quarta-feira, 5 de maio de 2010

UPP: por uma avaliação realista e sem euforia

Devo confessar que fui inicialmente tomado pela onda de euforia em torno das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), da Polícia Militar, assim que foram criadas pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Fui contagiado por elas. Afinal, as UPP traziam de volta uma política de polícia comunitária para o estado.

Era uma promessa de trazer paz para as favelas, afetadas pela tirania de bandidos e pelos confrontos entre criminosos e policiais. Ao se colocar um policial mais próximo da comunidade e expulsar o bandido, a polícia criava um novo paradigma de relação com aquelas pessoas.

Era uma chance de melhorar a imagem da polícia frente à população, sempre oprimida por ações violentas do Estado. Além do mais, tirava das crianças o referencial do bandido como um favelado bem sucedido, poderoso, com dinheiro e cheio de mulheres.

Colocava, em seu lugar, o referencial do Estado como um braço amigo com o qual eles poderiam contar para resolver seus problemas. Mas ao analisar o desenrolar da estratégia das UPP, uma pergunta começou a martelar na minha cabeça: Qual a sustentabilidade deste projeto?

Até onde esse projeto pode chegar? Todas as favelas podem ser pacificadas? Em favelas gigantes, o modelo pode ser aplicado? Quantos policiais seriam necessários para ocupar essas favelas todas? Qual o custo disso para o contribuinte?

E se todas as favelas forem ocupadas, o crime não migraria para o asfalto? Foram perguntas q foram surgindo aos poucos na minha cabeça. Então, comecei a tentar buscar as respostas. Comecei a tentar descobrir quais seriam os verdadeiros planos da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro para as UPP.

Uma das primeiras coisas que descobri era que a UPP da Cidade de Deus, a maior delas, não havia sido totalmente bem sucedida. Foi o início de uma ducha de água fria que se preparava para cair sobre a minha cabeça.

Em seguida, descobri que os planos da Secretaria de Segurança só previam UPP para no máximo 100 favelas (depois a Secretaria de Segurança aumentou este número para 120). Mas o Rio deve ter umas duas mil favelas e a maioria é controlada por grupos criminosos.

Comecei então a imaginar o que seriam das áreas sem UPP. Ainda que ela fosse bem sucedida nas áreas onde implantada, o que aconteceria nas demais regiões?

Fiquei imaginando... Se uma das principais características da criminalidade do Rio de Janeiro é o aspecto da disputa territorial, não é de se imaginar que quanto menos territórios disponíveis, mais acirradas sejam as disputas por essas áreas remanescentes?

Então comecei a pensar: se a própria teoria da territorialidade, aceita pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, estiver correta, mais sangue pode rolar no estado durante o processo de expansão das UPP.

Então descobri outra coisa, que divulguei em primeira mão no Twitter: o Estado usaria as UPP para criar um cinturão na zona sul, na Grande Tijuca e no Centro da cidade. Em outras palavras: em 2010, o subúrbio, zona oeste e Grande Rio não veriam as tão esperadas UPP.

O governo optaria, em um ano eleitoral, por criar um “cinturão de segurança” justamente nas áreas menos violentas da capital. O anúncio da criação do cinturão divisor da cidade foi feito justamente inadvertidamente por um funcionário da Prefeitura do Rio, no Fórum Urbano Mundial das Nações Unidas, que, ironicamente, tinha o tema "UNINDO A CIDADE DIVIDIDA".

O Estado não uniria a cidade dividida, mas a dividiria ainda mais. As áreas menos violentas ficariam mais seguras. E as áreas mais violentas? Comecei a pensar não só na conhecida teoria da migração criminal, mas também pensei além. O governo tira das mãos do tráfico, as favelas mais privilegiadas (do ponto de vista do lucro), mas não combate a demanda por drogas.

Se um morador de Ipanema não tiver mais como comprar cocaína no Cantagalo, o que ele fará? Deixará de cheirar? Talvez. Mas acho improvável. Como viciado, ele se deslocará até o subúrbio para comprar.

E o mesmo lucro q era gerado no Cantagalo, começará a ser gerado no Jacaré, no Complexo do Lins e em outras favelas do subúrbio. Com a diferença que os territórios serão mais restritos para as quadrilhas.

As tentativas de tomada de bocas de fumo poderão ser maiores. Além disso, as quadrilhas que dominam determinada favela podem tornar seu controle mais violento, já que há o risco maior de invasões por criminosos rivais pode torná-las mais paranóicas.

E, junto a essa minha hipótese, há o fato de que, fora as UPP, a essência da política de segurança do Rio de Janeiro não mudou. As operações policiais rotineiras (e geralmente inúteis) continuam. Não há grandes investigações que desarticulem esquemas de entradas de droga e armas no estado.

As investigações de homicídios e outros crimes violentos continuam com baixas taxas de elucidação. A polícia continua recorrendo ao uso de armas com grande poder de fogo para patrulhamento de rotina e não acata a lei estadual que a obriga a usar armamento não letal.

A realidade social dos moradores das áreas mais carentes continua melhorando de forma muito lenta. As políticas sempre são preferencialmente voltadas para áreas mais nobres (que, em geral, não necessitam tanto da atenção pública).

Não há políticas para as cidades médias do interior do estado, onde os índices de crimes violentos vêm paulatinamente nos últimos anos.
Hoje, apesar de respeitar o conceito de policiamento comunitário das UPP, não consigo mais ter tanta euforia. Em tese, as unidades pacificadoras são um projeto interessante, mas é preciso que haja uma avaliação constante desse programa.

É preciso que a sociedade (e a imprensa em especial) tenha uma visão crítica sobre as UPP. É necessário que pesquisadores em segurança pública estudem os efeitos dessa política sobre a segurança pública do estado como um todo. Enfim, é preciso reduzir a euforia (como eu infelizmente reduzi) para acompanhar essa política de forma isenta, como qualquer política pública merece ser acompanhada.

Mas, mais importante ainda, é preciso que a sociedade fluminense (não só a carioca) tenha a coragem de dizer: “Se a UPP só beneficia a alguns em detrimento de outros, não a queremos como política pública para o Rio de Janeiro”.

*Texto publicado no Twitter em 5 de abril de 2010, com alterações

Um comentário:

  1. upp é nada mais nada mesmo um reinvenção de ditadura militar territorial,a incompetência da policia q não coibe,até mesmo por que como q eles vão comprar seus AUDI's,a entrada de drogas e armas na região,assim verdadeiramente enfraquecendo o crime e o poder q ele exerce sobre o favelado.

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