quarta-feira, 12 de maio de 2010

Por que eu defendo que as drogas têm que ser legalizadas: Um apelo pelo fim da guerra às drogas

Queria aproveitar hoje, que estou em casa me recuperando de uma sinusite, para fazer algumas reflexões sobre o tráfico de drogas e responder algumas perguntas geralmente feitas a mim, em conversas familiares e em mesas de bares, quando defendo a legalização das drogas.

- Quando começou a proibição das drogas no mundo?
R: Um dos marcos é a Convenção de Haia em 1912.

- A violência diminuiu desde então?
R: Você sabe que não.

- Foi a droga propriamente dita ou a “guerra às drogas” que matou tanta gente neste periodo?
R: A droga mesmo só matou algumas vítimas de overdose. A esmagadora maioria foi vítima da violência originada pela guerra às drogas.

- Por que as drogas são proibidas?
R: A proibição às drogas, em nível mundial, ganha força nos Estados Unidos, então um país em ascensão no cenário internacional. Foi na década de 1910 que surgiram as primeiras proibições de substâncias entorpecentes, como uma política discriminatória contra populações imigrantes e minorias étnicas no Tio Sam (qualquer semelhança com as atuais políticas de discriminação contra a população muçulmana não é mera coincidência). O uso de ópio pelos chineses contratados para construir ferrovias no oeste dos EUA, o de maconha pelos mexicanos e o de cocaína pelos negros eram uma ameaça à sociedade cristã norte-americana (pressuposto no mínimo curioso, uma vez que o uso de drogas nunca foi restrito às minorias e nem aos imigrantes). As drogas, segundo os inteligentes defensores da proibição, criavam o ócio e a tendência à violência por essas populações, o que ameaçava a branca e protestante sociedade anglo-saxã nos Estados Unidos. Não por acaso, substâncias como a cocaína que eram amplamente utilizadas tanto nos EUA como na Europa, começaram a ser demonizadas. E logo, a comunidade internacional estranhamente começou a dizer que essas drogas eram ruins e que seu uso precisava ser banido do mundo.

- A sociedade brasileira teve a chance de decidir, de forma democrática, se queria legalizar as drogas ou não?
R: Não, nunca tivemos essa chance.

- O tráfico de drogas é um crime violento?
R: Não. A cocaína não mata ninguém além do cara que ingerir uma quantidade superior àquela que seu organismo pode suportar. Como eu não cheiro, não corro risco de morrer por causa da cocaína.

- Você quer dizer então que os traficantes não são violentos?
R: Não, nunca disse isso. Disse apenas que a venda de drogas não é, por si, um crime violento. É como comprar e vender pão, por exemplo. O problema são os crimes conexos com essa atividade ilegal, ou seja, homicídios, agressões, roubos, torturas, porte ilegal de arma, corrupção, extorsão etc.

- Mas, se você diz que o tráfico de drogas não é violento, por que há tanta violência envolvida?
R: Porque em negócios ilegais, não há justiça ou tribunais arbitrais para decidir controvérsias. Por exemplo, se você tiver uma carga de cocaína roubada, você não vai poder registrar a ocorrência na DP do seu bairro. Você precisa resolver de forma violenta, para mostrar quem é que manda e, assim, evitar que sua carga não seja roubada novamente. Então o “traficante” mata o cara que o ludibriou para mostrar que não se pode roubar sua droga e ficar impune. Outro exemplo: Se alguém tentar invadir meu território, não posso reclamar com ninguém, preciso meter bala para não perder o que é meu. Logo, negócios ilegais se resolvem de formas ilegais.

- Então, se a venda de drogas for legalizada, a tendência é que a violência diminua?
R: Eu, pessoalmente, acredito que sim. Controvérsias poderão ser resolvidas em tribunais e não precisarão mais das armas.

- Por que você acredita que a legalização vai diminuir a violência relacionada ao tráfico de drogas?
R: Porque isso é o lógico. Mas, de qualquer forma, há pelo menos um exemplo histórico que serve de paradigma para se fazer uma análise como essa. Trata-se da Lei Seca dos anos 20 e 30 dos Estados Unidos, período durante o qual a venda de bebidas alcoólicas foi proibida completamente, assim como a cocaína e a maconha hoje. Apesar do curto periodo em que houve a proibição, ele foi suficiente para estimular o surgimento de máfias de contrabando de bebida alcoólica, o aumento meteórico dos homicídios, a falta de controle sobre a qualidade do álcool consumido, a corrupcão e a matança de policiais. Problemas resolvidos depois que o álcool voltou a ser legal nos EUA.

- Traficantes são pessoas más e cruéis, que visam desestabilizar o Estado constituído, para poder implantar seu Estado Paralelo, instalar o caos sobre a cidade e reinar sobre um cenário apocalíptico como servos de Satã?
R: Se formos acreditar em tudo o que a policia, as autoridades e a imprensa publicam, sim. Se pensarmos criticamente, chegaremos à conclusão de que traficantes são apenas comerciantes capitalistas que querem ganhar dinheiro vendendo mercadorias a outras pessoas que desejam comprá-las. Claro que há bandidos violentos, assim como há policiais violentos, jogadores de futebol violentos, jornalistas violentos, políticos violentos etc. E, como falado acima, muito da violência do negócio jaz justamente no fato de ser ilegal.

- Dizem que, se as drogas forem legalizadas, muitas pessoas vão começar a usar essas substâncias. Com isso, o numero de pessoas drogadas vai explodir...
R: Bem, experiências de descriminalização ou legalização parciais em países como Portugal e Países Baixos mostram que isso não aconteceu. Mas, de qualquer forma, esse é um risco que temos que correr. Afinal, a proibição às drogas nunca impediu que seu consumo explodisse no mundo todo. Segundo me consta, o uso das drogas começou a crescer justamente nas décadas de 60, 70 e 80, justamente quando a repressão se tornou mais forte. Logo, se a proibição não inibe o consumo, por que não tentar a legalização?

- A legalização vai aumentar os roubos de rua, já que as pessoas vão consumir mais e precisar de mais dinheiro para comprar a droga?
R: Bom, se eu não acredito que vá haver grande aumento no consumo, não tem por que crer que haverá aumento nos roubos. De qualquer forma, o Rio de Janeiro já tem tanto roubo de rua que não é um drogado a mais que fará diferença. E mais, com a legalização, a polícia não precisará mais investir essa fortuna que hoje investe na repressão ao trafico. Poderá destinar todos esses recursos para reprimir o que realmente aumenta a violência urbana: roubos e homicídios.

- Mas como a gente pode apoiar a legalizacão de uma coisa que faz mal à saúde das pessoas?
R: Bom, se você acredita na liberdade individual das pessoas, então você deve aceitar que cabe exclusivamente ao indivíduo decidir se ele quer usar ou não determinada substância em seu organismo. Não cabe a mim, a você ou ao Estado decidir se fulano quer se drogar ou não. O consumo excessivo de drogas pode afetar a saúde das pessoas assim como o uso excessivo de álcool, de cigarro, de botox, de gordura ou até de comida fast food. O uso excessivo de drogas pode levar à morte assim como um voo de asa delta, um salto de para-quedas, a prática de surfe, as corridas de automobilismo, as lutas esportivas etc. Tudo isso é perigoso e depende exclusivamente da vontade individual de cada pessoa. Nenhuma dessas coisas é proibida pelo Estado, só o consumo de drogas.

- Então como podemos legalizar as drogas?
R: Em primeiro lugar, precisamos estimular o debate crítico da sociedade, em vez de reprimir os setores que pedem o diálogo toda vez em que eles se manifestam em favor da legalização. Em segundo lugar, com o debate maduro, o país deve propor um referendo para conhecer a opinião da população brasileira sobre o assunto. A partir daí, o Brasil deve se retirar do tratado internacional antidrogas das Nacões Unidas, para que possa decidir soberanamente (isto é, sem precisar dar satisfação, como um cordeirinho submisso, aos Estados Unidos ou à Europa) sobre o futuro de sua sociedade. Depois, pode-se mudar a legislação nacional sobre o assunto, para que possa ser adotada uma legalização gradual das drogas, começando pelo fim da repressão ao consumo das substâncias menos perigosas e terminando, em médio prazo, na legalizacão do uso e venda de todas as drogas (isso mesmo TODAS, sem exceção).

- Você só esta defendendo a legalização das drogas porque você é um maconheiro que quer se drogar sem o incômodo da repressão policial...
R: Aí você se engana. Não uso maconha, cocaína ou qualquer droga ilícita. Nem pretendo usá-las depois da legalização. A única vez em que pus um cigarro de maconha na boca foi num coffee shop em Amsterdã, onde isso é legal. Mas devo confessar que dei apenas duas tragadas no cigarro e tossi tanto que nem quis fumar mais. Defendo a legalização apenas para me livrar do grande incômodo da despropositada e letal guerra às drogas que fomos obrigados a importar dos EUA há 40 anos.

- Sou um policial, promotor, juiz, politico. Como posso defender uma coisa ilegal como as drogas?
R: Bem, as drogas só são ilegais, porque elas ainda não foram legalizadas. A discussão aqui é justamente para acabar com a ilegalidade.

- Mas legalizar as drogas seria reconhecer que perdemos a guerra contra o tráfico...
R: Cara, sejamos realistas. Os EUA, que são os EUA e que têm apenas que vigiar a fronteira com o México ao sul (a fronteira com o Canadá, ao norte, não traz grandes problemas, com exceção do tráfico de BC Bud), não conseguem impedir as centenas de toneladas de drogas que chegam ao país todo ano. Por que vocês acreditam que o Brasil, que tem 15 mil km de fronteiras terrestres e é o único pais do mundo que faz fronteira com os três produtores de cocaína, vai conseguir? Sejamos realistas...

- Qual seria o futuro do comércio das drogas depois da legalização?
R: Como qualquer produto legal dentro do sistema capitalista, o comércio seria regulado pelas leis de mercado, sob o controle estatal. Em vez de bandidos armados, empreendimentos legais poderiam vender essas substâncias, como é o caso do álcool, vendido nos milhões de botecos desse Brasilzão. A fabricação seria feita por industrias a serem vistoriadas periodicamente com controle de qualidade a ser aferido pela Anvisa ou pelo Inmetro. A plantação de coca seria fiscalizada pelo Ministério da Agricultura. O produto seria vendido no comércio varejista dentro da embalagem lacrada na fábrica, para impedir a adulteracão. A pureza da droga seria informada na embalagem. Os lucros do comércio chegariam aos cofres publicos por meio de impostos. Parte dos impostos seriam revertidos ao Ministério da Saude, para que ele pudesse investir mais em unidades de recuperação de drogados. A polícia não precisaria mais trocar tiros com favelados. Tampouco se corromperia com arregos de criminosos. Os criminosos ainda usariam suas armas durante algum tempo para praticar crimes nas ruas, mas logo isso seria reduzido, já que eles não teriam mais o dinheiro do tráfico para financiar suas armas e munições. Os governos fariam uma anistia para o crime de tráfico (apenas para esse crime, já que assassinatos, roubos etc teriam que ser julgados) e traria os milhares de vapores, soldados, fogueteiros para o comércio legal, através de programas de emprego específicos. A venda para menores seria proibida como acontece no caso dos cigarros e bebidas alcoolicas.

Um comentário:

  1. Mais um texto lúcido com o qual concordo linha a linha.Pena que o tema "não interessa" a tanta gente assim. Outro dia promovi um debate sobre o tema no twitter com meus followes. Que as pessoas se baseiam no senso comum pra falar das coisas, é fato, e nem sempre por culpa delas, ja que geralmente são pautadas pelo que a midia - e seus discursos muitas vezes pobres - lhes oferece. Triste foi ver alguns políticos se baseando em crenças religiosas (num estado laico!!!!!) ou em "achismos" para dizer que isso é um "absurdo", que é coisa de vagabundo e não de "pessoa direita"...
    Mas fiquei feliz de ver muita gente interessada e aberta na discussão. Há uma luz no fim do tunel...

    Abs

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