É impressionante como a imprensa carioca (leia-se a TV Globo e os jornais O Globo e O Dia) tem se esforçado para manter um louvor diário às políticas de segurança do governo do Rio de Janeiro. A fé da mídia nas nossas autoridades de segurança chega a beirar o fanatismo, onde críticas a essas políticas são tratadas como "heresias".
Fanatismo esse que, na seita da imprensa carioca, tem como messias o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, e, como milagre, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Note que tentei usar, nos meus dois primeiros parágrafos, palavras que remetem ao campo semântico religioso, porque é justamente com uma fé-cega que a grande imprensa carioca tem noticiado os acontecimentos criminais no nosso estado. Hoje (6) pela manhã, ao ler o Jornal O Dia, percebi que essa fé está sendo levada ao exagero.
Ao ler uma manchete como “Moradores ‘ganham’ vistas deslumbrantes com UPPs”, seguida por uma matéria intitulada “Cariocas ganham mirantes da paz”, quase tive uma indigestão com meu café-da-manhã.
Bom, como vocês devem ter percebido, trata-se de uma reportagem cujo mote é: as Unidades de Polícia Pacificadora não só trouxeram paz para os moradores das favelas, mas também permitiu aos cariocas subir esses morros e apreciar a vista da cidade.
Não sei se eu estou ranzinza demais ou se a imprensa está realmente apelando. Por acaso os moradores do Rio não tinham vistas “deslumbrantes” da cidade antes das UPP? Os mirantes do Corcovado, Pão-de-Açúcar, Paineiras e vários outros não existiam antes das UPP? Será que algum carioca vai mesmo subir as íngremes ladeiras dos Tabajaras, do Dona Marta ou do Pavão-Pavãozinho em busca de uma vista excepcional? Talvez.
Mas e daí? O que acontece agora? Os cariocas do asfalto sobem o morro e apreciam a vista? Sobem a favela e olham para o mar? Sobem a favela e ignoram a situação de miséria que continua por ali? Ignoram que a favela continua cheia de barracos insalubres, onde dezenas de pessoas dividem pequenos cômodos, onde a renda familiar é sofrível, onde as chances de se conseguir um emprego decente são mínimas, onde as mães têm que se desdobrar para que os filhos não fiquem desassistidos enquanto elas vão ao trabalho?
Pouco importam todas as mazelas que ainda persistem nas favelas cariocas. A polícia entrou, ocupou, tirou os criminosos armados e permitiu que os cariocas tivessem uma oportunidade a mais para curtir “uma vista deslumbrante”. É claro, a polícia também ocupou para acabar com aqueles incômodos tiroteios que atrapalhavam o sono da abastada elite carioca em seus aconchegantes apartamentos na zona sul.
A favela continua ali. Os favelados continuam vivendo a mesma vida. Eles continuam tendo as mesmas perspectivas de inserção na sociedade, continuam tendo as mesmas dificuldades no seu cotidiano.
Os criminosos armados foram embora. Aleluia, irmãos! Mas a vida daqueles que moram nas favelas não melhoraram por isso.
Então, fiquei pensando comigo mesmo: foi nisso que o combativo jornalismo policial carioca se transformou: numa tentativa desesperada de encontrar pautas que exaltem os feitos da Secretaria de Segurança e do nosso governador Sérgio Cabral? Numa luta diária para encontrar formas de louvar as unidades de polícia pacificadora?
Quero acreditar que a atitude da imprensa carioca seja apenas uma ingenuidade. Não quero crer que a grande mídia está deliberadamente defendendo os interesses do governador Sérgio Cabral (apesar de conversas com colegas jornalistas me indicarem que há, sim, uma defesa deliberada de Cabral em seus jornais).
Só me questiono se, algum dia, antes das eleições, teremos reportagens isentas, imparciais e críticas sobre as UPP. Continuo esperando que esse dia chegue. Enquanto isso, quem sabe, posso passar meu tempo curtindo uma “vista deslumbrante” num “mirante da paz” nas nossas favelas da zona sul.
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