que as cerca de 5 mil pessoas que morrem anualmente no nosso estado, as cerca de mil que a polícia mata todo ano e as outras centenas que são vitimas de balas perdidas não chamam nossa atenção, então que pelo menos o caos na paradísiaca Jamaica nos desperte... Essa é a minha esperança...
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